Foto: internet A especulação imobiliária avança por todos os espaços, muitas vezes sem respeitar a preservação do meio ambiente e nem prédios e/ou áreas de reconhecido valor histórico |
Em
setembro de 1708, o senhor Antônio Gonsalves de Souza pediu ao governo uma
braça e meia de chão “para sua filha aumentar uma casa de pedra e cal, que
possuía na Rua da Boa Vista, atualmente, Rua Dr. Sá Andrade”. Em outubro
daquele mesmo ano, o Capitão Antônio Velho Gondim, alegando estar “sem casa
própria para morar”, solicitou também à governança de João da Maia Gama, um
“chão sem senhorio desde os tempos dos Flamengos” na então Rua Direita. Eis
aqui dois exemplos dos vários colhidos e registrados por Walfredo Rodríguez no
seu Roteiro sentimental de uma cidade
(São Paulo: Editora Brasiliense, 1962, p. 17 e 18) retratando aspectos da
capital paraibana – que então se chamava Paraíba – no século XVIII. Sem risco
de cometer um engano, pode-se dizer que esses pedidos de terrenos aos
governantes para erguer residências em áreas de incipiente urbanização eram
comuns no restante do país que, naquela centúria, segundo o estudo Vilas e cidades do Brasil Colonial, de
Aroldo de Azevedo (Boletim nº 208 – Geografia nº 11. Universidade de São
Paulo/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1956), contava com apenas dez
cidades e pouco mais de uma centena e meia de vilas espalhadas ao longo de todo
o território.
Historicamente
a formação de cidades no Brasil, ou, melhor dizendo, de áreas que começavam a
ser urbanizadas, foi acometida por essa necessidade de espaços para erigir as
edificações. Alguém pode perguntar: mas se se estava no começo da ocupação, não
havia muitos espaços vazios? Decerto que sim.
Por outro lado, o tempo era de perigo constante no que diz respeito a
invasores estrangeiros e conflitos com os nativos; de modo que, o mais sensato
era erguer morada no entorno dos prédios públicos – civis e religiosos – a fim
de desfrutar da defesa que a eles era destinada, ainda que isso não fosse uma
garantia absoluta. Além disso, queria-se estar próximo aos estabelecimentos
comerciais e aos prestadores de serviços.
Recuei
tanto na história para falar de uma séria questão destes nossos dias, que é a
pressão imobiliária sobre cidades já densamente ocupadas; e para mostrar que a
fome de chão não é coisa apenas do tempo atual.
É
sabido que em cidades como o Recife, Rio de Janeiro e até aqui em Garanhuns,
algumas áreas possuem metros quadrados disputadíssimos, inflacionando
sobremaneira os imóveis nelas construídos, acarretando, consequentemente, a
elevação dos preços deles tanto para venda como para aluguel. E nesse quadro,
construtoras se lançam numa busca desenfreada por terrenos onde possam
implantar empreendimentos vistosos que custam uma fortuna. Evidentemente esse
avanço da especulação imobiliária se dá principalmente nas denominadas áreas
nobres dos municípios, que podem render aos investidores lucros mais vistosos;
mas não é incomum que também se busque implantar empreendimentos de alto padrão
em locais que eram deixados de lado e que, em razão dessas construções, passam
também eles a ser tidos como lugares privilegiados e muito disputados.
Não
se pense, contudo – e está aqui o motivo que me levou a escrever este artigo
--, que a especulação imobiliária se move tão somente sobre terrenos
desocupados. As investidas do mercado imobiliário, sob o impulso das grandes
construtoras, movem-se igualmente para áreas de ocupação antiga, comprando
casas para no lugar delas erguer edifícios residenciais e/ou comerciais.
Nos
últimos anos o núcleo primitivo do Recife, em especial o pitoresco bairro de
São José, vem sofrendo com a implantação de megaprojetos imobiliários que têm
feito e farão com que ele perca a cada dia as feições características que detém
como um espaço histórico da capital pernambucana. Ao se lançarem sobre áreas
que abrigam paisagens e edifícios históricos empunhando o que eles dizem ser a
bandeira do progresso, os empresários das grandes construtoras não têm o
cuidado de tratar o patrimônio histórico, não pensam se irão prejudicá-lo,
porque esse é um tipo de preocupação que, fica bastante evidente, não lhes diz
respeito, uma vez que nos seus discursos só cabe a sentença: “Nós estamos
investindo no progresso da cidade”. E ponto.
O
processo de urbanização de maneira alguma deve se dar de modo inconsequente.
Cabe às autoridades municipais inserir no plano diretor determinações muito
claras sob como o crescimento urbano deve ser seguido, fiscalizar o tempo todo
se as diretrizes estão sendo obedecidas e não ceder às pressões das
construtoras para que esta ou aquela lei seja alterada a fim de acomodar os
interesses delas. Por outro lado, a sociedade civil também deve se manter
vigilante para se posicionar contra e protestar ante qualquer manobra de
governantes corruptos que negociam os espaços urbanos como se a cidade fosse
propriedade deles.
Para
manterem as cidades vivas os burgomestres devem buscar solucionar seus problemas estruturais,
proteger o patrimônio histórico edificado que elas porventura possuam e
estabelecer as linhas gerais do seu crescimento.
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 167, outubro de 2014, Opinião, p. 2).
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