Por Clênio Sierra de
Alcântara
Especialmente para o poeta
Augusto dos Anjos, uma das glórias da Paraíba, no ano do centenário de sua
morte; e também para o extraordinário pintor paraibano pernambucanizado João Câmara, na ocasião dos seus setenta anos de vida
Parece que reina atualmente
na capital paraibana um grande e nefasto conluio visando à eliminação do seu
rico patrimônio histórico edificado. É a essa conclusão que qualquer um pode
chegar se se dispuser a percorrer alguns dos principais logradouros de sua
parte mais antiga, (1) como a Rua
Duque de Caxias, Rua da Areia, Rua João Suassuna e a Av. Guedes Pereira. Não
sei, não tenho conhecimento do que vai nas outras capitais brasileiras no que
diz respeito à conservação e/ou abandono do patrimônio dessa natureza. Contudo,
acredito que em nenhuma outra – no Recife, talvez, ou em Salvador, que são
realidades que conheço - o processo de abandono e ruína venha se dando de
maneira tão eficaz e operosa como na cidade de João Pessoa.
Fotos: Arquivo do autor A degradação de prédios como este, localizado na Rua Desembargador Trindade, dá a dimensão de como na capital paraibana o patrimônio histórico está sendo abandonado |
A
formação da cidade
Surgida no último quartel do
século XVI, com o status de cidade, (2)
a capital paraibana é uma das mais antigas do país; e, obedecendo à lógica de
ocupação portuguesa, seus principais prédios – como as construções religiosas –
foram implantados no alto de uma colina, num terreno às margens do Rio Sanhauá.
Esclarece-nos Nestor Goulart Reis no seu, sob todos os aspectos, excelente Imagens de vilas e cidades do Brasil
Colonial: “A cidade de Paraíba foi projetada e construída com traçado em
xadrez e correspondente ao período de união das Coroas de Portugal e Espanha,
levando à adoção, pelo menos parcial, de normas urbanísticas das Ordenações
Filipinas”. (3)
Em meados dos anos trinta do
século XVII, a cidade foi invadida pelos holandeses que, à época, vinham
promovendo embates com forças portuguesas e espanholas – não esqueçamos que a
chamada União Ibérica vigorou de 1580 a 1640 – com o fito de ocupar todo o
Nordeste açucareiro. A ocupação durou onze anos (1634-1645); (4) e por esse tempo o espaço urbano
pouco ou nada evoluiu, permanecendo acanhado em termos de edificações, ainda
que Duarte Gomes da Silveira, um rico e diligente senhor de engenho, promovesse
a edificação da urbe auxiliando financeiramente muitos moradores que desejavam
construir casas, conforme registrou Elias Herckman, que dirigiu a Capitania de
1636 a 1639. (5)
No que diz respeito ao
século XVIII a historiografia por mim consultada não registra muitas
informações sobre o cenário urbano da capital. Sabe-se que em 1715 existiam
casas caídas que, talvez, remontassem à época do domínio holandês; e que o
ouvidor deu o prazo de um ano para que os proprietários das ditas casas as
levantassem ou vendessem. Em 1774 a cidade contava com 10.050 habitantes, nove
igrejas, cinco conventos e dois mil quatrocentos e trinta e sete fogos. Também
ocorreram nessa centúria determinações para a construção de um baluarte e de
uma fortaleza com o fito de proteger os seus habitantes; e no que concerne aos
edifícios eclesiásticos, o período foi marcado, segundo o diligente José Luiz
Mota Menezes, pela ampliação e término de grandes obras: “A começar pela Matriz
[de Nossa Senhora das Neves], esta é reedificada no século XVIII e novamente
construída com as dimensões atuais no século XIX. Foi das obras mais demoradas,
dado a falta de recursos”. (6) E
para completar o quadro geral da época do Setecentos, a Capitania da Paraíba
perdeu autonomia: durante quarenta e quatro anos – de 1755 a 1799 – ficou
subordinada a de Pernambuco.
Quando os prédios históricos de uma cidade vão desaparecendo da paisagem, o espaço urbano perde também sua memória e identidade |
A capital paraibana adentra
no século XIX contando com um número expressivo de habitantes: no início do
século a população passa de 1.000 para 3.000; e em meados dessa centúria chegou
a contar 9.000 almas. De alguma forma o crescimento populacional é um
indicativo de que a cidade em si também estava se expandindo, tanto no que diz respeito ao espaço territorial propriamente dito, quanto com relação ao número de prédios que ocupariam
os terrenos vazios ainda existentes na área mais urbanizada: em 1811 a capital
possuía 1.150 casas que pagavam impostos – outra fonte diz que em 1850 existiam
1.084 casas, inclusive 39 sobrados, sem indicar quantos desses imóveis pagavam algum tipo de tributo.
Se a riqueza proporcionada
pela cana-de-açúcar já não era tão volumosa como em outros tempos, o algodão
ganhou importância na economia paraibana do século XIX, sobretudo por conta do boom no mercado internacional devido à
Guerra de Secessão nos Estados Unidos, que era o maior produtor mundial. Os
grandes exportadores de algodão investiram fortunas na construção de mansões na
parte alta da cidade dividindo espaço com os agora não tão expressivos senhores
de engenho. O comércio ganhou volume, algumas indústrias surgiram e arrecadação
da Província cresceu.
O burgo-capital foi sendo
aformoseado. Obras na parte baixa da cidade eram o indicativo de que a
urbanização se expandia para aquele sítio, cujo comércio adquirira maior
importância. Construiu-se o Teatro Público na Praça Pedro Américo em 1853,
ocasião em que se lançou a primeira pedra da Cadeia Nova; no ano seguinte ficou
pronta a obra no “cais” do Varadouro; em 1855 foi construído o Cemitério
Público; ruas começaram a ser abertas e calçadas com pedras de granito.
O dinamismo das
transformações por que passava o espaço urbano ganhou um administrador que
enxergava a cidade como um campo a ser trabalhado. Em dezembro de 1857 assumiu
a presidência da Província o Tenente-Coronel Henrique Beaurepaire Rohan. Num
documento legado para a posteridade registrou o novo governante:
Os
arruamentos nesta cidade nunca foram nem ainda estão sujeitos a plano algum
quer em relação aos alinhamentos quer ao nivelamento, cada um edifica à sua
vontade e daí resulta esse labirinto em que se vai sensivelmente convertendo a
cidade [...]
A
verdade é que a construção de qualquer prédio é sempre precedida de uma cerimônia
a que chamam cordeação, à qual comparecem os fiscais da câmara municipal; mas
essa intervenção oficial, longe de produzir um bem, nenhum outro resultado
apresenta, senão o de sancionar a vontade do edificador e legalizar os defeitos
ou alinhamentos [...]. (7)
A administração proficiente
de Henrique Beaurepaire promoveu a abertura, alargamento e alinhamento de novas
artérias; e fundou uma biblioteca e um jardim botânico. É digno de nota o fato
de que uma planta da cidade foi levantada pelo 1º Tenente engenheiro Alfredo de
Barros Vasconcelos. (8) “Mandei
proceder ao nivelamento geral para um sistema de esgotos, questão que interessa
à salubridade pública”, registrou Beaurepaire no relatório já mencionado.
