9 de outubro de 2014

Crônicas de ônibus (III)


Por Clênio Sierra de Alcântara





Fotos: do autor          Todos os registros que aqui aparecem foram feitos na PE-01, conhecida como Estrada do Forte, na Ilha de Itamaracá



Em alguns dos ônibus que circulam pela Região Metropolitana do Recife aparece afixado numa das janelas que fica próxima ao cobrador, um adesivo do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) informando que um dos artigos do regulamento que rege o sistema – Artigo 75, inciso VII – determina que é  proibida a ação de vendedores e pedintes – deveria ser acrescentado a de pregadores de toda e qualquer religião, cantores e congêneres – dentro dos coletivos. Como no Brasil infringir as normas e as leis é o que realmente vale – e neste caso o primeiro infrator é o motorista, porque permite o embarque de tais morrinhas -, quem sofre somos nós passageiros.










Os pregões – seja por qualquer produto ou doutrina que vá ser vendido e/ou anunciada – geralmente começam com esse discursinho irritante e perturbador: “Bom dia, senhores passageiros!”. Ninguém ou quase ninguém responde. Então o fulano ou a fulana insiste, querendo parecer simpático e – cúmulo do absurdo – educado: “Pessoal, bom dia!”. Talvez movidos por uma vontade enorme de ver a tal falante criatura terminar logo a ladainha e desembarcar, os passageiros respondem com um desanimado “Bom dia!’. E o infrator vem com essa: “Senhores passageiros, desculpe interromper o sossego de vocês...”. Daí para frente o que muda é a oferta.












A mulher pedinte, normalmente magricela, desgrenhada e exalando um cheirinho desagradável, fala como se estivesse cantando ou fazendo um jogral: “Senhores passageiros, peço pelo amor de Deus que vocês me ajudem. Tenho cinco filhos pra criar. Meu marido tá desempregado e nós não temos nem uma casa pra morar. Deu ma hora dessa e eu não comi nada ainda. Me ajudem, por favor. Qualquer ajuda serve: cinco centavos, dez centavos... Aqueles que me ajudar, que Deus abençoe. Aqueles que não puder me ajudar, que Deus abençoe da mesma forma”. A outra variação de pedinte é uma criança, adolescente ou adulto – às vezes com deficiência auditiva – que circula entre os passageiros distribuindo papelotes xerografados nos quais estão impressas mensagens pedindo auxílio financeiro. E ainda tem os outros casos de deficientes físicos e/ou portadores de doenças que não têm o mínimo de pudor e/ou constrangimento de exibir suas moléstias, como o jovem rapaz que fala, fala e depois mostra o ferimento numa das pernas, que é uma das coisas mais feias que eu já vi.
















Os vendedores de bombons vêm logo com esta conversinha: “Vocês podem observar que o prazo de validade vai até o ano que vem”. E emendam com outra conversa fiada: “Em qualquer barraca ou fiteiro, vocês encontram esse mesmo produto por R$ 2,00, R$ 2,50... e aqui eu tô vendendo só por R$ 1,00”. E tem vendedor que carrega uma porção de coisas: água, refrigerante, sequilhos, pipoca; e nem se importa em deixar o sacão de pipoca ou a caixa de isopor enorme atrapalhando a passagem.






























Portando pandeiros a dupla de emboladores não deixa ninguém quieto. Os dois camaradas mexem com todo mundo: dando-lhes dinheiro ou não eles nos botam na rima: “Vou contar, vou contar. Tão vendo essa moça que mais parece uma princesa, me deu só uma moedinha pra mostrar a gentileza”. E o outro: “Vou contar, vou contar. Esse aí de camisa listrada faz de conta que tá dormino, isso é pra não dar o que nós tamos pedino”.  E mais uma – e comigo -: “Vou contar, vou contar. Esse rapaz barbudo daqui a pouco vai ler o livro inteiro; mas ele não me engana, o bicho é muito pirangueiro”. E para terminar: “Vou contar, vou contar. Senhores passageiros, os que ajudaram ou não, muito obrigado a todos, e cuidado com o Ricardão”.


































Os mais inconvenientes, sem sombra de dúvidas, são os pregadores religiosos. É um pessoal com ar de louco que se põe a falar pelos cotovelos atropelando o bom senso e maldizendo as coisas do mundo, repetindo versículos da Bíblia como se fossem sentenças de vida ou de morte e eles, claro, estivessem a salvo de tudo. Como às vezes o palavrório se mantém por minutos a fio, algum gaiato brada: “Tá bom, irmão. Vá com Deus”. E um outro faz um trocadilho em tom de chiste: em vez de dizer “A paz do Senhor, irmão”, fala “Atrás do senhor, irmão”. E ouve-se um risinho aqui e ali.

















É verdade, nem todos os motoristas admitem esses tipos de ações dentro dos coletivos. Dia desses um sujeito empunhando algumas caixas de chocolate se achegou à porta da frente e falou assim:

- Motô, abre lá trás, por favor!






















Sem dizer uma palavra que fosse e nem fazer expressão de consentimento, o motorista deu a entender, ainda assim, que permitiria o embarque do vendedor ambulante, ou pelo menos foi isso que o sujeito compreendeu, porque tão logo dirigiu a palavra ao condutor, correu para embarcar. Que nada! O motorista partiu em disparada, deixando para outro que quisesse infringir o regulamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário