Por Clênio Sierra de
Alcântara
Foto: internet A escassez de água em várias partes do mundo é um drama social que só tende a se agravar |
Por mais que se diga que
água é vital; que não podemos desperdiçá-la lavando calçadas, por exemplo, e
nem tomando banhos prolongados como se carregássemos toda a sujeira do mundo em
nossos corpos; que em vários lugares do planeta milhões de pessoas travam um
embate diário para obter um pouco que seja de água potável; que muitos cidadãos
neste Brasil imenso não têm acesso ao serviço de água encanada – não são apenas
residências, caro leitor, mas até mesmo algumas escolas deste país são
desprovidas dessa benfeitoria que para tantos parece ser algo tão banal -; que
o desmatamento da mata ciliar e a poluição provocam a morte de rios e
mananciais; por mais que se propagandeie que, até que chegue às torneiras, a
água precisa ser captada e bem tratada e que isso exige tempo e um custo
elevado, muita gente, infelizmente, continua agindo como se esse líquido, que é
insubstituível e indispensável para a nossa existência, não possa escassear ao
extremo a ponto de comprometer seriamente as atividades cotidianas de toda a
sociedade.
Tenho quarenta anos. E desde
que eu me entendo por gente convivo com algum grau de racionamento de água –
mesmo residindo na Região Metropolitana de uma grande cidade como o Recife. Há períodos
em que a água é disponibilizada dia sim, dia não; noutras ocasiões o
fornecimento é suspenso às segundas, quartas e sextas-feiras; e sem falar das vezes em que, sem aviso prévio por parte
da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), passamos dias a fio com as
torneiras secas e recorremos aos poços de alguns vizinhos, mediante pagamento,
para minimizarmos os transtornos que a falta d’água provoca. E toda vez que o
fornecimento é interrompido ouve-se alguém dizer: “É de lascar: aqui chove tanto
e os caras ficam prendendo a água!”. São comentários eivados de revolta e
também de desconhecimento de como se dá todo o processo de captação, tratamento
e distribuição da água. Há pessoas, ainda hoje, que não compreendem que nem
todo abastecimento das casas provém de represas e sim de poços; e que – e não
deveria ser assim, mas em alguns casos é, porque não se investe como se deveria
no sistema -, lamentavelmente, existe uma disparidade entre a demanda e a
capacidade de tratamento da água que deve ser disponibilizada à população – eis
aí uma das razões dos indesejados racionamentos.
Outra imagem recorrente,
para todos nós que moramos aqui no Nordeste, é a paisagem das secas, o cenário
de terra esturricada que marca vastas áreas nordestinas causando a morte de
animais e o êxodo rural. A falta de água nesses lugares, provocada por períodos
de longa estiagem, permanece sendo um drama para as famílias que neles habitam
e um exemplo – mais um – de como a ausência de água desencadeia uma série de
conflitos socioeconômicos e, por que não dizer, existenciais.
De uns tempos para cá
cientistas ao redor do mundo vêm alertando para o que eles chamam de
“aquecimento global”, que estaria sendo provocado pela emissão, em quantidades
absurdas, de gases poluentes que são lançados na atmosfera. Segundo os
estudiosos, tal aquecimento desencadeará enormes desequilíbrios ambientais, uma
vez que regiões enfrentarão secas ainda mais severas enquanto que outras serão
vitimadas por enchentes.
Em paralelo com essas
investigações científicas, estamos acompanhando estarrecidos ao andamento de
dois acontecimentos seriíssimos: a estiagem que está castigando o estado de São
Paulo, a locomotiva econômica do país; e, em meio a uma realidade que demonstra
que o Rio São Francisco vem ano após ano perdendo consideravelmente o seu
volume – no ano de 2013 eu percorri um trecho desse rio entre cidades de
Alagoas e Sergipe; e colhi depoimentos desoladores de alguns moradores da
região -, foi anunciado que sua nascente, na Serra da Canastra, secou e o
Governo federal, em vez de promover a revitalização do Velho Chico, insiste em
levar adiante uma, para mim malfadada, obra de transposição de suas águas.
O caso da falta d’água em
São Paulo desencadeou medidas mitigadoras e, tudo leva a crer, despertará, ao
menos em parte da população paulista, a compreensão de que os recursos hídricos
podem desaparecer e, por conta disso, deve-se a todo tempo utilizá-los de forma
racional e sem desperdício. Já na vastidão dos grotões do Nordeste,
continuaremos assistindo ao deslocamento de almas em busca de sobrevivência,
encontrando pelo caminho quem lhes ofereça santinhos e promessas de um futuro
úmido e próspero. Em meio a isso, o Velho Chico – “o rio da integração
nacional” – vai seguindo seu curso, definhando a olhos vistos enquanto o
Governo federal continua sua longa marcha promovendo, impávida e
destemidamente, a desintegração nacional com seus “mensalões”, com seus
“petrolões”, com seu sistema educacional de baixo nível, com sua postura
autoritária e com o seu canhestro entendimento do que realmente seja promover
desenvolvimento social.
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 171, Opinião, p. 2, fevereiro de 2015).
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 171, Opinião, p. 2, fevereiro de 2015).
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