6 de dezembro de 2014

De mãos dadas com Edson Nery da Fonseca



Por Clênio Sierra de Alcântara



Foto: Silvia Ferreira  
               15 de novembro de 2013 -  Última aparição pública de Edson Nery da Fonseca na ocasião em que foi homenageado na 4ª Feira do Livro, em Olinda





Um encontro que, levado por uma grande admiração intelectual, teve como complemento a comunhão de um enorme e maravilhoso afeto; uma aproximação que, provocada por interesses em comum, acabou se consolidando em intensa amizade; uma parceria que, tomada como uma sincera intenção de ser um auxílio mútuo, resultou – eu tenho plena consciência disso – num abrir passagens para mim, um jovem e imaturo aprendiz do exercício e manuseio dos mecanismos da razão que cultivava a pretensão de deixar nem que fosse um rastro nas veredas das letras.

Não queria ter iniciado de outro modo este texto evocativo da figura admiravelmente ímpar de Edson Nery da Fonseca, o incensado e proficiente intelectual pernambucano que faleceu em junho passado e que deixou como legado uma obra que é, toda ela, como que a certificação de um “compromisso” assumido por ele em prol da difusão do conhecimento.



                    Neste novo livro Edson Nery da Fonseca expõe mais uma vez sua               maestria no trato com  o legado memorialístico




Bibliotecário por formação e amante incondicional dos livros, Edson Nery da Fonseca empreendeu ao longo de mais da metade dos seus noventa e dois anos de vida, a tarefa, para alguns árdua, de promover o estímulo à leitura e à pesquisa fosse como professor, fosse como consultor para aquisição de acervos e constituição de bibliotecas, fosse como um gentil-homem que apreciava participar de palestras e conferências esbanjando toda a sua pose elegante e toda a sua simpatia que conquistava as mais distintas plateias.


Desfrutei do enorme privilégio de ter convivido não apenas com o admirado intelectual, mas também com o homem Edson Nery da Fonseca; e posso dizer, sem reservas, que essa convivência constituiu uma das experiências mais enriquecedoras que vivi. De modo que é novamente me sentindo muito, muitíssimo honrado que eu tenho a satisfação de anunciar aqui o lançamento de mais uma obra fruto da nossa parceria. Na ocasião das comemorações dos seus noventa anos, em 2011, trouxemos a lume o livro O grande sedutor: escritos sobre Gilberto Freyre de 1945 até hoje, lançado pela Editora Cassará, do Rio de Janeiro; agora está à disposição do público leitor Tentativas de interpretação, também saído pela Cassará, e que condensa textos originalmente publicados na forma de opúsculos, artigos de jornais e colaborações em livros. Em todos eles, verificarão os leitores, Edson Nery da Fonseca exibe uma de suas qualidades que eu mais admiro: a capacidade de fazer da matéria das lembranças pessoais um dos esteios da tecedura de sua escrita. Edson vai e vem no tempo alinhavando acontecimentos, descrevendo situações e evocando personagens e lugares que ele conheceu pessoalmente e/ou que lhe foram apresentados pelos livros, como Mauro Mota, Murilo Mendes, Assis Chateaubriand e Castro Alves, o Recife e Brasília.

Em páginas de pura fineza, que escreveu apresentando Tentativas de interpretação, mestre Lourival Holanda nos diz, em determinado momento, que trata-se de uma publicação importante porque leva às gerações recentes um “tesouro acumulado por tanto tempo de frequentações literárias e densa vivência humana”; e completa: “Partilhar é já um modo de multiplicar sua eficácia seminal das obras que germinam em silêncio, levando adiante uma ideia de cultura feita de ressonâncias e ressurgências – quando as águas profundas fecundam a superfície”.

A importância de Edson Nery da Fonseca em minha vida começou a ser desenhada ainda antes de eu o conhecer pessoalmente; ela teve início quando eu principiei a percorrer os caminhos da obra de Gilberto Freyre por ele sinalizados; e, tendo-o conhecido, ele foi tomando conta de mim e eu dele na medida do possível, como só os amigos que verdadeiramente se amam cuidam um do outro.

Neste dia seis de dezembro Edson Nery da Fonseca completaria noventa e três anos de idade. Sinto dele uma imensa saudade, porque ele me é muito caro. Daí por que eu quis encerrar esta evocação com estes versos do poema “A viagem”, de Charles Baudelaire, na tradução cheia de frescor de Jamil Almansur Haddad: “Ah, como o mundo é grande ao resplendor das lâmpadas!/ Aos olhos da saudade, ah, que é pequeno o mundo!”.


(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 169, Opinião, p. 2, dezembro de 2014.)


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