Por Clênio Sierra de Alcântara
Foto: divulgação Gabriel, Leonardo e Giovana: o amor e a amizade são os elos mais fortes |
Tratar de temas considerados
espinhosos no cinema não é tarefa das mais fáceis, porque um erro de condução
pode fazer com que a narrativa figure como um incendiário retrato da realidade
e/ou como um registro piegas. Na medida certa, sem pesar a mão e nem forçar a
barra, o diretor e roteirista Daniel Ribeiro tocou em seu recente
longa-metragem em três assuntos difíceis – o bullying, a deficiência visual e a descoberta da sexualidade, no
caso, da homossexualidade na adolescência – com uma delicadeza e um vigor
expressivo como pouquíssimas vezes eu vi na cinematografia brasileira.
Pode-se dizer que o amor e
amizade são os fios condutores da trama que constitui o indispensável Hoje eu quero voltar sozinho, que leva o
espectador a acompanhar o cotidiano escolar e familiar do jovem Leonardo
(Guilherme Lobo) que é cego de nascença. Leo é superamigo de Giovana (Tess
Amorim), que estuda na mesma classe que ele. A relação sofre um abalo com a
chegada de um novo aluno, Gabriel (Fábio Audi) por quem Leo acabará se
apaixonando.
Vista num primeiro plano, a vida
de Leonardo na escola é tranquila porque ele se mostra um aluno comprometido
com seus estudos. Mas tem o outro lado: Leo é, vez por outra, vítima de
armações protagonizadas por outros colegas de turma, como na ocasião da
brincadeira do beijo, que se desenrola numa festa de aniversário, em que, não
fosse pela intervenção de Giovana, que chega de repente, ele beijaria a boca de
um cachorro.
Já a rotina em sua casa nos é
mostrada como algo um tanto quanto sufocante para ele. Seus pais – mais a mãe
do que o pai – são amorosos e superprotetores; e Leo avalia os cuidados, para
ele exagerados, como uma proteção descabida no sentido de que ela não existiria
caso ele não fosse cego. Daí por que em dado momento ele alimenta a vontade de
fazer um intercâmbio, o que leva seu pai a questioná-lo: qual o propósito real
da viagem?
Apreciador de música clássica.
Neto de uma avó terna e acolhedora... Em companhia de Gabriel, Leonardo vai
experimentando novas sensações: o vento batendo na cara durante um passeio de
bicicleta; a ida pela primeira vez a uma sessão de cinema, ouvindo atentamente
a audiodescrição feita pelo amigo... O transcurso do tempo fará nascer e
crescer entre ambos um afeto que irá uni-los ainda mais.
Assisti ao excelente Hoje eu quero voltar sozinho na sexta-feira retrasada, no Cinema São Luiz, do Recife. É, sem dúvida alguma, um filme de
muitos méritos, sendo a escolha do elenco e o esmero da narrativa, a meu ver,
seus pontos altos. Num panorama que ultimamente tem privilegiado a comédia, o
trabalho de Daniel Ribeiro figura certamente como um corpo estranho, da
mesma forma que O som ao redor, de
Kleber Mendonça Filho, Praia do Futuro,
de Karin Aïnouz, Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes e Tatuagem, de
Hilton Lacerda. Toda uma verdade aparece nítida em Hoje eu quero voltar sozinho, porque Daniel Ribeiro faz do cinema
um exercício não apenas de divertimento mas também - e principalmente - de
compreensão da vida; e, embora seja uma arte da imagem por excelência, ele nos
diz, com esse seu filme, que o essencial é realmente invisível aos olhos.
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