9 de agosto de 2014

Era uma vez o Espaço Cultural Bandepe


Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Arquivo do Autor


Muito embora as últimas exposições que ocuparam o espaço dessem a entender que algo não andava bem, dada a completa falta de sintonia com o histórico de várias que foram montadas ali em outros tempos, sinceramente, eu pensava que se tratava de ausência de talento tanto dos atuais curadores como das empresas contratadas para as montagens. Não era. Dentro em pouco a casa foi fechada e anunciaram que o edifício iria passar por uma revitalização. Não foi nada disso.





Ocupando um prédio situado entre as avenidas Alfredo Lisboa, Marquês de Olinda e Rio Branco, no Bairro do Recife, com uma arquitetura eclética que remonta ao período de haussmannização do bairro no início do século XX (sobre o período ver Cátia Wanderley Lubambo. O Bairro do Recife: entre o Corpo Santo e o Marco Zero. Recife: CEPE/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1991), época em que se processavam as obras de melhoramento do porto, e onde funcionou o River Plate Bank, o Espaço Cultural Bandepe – depois ele receberia o nome de Instituto Cultural Bandepe, Instituto Cultural Banco Real e, por fim, Santander Cultural devido a operações de aquisição entre essas instituições bancárias -, quando foi inaugurado, no fim dos anos 90, ao mesmo tempo em que, por um lado, podemos dizer, figurava como mais uma ação enquadrada nas tantas que marcaram o país dentro da efeméride dos 500 anos do descobrimento do Brasil, por outro lado, ele aparecia como mais um elemento importante dentro de todo o programa em curso, naquela década, de recuperar, reestruturar e revitalizar a zona portuária que há muito perdera o brilho de outrora e apresentava boa parte do patrimônio edificado com sérios níveis de degradação. Examinado com muita propriedade por Rogério Proença Leite no livro Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência da cidade (Campinas, SP: Editora Unicamp; Aracaju: Editora – Ufs, s. d. ), o Plano de Revitalização do Bairro do Recife, com todos os seus méritos e senões, representou uma retomada de cuidado para com a preservação do acervo arquitetônico da cidade do Recife.




O Espaço Cultural Bandepe foi inaugurado com uma exposição belíssima e muito bem concebida, sob todos os aspectos, que retratava a presença holandesa no Brasil do século XVII, destacando o período dessa ocupação em Pernambuco. A esse evento se seguiram outras mostras memoráveis – algumas com catálogos primorosos e disputadíssimos -, como a que trouxe obras do pintor italiano Giacomo Balla, a que retratou o papel do açúcar como fundamento de toda uma civilização, a que exibiu peças da grande e admirável coleção de arte popular de Jarbas Vasconcelos e a ocorrida de março a maio de 2003 intitulada Desenhos da Terra - Atlas Vingboons, que contou com a presença da Rainha Beatrix, dos Países Baixos, do Príncipe de Orange de da Princesa Máxima.

De tal maneira o Espaço Cultural Bandepe marcou a vida cultural do Recife que a notícia de seu fechamento significou para todos aqueles que, como eu, se habituaram a frequentá-lo – é o que imagino -, o fim de uma época de ouro do trato com a produção artística nas mais variadas vertentes, arrumadas e exibidas em concorridas exposições. Sem contar que, a partir de um determinado período, o público ainda teve o privilégio de apreciar o acervo da Coleção Marcantonio Vilaça que passou a ocupar de modo permanente um dos pavimentos do espaço. E agora, para onde irão essas peças? O episódio me fez recordar do caso, ocorrido décadas atrás, quando Pernambuco abriu mão do monumental conjunto de peças de arte sacra do colecionador Abelardo Rodrigues, que acabou indo para a Bahia, onde, é bom que se diga - e até onde eu sei - está muito bem conservada.




Na correspondência despachada para o seleto grupo de pessoas que recebia informativos e convites para os vernissages – como era o caso de Edson Nery da Fonseca – foi anunciado assim o término das atividades do espaço:


Até o ano passado, o Santander mantinha no Recife o Santander Cultural, cuja história muito os orgulha e pelo qual passaram importantes exposições nacionais e internacionais. Porém, percebemos que poderíamos fazer muito mais pela cultura local, sendo parceiros de uma instituição forte e relevante para a região, como o MEPE [Museu do Estado de Pernambuco]. Por isso, a partir desse ano, o Santander Cultural encerra suas atividades no Recife e o banco será patrocinador do Museu do Estado de Pernambuco.





Embora eu concorde com fato de que o mecenato deve sim apoiar a manutenção de instituições culturais, não posso concordar com a afirmativa “percebemos que poderíamos fazer muito mais pela cultura local”. Como assim? Fecham um espaço que durante anos figurou como sinônimo de grandes exposições e que abrigava uma das coleções de arte contemporânea mais importante do país – que é a Coleção Marcantonio Vilaça – e ainda dizem isso?!


Ao fechar definitivamente suas portas o Espaço Cultural Bandepe/Santander Cultural encerrou um ciclo que foi um dos mais fecundos do mundo cultural recifense.

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