Estação ferroviária |
Esta foto, que retrata um descarregamento de cimento para as obras de construção do porto do Varadouro, na década de 20, encontra-se na página 205 do livro Porto político, do José Joffily |
É impressionante como a indiferença para com as coisas do passado da cidade tem se espalhado pelo sítio histórico de João Pessoa |
A Lei nº 26, de 30 de
setembro de 1859, sancionada por Ambrósio da Cunha, presidente da Província,
pretendeu disciplinar a construção de imóveis, contendo disposições sobre a
altura e a largura de fachadas e janelas, compreendendo as casas de um andar e
sobrados; a lei também normatizava projetos de construção de calçadas e
proibição de degraus de pedras ou tijolos no lado exterior das construções;
determinou a retirada dos canos de esgoto mantidos para despejos nas ruas de
dejetos ou líquidos, a não ser água da chuva; a lei determinou ainda que as
novas ruas abertas na cidade e nos povoados contivessem oitenta palmos de
largura.
No dia 24 de dezembro de
1859, a capital da Paraíba do Norte recebeu a visita de Sua Majestade, o
Imperador Dom Pedro II. Cuidou-se de arrumar o espaço urbano para que o monarca
tivesse uma boa impressão daquele lugar, ele que era um homem dado a observar
tudo e fazer apontamentos em diários de viagens. Casas foram caiadas e
espalharam-se ornamentações alegóricas pela cidade. Notícia publicada pelo
jornal A Imprensa em 31 de dezembro
daquele ano nos dá conta de que “As ruas da cidade estavam tapizadas de junco e
folhas de pitanga e canela, as varandas dos sobrados e as janelas das casas
térreas decoradas com colchas de seda e de damasco e bandeiras nacionais”. (9)
Impulsionando a economia da
Província, a construção da linha férrea marcou o cenário no último quartel
oitocentista. Em 1883 foi inaugurado o serviço da Ferro Carril puxada a burros.
Na virada do século a cidade da Paraíba contava com 18.000 habitantes. (10)
São por demais conhecidas as
monumentais reformas urbanas que marcaram algumas das grandes cidades
brasileiras nas primeiras décadas do século XX, como as havidas no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, e no Recife, que mantinha um dos principais
portos do país. (11) Essas reformas,
que eram um reflexo do que George-Eugène Haussmann fizera na Paris dos tempos
do poeta Charles Baudelaire, foram anunciadas aqui como meios de promover a
modernização e o progresso material dos centros urbanos, livrando-os,
inclusive, do que neles havia de insalubre. A ordem do discurso era essa. E
para pôr o espaço citadino em conformidade com o que havia de melhor na Europa
não se poupou passadismos e nem mesmo pessoas, costumes e tradições:
edificações dos períodos Colonial e Imperial foram varridas do mapa, por serem
tidas como sinais de atraso; a população pobre – incluindo mendigos, vendedores
ambulantes, etc. - foi alijada das áreas centrais das cidades. Esperava-se que
aquela vaga modernizadora do Rio de Janeiro alcançasse, na verdade, os quatro
cantos do país. Parafraseando o cronista Figueiredo Pimentel, podemos dizer: “o
Brasil civilizava-se”. E o escritor Lima Barreto também estava atento a isso. (12)
Muito embora não tenha
passado por intervenções de igual envergadura, como as verificadas no Rio de
Janeiro e no Recife, os primeiros decênios do século XX foram muito marcantes
na história urbana da capital da Paraíba. Pretendeu-se uma cidade limpa e
ordenada. Em 1905 o prefeito Francisco Xavier Júnior baixou um decreto que
recomendava que os proprietários dos prédios fizessem a capinação na frente e
nos oitões dos mesmos. Ainda em 1905 foram instalados os primeiros telefones
residenciais. O novo tempo chegou trazendo melhorias para a população, como o
serviço de abastecimento d’água, inaugurado em 1912; e, no mesmo ano, o fornecimento
de energia elétrica, que possibilitou a implantação da Ferro Carril movida à
eletricidade.
O historiador Wellington
Aguiar sustenta a opinião de que foi durante o governo do general Francisco
Camilo de Holanda (1916-1920) – por esse tempo foram vários os ocupantes da
chefia do executivo municipal: Demócrito de Almeida (15/05/1916 – 22/10/19160);
Antônio Pessoa Filho (22/10/1916 – 21/05/1917). No intervalo decorrido entre a
sua nomeação até a posse, assumiu o subprefeito Antônio Soares Pinho. Com a
exoneração do titular, Soares Pinho assumiu novamente a Prefeitura em caráter
interino até 25 de maio de 1918, ocasião do seu falecimento. Com a sua morte,
assumiu o Presidente do Conselho Municipal Inácio Evaristo Monteiro até a posse
do novo prefeito. E ainda teve Diógenes Gonçalves Pena (6/01/1918 – 22/10/1920)
– que a capital começou realmente a ser modernizada:
Nesse
período a cidade começou a perder o aspecto colonial. Abertura de ruas,
construção de praças com jardins floridos, alargamento de vias públicas, além
da edificação de importantes imóveis marcaram aqui o dinamismo da administração
estadual.
Novo
tempo em nossa urbe. O povo passou a frequentar as praças, a sair de casa não
somente para ir às igrejas. A tristeza colonial, que já se vinha esfumando,
cedeu lugar à alegria da sociedade, ávida por imitar a elegância, a cultura e a
moda de Paris, então tida como capital do mundo. (13)
À medida que a cidade era
transformada e saneada, avançando do seu espaço primitivo em direção ao mar,
principalmente após a abertura da Av. Epitácio Pessoa, ocorrida no governo de
João Pessoa Cavalcanti Albuquerque, o número de habitantes aumentou de maneira
espantosa: no espaço de quarenta anos, de 1940 a 1980, cresceu de 71.000 para
326.000 habitantes.
Apesar de o crescimento da
cidade ter se dado principalmente em direção à faixa litorânea, o sítio
histórico sofreu perdas irreparáveis devido à “sanha progressista” dos seus
administradores. Dotou-se a cidade de propalados “melhoramentos” arrancando
dela nacos significativos do seu passado.
Nenhum outro burgomestre da
capital paraibana encampou com tanta veemência o discurso do prefeito Francisco
Pereira Passos – que promoveu um verdadeiro “bota-abaixo” durante o governo do
Presidente da República Rodrigues Alves (1902-1906) que, a exemplo do que
fizera Napoleão III com relação a Haussmann, dotou-o de plenos poderes para que
coordenasse a ação das picaretas que poriam meio Rio de Janeiro no chão -, do
que Walfredo Guedes Pereira, que assumiu pela primeira vez a chefia do
executivo municipal em outubro de 1920, nomeado pelo presidente do Estado Solon de Lucena.
Já nessa primeira
experiência como administrador da capital (1920-1924), Guedes Pereira, que
recebeu inteira liberdade de ação do seu nomeador, transformou a cidade num
canteiro de obras. Pereira Passos conheceu a Paris transformada por Haussmann e
ficara impressionado com as obras de tão grande monta. Já Guedes Pereira
estivera no Rio de Janeiro como estudante de medicina – ele seguiu para a então
capital do país em março de 1902, onde matriculou-se na Escola de Medicina; e
concluiu o curso em 1907; tendo retornado à Paraíba em abril de 1908 – e
assistira à ação reformadora levada a cabo por Pereira Passos e regressou à
Paraíba completamente imbuído dela. Eram ecos de uma Belle Époque que, em verdade, no Brasil, foi insensível e feia.
Escrevendo para a revista Era Nova, um periódico recém-lançado, o
articulista Alcides Bezerra registrou com bastante agudeza, em 1921, o espírito
do tempo que marcava a administração de Guedes Pereira:
A
cidade está mudando sensivelmente de aspecto. Perde a sua feição colonial para
vestir a mascara uniforme da civilização.
Ha
quem se rejubile com isto e deseja que a mudança seja completa, radical. Não
deve ficar pedra sobre pedra. Todos os predios antigos devem ser demolidos, ou
pelo menos transformados, vestidos a moderna, hediondez para qual a esthetica
já não tem qualificativo. (14)
Entre as várias obras
realizadas por Guedes Pereira figuraram a organização da planta da cidade, a
abertura de inúmeras ruas e avenidas – entre elas Diogo Velho, Alberto de
Brito, Montepio, Maximiano Machado e Quintino Bocaiúva - e a construção praças
– Praça da Independência e Vidal de Negreiros – e parques – Parque Arruda
Câmara e Solon de Lucena.
Com seu ímpeto iconoclasta e
com seu caráter de inimigo das coisas do passado e das tradições, Walfredo
Guedes Pereira capitaneou, como um verdadeiro “papa-igrejas”, a demolição de
dois templos católicos que eram parte de um magnífico conjunto arquitetônico
que constituía o centro histórico da Cidade da Paraíba. No espaço de dois anos
sumiram da paisagem urbana, histórica e sentimental da cidade a Igreja de Nossa
Senhora Mãe dos Homens (1923) (15) e
a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (1924). E, como se isso
já não fosse suficientemente absurdo e lamentável, nos poucos meses que passou
como prefeito, em 1935, nomeado para tanto pelo interventor Argemiro de
Figueiredo, Guedes Pereira, dando continuidade ao vergonhoso passado de
demolições que marcara sua administração anterior – e não podemos esquecer que,
ainda em 1929, quando era prefeito José D’Ávila Lins, a Igreja de Nossa Senhora
da Conceição também foi demolida -, promoveu o arrasamento da Igreja de Nossa
Senhora das Mercês – e tudo isso com a anuência arquidiocesana.
A "modernização" e o "progresso" ditaram modismos na cidade, mas não puderam alterar de todo certos costumes que marcavam o seu cotidiano. Em artigo com o qual colaborou para a obra coletiva Livro do Nordeste, organizada por Gilberto Freyre e que fi lançada em 1925, no Recife, em comemoração aos cem anos do Diario de Pernambuco, Adhemar Vidal no revela um quadro muito vivo da capital paraibana de então:
Se as ruas da Parahyba, nos dias communs, perderam, como nos de festa ou procissão, muito do seu pittoresco, continuam entretanto a offerecer aspectos interessantes de vida provinciana. Pela manhã, vaccas de leite suavemente tangidas pelos seus donos ou empregados dos curraes, veem abastecer de leite muitas casas burguezas; e durante o dia passam pelas ruas vendedores ambulantes de bolo, de pé-de-moleque, de peixe, de fructas, de rolete de canna, de doces. (16)
A "modernização" e o "progresso" ditaram modismos na cidade, mas não puderam alterar de todo certos costumes que marcavam o seu cotidiano. Em artigo com o qual colaborou para a obra coletiva Livro do Nordeste, organizada por Gilberto Freyre e que fi lançada em 1925, no Recife, em comemoração aos cem anos do Diario de Pernambuco, Adhemar Vidal no revela um quadro muito vivo da capital paraibana de então:
Se as ruas da Parahyba, nos dias communs, perderam, como nos de festa ou procissão, muito do seu pittoresco, continuam entretanto a offerecer aspectos interessantes de vida provinciana. Pela manhã, vaccas de leite suavemente tangidas pelos seus donos ou empregados dos curraes, veem abastecer de leite muitas casas burguezas; e durante o dia passam pelas ruas vendedores ambulantes de bolo, de pé-de-moleque, de peixe, de fructas, de rolete de canna, de doces. (16)
A cidade crescia a olhos
vistos: “Mas até 1930, a área urbana não se elastecera muito, mas a partir
deste ano, registrou-se uma fase de renovação da arquitetura, começando a serem
construídas as residências confortáveis, que evoluíram para os palacetes
funcionais, que pontilham todos os bairros da cidade”. (17)
O ano de 1935 ficou marcado
como o final de um dos ciclos mais destrutivos por que passou o núcleo
primitivo da capital paraibana. O que todas essas demolições deixam ver é que,
muito mais do que uma completa falta de respeito para com o patrimônio
eclesiástico, para com as tradições de um povo e para com a memória de uma
cidade, é o imperativo irracional de homens públicos que pautam suas
administrações pela linha do arrasamento total do ambiente construído com vistas a
deixarem nele a marca de suas passagens, o que revela, claro, uma desmedida
vaidade e a imposição de vontades que não são necessariamente a dos habitantes
da cidade.
A capital paraibana
atravessou o século XX e chegou ao XXI enfrentando problemas como o surgimento
e multiplicação de favelas, a pressão da especulação imobiliária sobre recantos
aprazíveis do seu território e o desafio de abrigar um contingente populacional
cada vez maior que exige emprego, educação, saúde, moradia, transporte e
segurança pública. Em meio a tantas demandas, como promover a salvaguarda do
patrimônio histórico edificado?
Praça Álvaro Machado: ao fundo vê-se a Rua Rosario Di Lorenzo |
Estes prédios da Rua João Suassuna, em estilo art déco, impressionam pelo porte do conjunto. Como informa a a placa na foto abaixo, eles passarão por pesquisas arqueológicas |
No
princípio era a água
Assim como a cidade de
Olinda, a capital paraibana possui um bairro chamado Varadouro que remonta aos
dias iniciais de sua fundação no século XVI. Varadouro, entre outros
significados, quer dizer lugar raso onde se podem recolher as embarcações dos
diversos tipos, para consertá-las ou guardá-las; mas também, um ancoradouro no
qual embarcações podem atracar com o fito de manter atividades mercantis.
Foi no Varadouro que
efetivamente o sítio urbano da capital paraibana teve início, a partir do
ancoradouro fincado à margem direita do Rio Sanhauá. E, à medida que edificações
foram sendo levantadas na parte mais elevada do terreno, em determinado momento
passou-se a denominar essa área como Cidade Alta e o espaço ocupado pelo
Varadouro como Cidade Baixa. Diz-nos Walfredo Rodríguez em seu Roteiro sentimental de uma cidade:
Nos primitivos dias, depois
da fundação da cidade, quase tudo ainda era selva; apenas o Varadouro,
demorando junto ao barranco do rio, com o minarete de seu forte e os seus oito
canhões de grosso calibre refletindo a luz dourada do sol tropical, lhe impunha
foros de cidade. (18)
Enquanto na chamada Cidade
Alta estabeleceram-se os edifícios mais imponentes – tanto os da administração
pública quanto os religiosos e residenciais -, na Cidade Baixa, em virtude do
ancoradouro, imperou uma ocupação voltada basicamente para o comércio como
armazéns e oficinas, alfândega e unidades habitacionais modestas, onde foram
erguidos sobrados com uma configuração bem definida: no térreo funcionava o
armazém; e no primeiro andar, a residência do proprietário do estabelecimento.
Em seu Caminhos, sombras e ladeiras Juarez Batista esclarece as tipologias
dessas edificações:
O
tipo de sobrado predominante nas zonas residenciais na Parahyba foi o de um
andar, raramente com uma sobreloja. O sobrado de dois andares foi construção
quase exclusivamente da área comercial, do Porto do Capim e das Convertidas,
onde o comerciante podia juntar o armazém, a família e os caixeiros,
respectivamente no andar térreo e no primeiro e segundo andares. Sobrado que
não fosse no Varadouro, na rua Nova ou Direita, era coisa que não se
compreendia, que se fazia logo notar pelo exótico de sua posição. (19)
Um inglês chamado Henry
Koster, que ficou tão popular entre a gente de Pernambuco a ponto de ser
chamado de Henrique da Costa, passou pela capital da Paraíba em outubro de
1810, vindo de Goiana. Em seus apontamentos fez o seguinte registro:
A
cidade da Paraíba (lugares de menor população nesse país gozam deste predicamento)
tem aproximadamente dois a três mil habitantes, compreendendo a parte baixa. Há
vários indícios de que fora mais importante do que atualmente. Trabalham para
embelezá-la mas o pouco que se realiza é à custa do Governo, ou melhor, por
querer o Governador deixar uma lembrança de sua administração. A principal rua
é pavimentada com grandes pedras mas devia ser reparada. As residências têm
geralmente um andar, servindo o térreo para loja. Algumas delas possuem janelas
com vidros, melhoramento há pouco tempo introduzido no Recife [...]
A
parte baixa da cidade é composta de pequenas casas, e situada ao lado de uma
espaçosa baía ou lago, formada pela junção de três rios, fazendo a descarga de
suas águas no mar por um longo canal. (20)
Dezenove anos depois da
passagem do viajante inglês, o Varadouro começou a receber os primeiros
lampiões para iluminar seus logradouros.
Nesta e nas três fotos seguintes, outros flagrantes da Rua João Suassuna |
Um decreto provincial datado de 30 de junho de 1852 delimitou desta maneira o perímetro urbano da Cidade da Paraíba:
O
terreno compreendido no circulo desta Cidade principia do Caes do porto do
Varadouro, seguindo para o sudoeste até a ponte do Sanhoá; Ahi subindo pela rua
da mesma ponte, e quinze braças ao sul da nova rua Imperial, compreendendo as cazas, e seus quintaes da rua das trincheiras
até a Igreja do Senhor Bom Jezus dos Martirios, seguindo pelas ruas da
Palmeira, alagoa, e Thezoura, pela nova estrada que segue d’esta até a Igreja
de Nossa Senhora Mãe dos Homens, e dai em direção ao poente compreendendo as
duas ruas do Tambiá até o mesmo Caes do porto do Varadouro, compreendendo São
Frei Pedro Gonçalves, Zumbi ladeira do tanque, e rua por detras da Matriz desta
mesma Cidade. (21)
Em 1859, ano da visita do
Imperador Dom Pedro II, o Varadouro era constituído por dezesseis artérias,
entre ruas, travessas e becos. À medida que aumentava o número de edificações
no bairro – tanto para o comércio quanto para o setor de serviços e mais
moradias -, mais crescia em importância para a cidade aquela área como um todo.
O movimento no ancoradouro
foi marcante durante todo o século XIX porque as embarcações que ali atracavam
abasteciam a cidade dos mais variados gêneros vindos da Europa, dos Estados
Unidos e até do Oriente, além, claro, de embarcações provenientes de outras
províncias brasileiras.
No velho cais localizava-se
o chamado Trapiche dos Franceses. Na Praça 15 de Novembro – que já se chamou
Largo do Porto e Largo Dom Pedro II – existiu a balança do peso dos produtos da
terra, que pesava basicamente o açúcar oriundo da várzea do Rio Paraíba. Na
Praça Álvaro Machado, que até agosto de 1895 se chamava Largo da Gameleira,
localizava-se a Escola de Aprendizes Marinheiros; e o Hotel Globo, que passou
para o Pátio de São Pedro em 1929, funcionou antes na Álvaro Machado.
Intencionando manter a vocação
mercantil de um bairro que abrigava, além disso, um imponente Teatro Santa
Roza, hotéis como o Globo e o Luso-brasileiro e uma gama enorme de armazéns e
lojas, cogitou-se, já no século XX, em construir um grande porto no Varadouro.
Em 1920 foram contratados os trabalhos com a firma inglesa C. H. Walker C.º
Ltd. O autor do projeto foi o engenheiro Lucas Bicalho. As obras até que foram
iniciadas, mas jamais chegariam a ser concluídas, ainda que, em 1922, o
ancoradouro tenha sido testado com a atracação do navio Campinas, um cargueiro de treze pés e noventa e quatro metros de
comprimento que pertencia ao Lloyd Brasileiro. Dois anos depois a construção do
porto foi suspensa. Falou-se em desvio de dinheiro; e destacou-se que, na
verdade, o principal motivo do abandono da obra foi a inadequação do local para
abrigar um porto, avaliação essa feita, aliás, ainda em 1921 pelo engenheiro
inglês Arthur Harley. Contudo, as obras deixaram um rastro de destruição no
bairro: vários prédios foram demolidos para dar lugar a uma grande via de acesso à
pretendida zona portuária. (22)
Descida da Rua João Suassuna: todas as praças do Varadouro estão precisando ser revitalizadas |
O tapume que aparece nesta foto foi posto para marcar a área onde estava sendo erguido um muro de arrimo por trás do Hotel Globo |
Ao longo do século XX o
velho e pitoresco Varadouro, em que pese a persistente e dominante presença do
comércio em muitas de suas artérias, viu-se sendo a cada dia mais degradado; e
observando seus prédios antigos caminharem para a ruína. Nem mesmo a instalação
de uma estação ferroviária – ela foi inaugurada em 1943 com o nome de Great
Western; e depois foi denominada Rede Ferroviária do Nordeste; e, por fim, Rede
Ferroviária Federal – e de um terminal rodoviário fizeram com que o Varadouro
fosse revitalizado. Empreendimentos como o Hotel Luso-brasileiro fecharam suas
portas. E a localidade ganhou triste fama com a disseminação de prostíbulos, as
famigeradas “pensões” que eram frequentadas até por “homens de expressão” na
vida social e política. Como recordou um magistrado:
A
cidade dormia cedo, com exceção do bairro do Varadouro, onde se movimentava a
vida boêmia, com seus cabarés de Antoninha e Royal, os mais frequentados do
chamado baixo meretrício. (23)
À medida que a capital se
expandia para além do seu núcleo primitivo, este foi sofrendo – muito mais a
Cidade Baixa do que a Cidade Alta, porque nesta, dada a ligação com a área
expandida, o fundamento comercial fez par com o caráter utilitário que os seus
prédios antigos adquiriram como produto para o turismo – com a triste sina que,
no Brasil, marcou certos espaços de cidades detentoras de conjuntos de
edificações históricas: abandono e deterioração do patrimônio edificado.
Descrevendo uma paisagem que
ficou guardada na memória, Jomar Morais de Souto, em seu Itinerário lírico da cidade de João Pessoa, revela outro momento da
Cidade Baixa sentindo as perdas irreparáveis:
Lá
na Barão do Triunfo,
não
triunfa mais ninguém.
Ou
triunfa, quando muito,
a
sede que a gente tem;
uma
sede insaciável
que,
às vezes, sabe a jejum:
aquela
do paraíso
perdido
de cada um.
Varadouro
(velhos bondes),
traços
mortos – tempos maus...
No
Hotel Globo te somes,
sobem
almas nos degraus.
Depois,
voltam para a ponte,
vão-se
embora em suas naus. (24)
Nos arredores do sítio histórico a cidade pobre mostra a sua cara |
Por
que preservar?
Deveras fascinado pelas
origens das cidades eu venho há vários anos fazendo desse interesse uma mola
propulsora para as minhas atividades de pesquisa e elaboração de artigos nos
quais busco, acima de tudo, mostrar a relação que a população e os órgãos
públicos mantêm com os patrimônios históricos, artísticos e culturais
existentes no território urbano; e o grau de preservação em que eles se
encontram.
Quando comecei a frequentar
a Paraíba, em geral, e João Pessoa, em particular, com mais assiduidade – e a
ponto de me integrar de tal maneira a essa terra e me considerar tão paraibano
quanto pernambucano que declaro, aonde quer que eu vá, parafraseando Alexander
Soljenitsin, que Pernambuco e a Paraíba estão juntos na minha pena, no meu
coração e nos meus pensamentos -, me vi acompanhando com persistente olhar
curioso e fustigador como, aqui e ali, o patrimônio edificado da capital
paraibana vem ao longo dos anos sendo vítima do descaso por parte do poder
público e de particulares, que, talvez por insensibilidade e/ou interesses
escusos, ficam a esperar que tal patrimônio vá aos poucos desaparecendo do
cenário urbano para que em seu lugar se erga um portentoso lançamento
imobiliário ou algo que o valha.
Numa das passagens mais
instigantes do seu As cidades invisíveis,
Italo Calvino nos diz, tomando o exemplo de Zaíra, que “a cidade não conta seu passado,
ela o contém como as linhas das mãos, escrito nos ângulos das ruas, nas grades
das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros
das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes,
esfoladuras. (25)
Desnudando o território
urbano, vamos conhecendo suas origens, percorrendo seus começos, atravessando
sua trajetória tomando como testemunhos sua configuração, o traçado de seus
logradouros, o desenho das fachadas de seus prédios, a disposição de seus monumentos,
porque a história de uma cidade está em cada pedacinho de tudo que a compõe. E isso
é muitíssimo fascinante, uma vez não precisamos ficar presos a um único ponto
de partida para darmos início a uma narrativa que intente contar essa história
ou uma dessas histórias.
Mesmo sendo uma das cidades
mais antigas do Brasil e detentora de um dos conjuntos arquitetônicos mais
expressivos dentre os que abrigam exemplares que remontam aos períodos Colonial
e Imperial, o sítio histórico da capital da Paraíba só foi reconhecido por lei
como tal apenas em 1982, através do Decreto nº 9.484 do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), no mesmo ano em que Olinda
foi consagrada pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade; só muito
recentemente – em 6 de dezembro de 2007 -, e sabe-se lá por que isso demorou
tanto para acontecer, foi que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) concedeu o título de Patrimônio Nacional ao rico centro
histórico paraibano, que é encravado numa colina que dá vista para uma paisagem
natural igualmente deslumbrante.
É inegável que os títulos de
reconhecimento por meio de instrumentos legais dão certas garantias de proteção
aos sítios históricos; contudo, esses instrumentos, sozinhos, não garantem a
vigência de uma conservação permanente do patrimônio que se pretendeu proteger,
tendo em vista que, por mais que se conceba a criação e a defesa de um
patrimônio histórico como um bem para toda a sociedade, existem muitos
interesses particulares envolvidos nas tramas de consolidação desse processo
que não podem de maneira alguma ser ignorados, sobretudo quando o objeto a ser
protegido não é apenas um ou dois prédios, mas toda uma vasta área ocupada por
edificações que abrigam estabelecimentos comerciais, residenciais e repartições
públicas, além das religiosas. Embora facilitem a captação de recursos que
viabilizam ações de revitalização e/ou restauro, órgãos como o Iphan continuam
tendo dificuldade não só para disponibilizar financiamentos – considerando a
enormidade de tudo que precisa ser conservado em todo o país -, como também
para receber projetos que sigam corretamente todos os trâmites exigidos pelas
leis e pelas normas técnicas. (26)
Nem mesmo este prédio que está sendo ocupado por um órgão do governo estadual está bem conservado |
Uma das portas de entrada da
cidade de João Pessoa, principalmente para quem chega de ônibus vindo de outros
estados e municípios, o bairro do Varadouro se constitui na parte de mais
antiga ocupação da urbe. É nele que se encontram as primeiras edificações de
caráter histórico com as quais o visitante irá se deparar assim que for tomando
o rumo da porção mais elevada da cidade. E, caso olhe atentamente, o visitante
– não quero dizer turista porque nem todas as pessoas que chegam, mesmo que
pela primeira vez, a uma cidade estão ali a passeio – irá se defrontar com
praças – Praça Álvaro Machado e Praça 15 de Novembro – e edifícios abandonados
– alguns em ruínas, como o imponente prédio que abrigou o Hotel Luso-brasileiro
-, com a desordem que se verifica na saída do terminal rodoviário, onde
taxistas clandestinos e vendedores ambulantes dificultam a passagem dos
pedestres, com o cenário de pobreza das moradias que se estabeleceram para além
da linha férrea e com a sujeira que impera no ambiente. Seguramente, não é um
atrativo cartão-postal, o cenário com a qual a capital se lhe apresenta.
Como, mais de que um mero
visitante, eu sou um pesquisador, fiz algumas visitas ao Varadouro, meses
atrás, efetuando apontamentos e fazendo registros fotográficos com o fito de
escrever este artigo. Não nego, eu não sou e não consigo ser imparcial. Eu me
envolvo com tudo o que investigo. De modo que foi extremamente desolado que eu
percorri logradouros desse velho bairro, percebendo que, em meio a vários
encantos, vão-se acumulando ali muitos escombros.
De acordo com Doralice
Sátiro Maia, data de 1987 o início dos processos de intervenção e de
revitalização do patrimônio arquitetônico do centro histórico de João Pessoa
por meio de um convênio firmado com a Espanha através da Agência Espanhola de
Cooperação Internacional (AECI). Na ocasião deu-se início a um estudo com
vistas à elaboração de um plano de revitalização. (27) Dentro do que se pode chamar de “ciclos de preservação”, um
segundo período de movimentação na área foi iniciado em 1997, agora contando,
ainda segundo Doralice Sátyro Maia, com maior participação das associações e
outras organizações sociais, além de comerciantes, artistas locais, grupos
interessados na revitalização do lugar e membros do poder público municipal e
estadual. Foram captados recursos com agências internacionais como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), através do Programa de Ação para o
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur). A pesquisadora avaliou que
essa segunda fase foi marcada principalmente por uma ênfase dada ao aspecto
turístico sem integração com a população local; um viés que, ela lembra bem,
marcou na mesma época as intervenções empreendidas no Pelourinho, em Salvador,
e no Recife Antigo, na capital pernambucana.
Placa indicando a interdição do Hotel Globo |
Este prédio, localizado no Pátio de São Pedro, está há vários anos abandonado |
Igreja de São Frei Pedro Gonçalves |
Vista do Pátio de São Pedro |
É muito pertinente, neste
instante em que se encontra esta narrativa, fazer você, leitor, recordar que,
em linhas atrás, eu fiz menção a projetos de intervenção urbana havidos no
início do século XX no Rio de Janeiro e no Recife que também carregaram no seu
bojo a proposta de fazer uma cidade para turista ver. Infelizmente esse cunho
excludente das parcelas mais pobres da população ainda hoje marca as ações de
revitalização de centros históricos no Brasil. Esse processo de recuperação e
embelezamento de áreas antigas detentoras de edificações históricas chama-se
gentrificação; e o lado daninho desse tipo de intervenção é justamente a
supervalorização imobiliária que impossibilita a permanência no local não só de
moradores de baixo poder aquisitivo, mas também de pequenos comerciantes, que
não têm como arcar com as despesas de aluguel, por exemplo. Para mim, mais do
que como uma possibilidade, isso deveria ser tomado como uma determinação
inequívoca: as ações de recuperação e conservação de sítios históricos no
Brasil só serão efetivamente bem sucedidas quando for promovida a integração da
população – seja, principalmente, com os moradores, seja com os comerciantes,
seja com os frequentadores – com o local revitalizado, mesmo porque, caso o
desejado turista não apareça, quem há de permanecer e vivenciar a cidade serão
seus moradores. Fernando Carrión é bastante categórico quanto a essa realidade;
segundo ele “Hay que reconocer que la valorización del patrimonio es un medio
de defensa de la nacionalidad, de auspicio de la ciudadanía y de fortalecimento
de las identidades”. (28)
Compreendo o turismo apenas
como uma das vocações dos centros históricos, até porque o turista fuçador,
como é o meu caso, não se prende aos denominados “cartões-postais” e muito
menos aos enfadonhos “city tours”. Ele busca a cidade como um
todo: quer estar na cidade que normalmente não aparece nos guias de viagem;
quer descobrir a cidade que por vezes as próprias municipalidades
“desconhecem”; quer ele fazer na cidade o seu próprio roteiro.
Algo que também muito me
inquieta em todos os sítios históricos que visito é o que denomino de
fachadismo: a conservação pura e simples apenas das fachadas dos prédios,
estando os seus interiores completamente modificados. Ora, eu posso dizer que
este ou aquele prédio é histórico se o seu interior não tem nada mais da época
de sua construção? A mim me parece que é mesmo que vestir uma modelo com peças
do guarda-roupa que pertenceu a Grace Kelly e, a partir de então, tratá-la como
se ela fosse a própria. Neste aspecto eu sou muito radical: para mim,
descaracterizar é também destruir. Mesmo considerando que para conservar
centros históricos vivos e pulsantes deve ser mantida neles a maior variedade
possível de ocupantes – moradias, estabelecimentos comerciais, centros
culturais, repartições públicas, etc. -, venho há anos defendendo a seguinte
postura: uma porcentagem dos imóveis dos centros históricos deveria ser
preservada com a mesma configuração com a qual foi construída. Desta forma,
sim, é que se teriam prédios históricos verdadeiramente preservados.
Sabe-se que a Caixa
Econômica Federal ambiciona promover a recuperação de prédios antigos - não
necessariamente históricos - de centros urbanos degradados para transformá-los
em unidades residenciais. Foi dentro dessa perspectiva que a Prefeitura de João
Pessoa lançou, em março de 2007, em convênio com aquele banco federal, o Programa Moradouro, que tinha como
objetivo principal transformar os prédios abandonados em edifícios
residenciais, possibilitando a “revitalização” do centro histórico. Vista de
longe até parece uma medida bem intencionada; ocorre que, decorridos sete anos,
tal programa, pelo que se observa por lá, morreu no nascedouro.
Como eu ia dizendo, percorri
inúmeros logradouros do Varadouro com olhos de investigador. Na ocasião
encontrei em construção um muro de arrimo por trás do Hotel Globo que, em
virtude da obra, estava interditado; ao lado desse hotel, que fica no Pátio de
São Pedro, um dos pontos mais encantadores de todo o sítio histórico, existe
um prédio desde há muito abandonado. Na singular Rua da Areia um sobrado bastante
deteriorado dava um tom melancólico a um logradouro que é dos mais importantes
dentro da história de formação da cidade. Em meio ao fachadismo que marca
prédios de ruas como Rosario Di Lorenzo, Marquês do Herval e Maciel Pinheiro,
me deparei, na Barão do Triunfo, junto ao estabelecimento Dantas & Cia.
Ltda, com mais um prédio sem conservação; e, na Av. João Suassuna, com um
impressionante conjunto de sete edifícios em estilo art déco em ruínas –
esses prédios foram apontados como aqueles que seriam os primeiros a integrar o
mencionado Programa Moradouro -;
diante deles a Municipalidade fixou uma placa na qual informava que no local
seriam realizadas pesquisas arqueológicas ao custo de meros R$ 112.511,74.
O infame passado de
demolições que marca a trajetória do sítio histórico da capital paraibana, ao
que parece, não serviu de lição para os administradores públicos dos dias
atuais. Para além do Varadouro, o acervo arquitetônico se deteriora muito
rapidamente a olhos vistos na Av. Guedes Pereira, na Rua Duque de Caxias – onde
foi preciso se recorrer a escoras de madeira para sustentar as fachadas de
sobrados -, na Av. João Machado e na Rua das Trincheiras; e a impressão que eu
tenho é de que as autoridades estão em conluio, tramando o arrasamento do
patrimônio edificado da cidade.
Ainda há pouco foi anunciado
com toda a pompa e circunstância o resultado do Projeto João Pessoa Sustentável, que contou com a participação da
Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), do BID, da Caixa Econômica Federal, da
Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento (Fadurpe) e da Prefeitura
Municipal. A iniciativa resultou na elaboração do Plano de Ação João Pessoa
Sustentável, com vistas a pensar como os desafios urbanos – saúde, educação,
saneamento, qualidade do ar, ruído, energia, água entre outros – serão enfrentados
a curto, médio e longo prazo. De todo louvável ao menos no discurso o tal
projeto; resta saber se as iniciativas elencadas no papel serão postas em
prática e como a área de ocupação mais antiga da cidade, que é sui generis, será enquadrada nesse processo.
Edifício em ruína na Rua Barão do Triunfo |
Av. Guedes Pereira: as fachadas dos prédios que aparecem nesta foto precisam ser revitalizadas. Note-se como a desordem das placas dos estabelecimentos comerciais empobrece e enfeia os edifícios |
Nos becos descuidados do
Varadouro. Nas calçadas deterioradas do Varadouro. Nos prédios antigos ocupados
por madeireiras e retíficas do Varadouro. Nas fachadas carcomidas dos edifícios
do Varadouro. Nas praças tristonhas do Varadouro. Nas ladeiras e ruas sem
asseio do Varadouro... Em tudo ali, gente, está grande parte da história toda
da capital paraibana. Urge que tentemos banir dos gabinetes dos órgãos públicos
– não só deles, mas principalmente deles, porque é onde são fundamentados os
instrumentos legais -, dos escritórios refrigerados das empresas privadas e
mesmo das salas das casas de todo e qualquer cidadão, a indiferença e a falta
de zelo que fazem com se ignore a ruína de um dado patrimônio como se ele, por
completo, não nos dissesse respeito, como se a história dos nossos antepassados
não fosse importante para nós e, por isso, pudesse ser botada a perder.
Sim, cada um vive a natureza
mesma do seu tempo; é contemporâneo da realidade de seus dias. Mas a mim muito
instiga e embriaga me ver imerso em cenários que me remetem a outros tempos;
conhecer e saber como a cidade era e como foi transformada não com um
sentimento de passadismo – embora naturalmente isso se dê -, mas sobretudo me sentindo envolvido e perplexo ante a
capacidade engenhosa do homem de transformar completamente as paisagens. Tudo
isso é muito verdadeiro e intenso, porque à medida que vamos adquirindo afeição
por um lugar tendemos a, gilberteanamente falando, compor o nosso guia prático,
histórico e sentimental dele.
Qualquer cidadão que seja
consciente do valor que têm os elementos históricos, humanos, materiais,
paisagísticos e evocativos de outras temporalidades e que percorra algumas ruas
que constituem o admirável – sim é isso mesmo – complexo urbano que é o
Varadouro, constatará que aquele lugar está passando por um acelerado processo
de degradação. Lamentavelmente a organicidade daquele território está perdendo
espaço para o desmonte de seu patrimônio edificado; e os órgãos que deveriam
zelar por ele parecem desconhecer essa realidade. A situação não é somente
preocupante, é, também, muito triste, porque esse desapego, de alguma maneira,
reflete a falta de compreensão da real importância que têm esses testemunhos de
outras épocas. É preciso que a sociedade civil também se perceba responsável
pela conservação da história da cidade. Como enfatizou Haroldo Leitão Camargo
no seu breve e ao mesmo tempo muito abrangente Patrimônio histórico e cultural, é necessário “sensibilizar a
opinião pública e alcançar políticas efetivas de preservação”. (29)
Tenho sempre repetido que
quando se perde um testemunho histórico perde-se, na verdade, não uma, mas
várias possibilidades de explicações e esclarecimentos sobre o nosso passado.
Argumentar como pretexto
para fazer desaparecer da paisagem urbana edifícios, monumentos e cenários de
valor histórico, que as cidades estão em permanente “evolução” e
“transformação”, não me parece ser uma explicação que deva legitimar as ações
especulatórias que só enxergam o espaço citadino pelo seu valor venal. Caso não
nos responsabilizemos e nem nos comprometamos com a salvaguarda dos testemunhos
do nosso passado, estaremos condenados a sermos um povo sem memória. Quem não
defende a história e nem a memória do lugar onde vive, não tem consciência de
si, porque a história e a memória das coisas são, também, a história e a
memória de nós mesmos.
Lá longe, o Rio Sanhauá
desliza calmamente; corre em mansidão perene para o seu destino. Do lado de cá,
com as mãos apoiadas sobre o peitoril da sacada de um sobrado abandonado, e
trajando vestes puídas, a senhora Ruína lança seu olhar de sofreguidão por
sobre os telhados seculares do Varadouro. Tudo ela deseja e quer. Os indivíduos
que passam diariamente por ali – talvez por insensibilidade, talvez por
ignorância mesmo – nem notam a presença dela. Mal sabem eles que é com a mais
pura indiferença que aquela incansável senhora se alimenta.
Este belo sobrado abandonado encontra-se na esquina da Rua da Areia com a Rua Henrique Siqueira |
Hotel Globo: localizado no Pátio de São Pedro, que é uma das coisas mais encantadoras de todo o sítio histórico |
Praça 15 de Novembro: o espaço nem parece que está inserido num centro histórico reconhecido como Patrimônio Nacional |
Construção do muro de arrimo por trás do Hotel Globo |
Este e os dois outros desenhos seguintes aparecem no livro Caminhos, sombras e ladeiras, de Juarez Batista |
Nesta e nas oito fotos seguintes, flagrantes da Rua Maciel Pinheiro, uma das mais significativas do Varadouro, que detém ainda um rico acervo arquitetônico |
Rua Desembargador Paulo Hipácio: a sujeira que está espalhada pelo bairro é apenas um dos indicativos de que a Municipalidade não tem cuidado bem dessa área da cidade |
Este prédio fica ao lado da Praça Napoleão Laureano |
Notas
1- Compartilho
com Lúcia Leitão Santos o entendimento por ela expressado na página 150 do seu
livro Os movimentos desejantes da cidade,
de que o conceito de “centro histórico” é discutível, porque determinar que uma
área específica da cidade é histórica, pressupõe que as demais que a compõe não
têm história; daí por que, neste artigo, o leitor deve considerar as expressões
“centro histórico” e “sítio histórico” como correspondentes ao território
urbanizado mais antigo da cidade.
2- Recorrendo
ao historiador Horácio de Almeida, Wellington Aguiar nos informa que a cidade
foi efetivamente fundada em 4 de novembro de 1585 e tomou o nome de Nossa de
Senhora das Neves em memória do desembarque de João Tavares, então escrivão da
Câmara e juiz de órfãos em Olinda, que desembarcara naquele sítio em 5 de
agosto – dia dedicado àquela evocação de Nossa Senhora -, vindo de Pernambuco a
mando do ouvidor-geral Martim Leitão, que assim atendia ao pedido de socorro do
índio Piragibe, chefe dos tabajaras, cuja tribo estava em guerra contra os
potiguaras, correndo o risco de grande derrota. Diz-nos ainda o autor no seu Cidade de João Pessoa: a memória do tempo:
“É de ressaltar-se que a capital paraibana nasceu cidade, sem jamais ter sido
vila, como Olinda, São Paulo e tantas outras. Tal privilégio lhe coube por
haver sido fundada em Capitania da Coroa, sob expressa determinação do rei” (p.
19). O alvará que determinou sua criação data de 29 de dezembro de 1583. Cabe
aqui um comentário feito por Aroldo de Azevedo no estudo Vilas e cidades do Brasil Colonial: “Na verdade – tudo parece
indicar -, a concessão do título de cidade
a um aglomerado urbano, no período colonial, não constituía um atestado de sua
importância demográfica, social ou econômica. Traduzia, muitas vezes, um
simples galardão, mera honraria, que circunstâncias de momento poderiam
justificar; outras vezes, um simples capricho de caráter pessoal do monarca ou
de seus auxiliares, quando não um injustificável acaso. Os exemplos de
Filipeia, Cabo Frio e Oeiras falam por si. Diante disso, somos forçados a
reconhecer que o papel hoje representado pelas cidades o era, na época,
indiferentemente, pelas cidades e
pelas vilas” (p. 87). A capital paraibana recebeu cinco nomes desde a sua fundação: inicialmente se chamou Cidade de Nossa Senhora das Neves; em 1588 teve o nome mudado para Filipeia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem a Filipe II de Castela; quando a Paraíba foi conquistada pelos holandeses, em 1634, recebeu a denominação de Frederica, em louvor a Frederico, príncipe de Orange; após a expulsão dos invasores, passou a chamar-se Paraíba do Norte, nome que vigorou até setembro de 1930, quando o povo quis homenagear um político assassinado no Recife naquele ano, e a cidade foi batizada de João Pessoa.
3- Nestor
Goulart Reis. Imagens de vilas e cidades
do Brasil Colonial, p. 345.
4- Diz-nos
Wellington Aguiar – op. cit. p. 43 -: “A cidade foi tomada a 27 de dezembro de
1634 e libertada a 2 de setembro de 1645. O período que vai de 1645 a 1654 não
se conta, pois durante ele viveram os holandeses encurralados na fortaleza do
Cabedelo”.
5- Elias
Herckman. Descrição geral da Capitania da
Paraíba – 1639, p. 44.
6- José
Luiz Mota Menezes. Algumas notas a
respeito da evolução urbana de João Pessoa, p. 17.
7- Apud.
Walfredo Rodríguez. Roteiro sentimental
de uma cidade, p. 24. Caro leitor, nas fontes que consultei encontrei a
menção de datas diferentes – para a criação do cemitério público, por exemplo –
para os mesmos acontecimentos e resolvi escolher uma delas.
8- José
Luiz Mota Menezes comenta que a planta do engenheiro Vasconcellos nos é
conhecida através da cópia reduzida de Arthur Januário Gomes de Oliveira,
datada de 1905. E completou: “Não sabemos se o copista ampliou o espaço urbano
atualizando-o. No entanto ela nos fornece bem uma visão da irregularidade da
ocupação das fraldas da colina e das aberturas de ruas do Tenente Coronel Beaurepaire
Rohan. É realmente lastimável o traçado das ruas da cidade baixa inclusive a
tortuosidade de algumas e mesmo largura, se comparadas à da cidade alta”. Op.
cit. p. 23.
9- Apud. Wellington Aguiar. Op. cit., p. 102.
10- Foi
deste modo que um estudioso do passado dessa urbe, em artigo escrito em 1984,
avaliou a paisagem da cidade no período: “[...] Em grande parte do século XIX a
visão que vamos encontrar da Cidade da Paraíba, pouco difere da descrição feita
pelos primeiros cronistas e viajantes do começo da centúria: cidade pequena,
antiquada, carente de diversos equipamentos urbanos e que chama a atenção
apenas por aspectos exóticos de sua paisagem natural e peculiaridades de umas
poucas edificações [...] Somente nas últimas três décadas do século é que
alguns melhoramentos substanciais passam a fazer parte dos equipamentos da
cidade”. Aécio Villar de Aquino. “O século XIX e a cidade”. In Wellington
Aguiar e José Octávio (orgs.). Uma cidade
de quatro séculos: evolução e roteiro, p. 75.
11- Existe uma variada e muito significativa
bibliografia que trata desse período e enfoque. A título de introdução
recomendo duas obras, uma sobre o que se processou no Rio de Janeiro e outra
sobre o que se passou no Recife: A
Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes, do Nicolau Sevcenko;
e Bairro do Recife: entre o Corpo Santo e
o Marco Zero, de Cátia Wanderley Lubambo.
12- Mirando sua cidade Charles Baudelaire a
retratou assim em versos do poema “O cisne”:
Paris
mudou! porém minha melancolia
É
sempre igual: torreões, andaimarias, blocos,
Arrabaldes,
em tudo eu vejo alegoria
Minhas
lembranças são mais pesadas que socos.
[...]
E na
floresta, que meu pobre corpo trilha,
Soa
como buzina uma velha lembrança.
Penso
no marinheiro esquecido numa ilha...
Nos
vencidos de sempre e nos sem esperança!
Charles Baudelaire. As flores do mal. p. 228-229.
Lima Barreto, com a argúcia que lhe era
bastante acentuada, pôs em 1909, numa de suas obras ficcionais mais conhecidas,
um flagrante daquele movimentado momento de transformação por que passava o Rio
de Janeiro; a citação é longa e bastante reveladora:
Nascera
a questão dos sapatos obrigatórios de um projeto do Conselho Municipal, que foi
aprovado e sancionado, determinando que todos os transeuntes da cidade, todos
que saíssem à rua seriam obrigados a vir calçados [...]
Nós
invejávamos Buenos Aires imbecilmente. Era como se um literato tivesse inveja
dos carros e dos cavalos de um banqueiro. Era o argumento apresentado logo
contra os adversários das leis voluptuárias que aparecem pelo tempo: “A
Argentina não nos devia vencer; o Rio de Janeiro não podia continuar a ser uma
estação de carvão, enquanto Buenos Aires era uma verdadeira capital europeia.
Como é que não tínhamos largas avenidas, passeios de carruagens, hotéis de
casaca, clubes de jogo?” [...]
Os
Haussmanns pululavam. Projetavam-se avenidas; abriam-se squares, delineavam-se
palácios, e, como complemento, queriam também uma população catita, limpinha,
elegante e branca: cocheiros irrepreensíveis, engraxates de libré, criadas
louras, de olhos azuis, com o uniforme como se viam nos jornais de moda da
Inglaterra. Foi esse estado de espírito que ditou o famoso projeto dos sapatos.
Lima Barreto. Recordações do escrivão Isaías Caminha, p. 125-126.
Acompanhando com pesar a marcha inexorável do
bota-abaixo que tomou o núcleo primitivo do Recife nas primeiras décadas do
século XX, o engenheiro-poeta Joaquim Cardozo escreveu em 1924 aqueles que são
seguramente os versos mais contundentes que eu conheço – a começar pelo título do poema:
“Recife morto” – que buscaram registrar os ciclos de destruição que marcaram
velhas cidades brasileiras:
[...]
Recife,
Ao
clamor desta hora noturna e mágica,
Vejo-te
morto, mutilado, grande,
Pregado
à cruz das grandes avenidas.
E as
mãos largas e verdes
De
madrugada
Te
acariciam.
Joaquim Cardozo. Poesia completa e prosa, p. 163.
13- Wellington
Aguiar. Op. cit., p. 315.
14- Alcides
Bezerra. “A urbs e o modernismo”. Apud. José Flávio. Progresso e destruição na cidade da Parahyba, p. 62-63.
15- Foi ainda na década de 20 que, por muito pouco,
a cidade não perdeu também outro monumento histórico, a Casa da Pólvora da
Ladeira de São Francisco, recentemente restaurada e que é uma construção do
século XVIII. Conta-nos o Cônego Florentino Barbosa na página 199 de sua obra Monumentos históricos e artísticos da Paraíba
que, em “1923”, um agiota, que comprara o mencionado prédio, iniciou sua
demolição: “Mas em virtude do protesto enérgico do Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano, o prefeito da capital, dr. J. de Avila Lins, por despacho
daquela data mandou impedir a demolição, tencionando adquiri-lo para o
município”. Note-se que o Cônego cometeu um equívoco quanto à data, visto que
José D’Ávila Lins foi nomeado prefeito em 22 de outubro de 1928; e deixou o
cargo em 7 de outubro de 1930. Mas, como vimos, esse D’Ávila Lins promoveu a
demolição da Igreja de Nossa Senhora da Conceição em 1929.
16- Adhemar Vidal. "Um seculo de vida parahybana (1825-1925)". In Gilberto Freyre (org.) Livro do Nordeste, p. 141.
16- Adhemar Vidal. "Um seculo de vida parahybana (1825-1925)". In Gilberto Freyre (org.) Livro do Nordeste, p. 141.
17- José Leal. Guia
informativo da cidade de João Pessoa, p. 4.
18- Walfredo Rodríguez. Op. cit., p. 5.
19- Juarez Batista. Caminhos, sombras e ladeiras, p. 20. A título de esclarecimento, Porto
do Capim é um trecho do Rio Sanhauá, mas não é o Cais do Varadouro, de acordo com Walfredo Rodríguez. A Rua das
Convertidas é a atual Maciel Pinheiro; Rua Nova é a Av. General Osório dos
nossos dias; e a Rua Direita é a atualmente denominada Rua Duque de Caxias.
20- Henry Koster. Viagens ao Nordeste do Brasil, p. 69-70.
21- Apud. Juarez Batista. Op. cit., p. 116. A
Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios teve o seu orago mudado para Nossa
Senhora de Lourdes. Mudanças ocorreram também com os nomes das ruas: Rua da
Palmeira é a atual Rua Rodrigues de Aquino. Em vez de Rua da Alagoa talvez o
correto seja Rua da Lagoa, que passou a se chamar Rua 13 de Maio. E a Rua São
Frei Pedro Gonçalves é a que conhecemos como Rua Padre Antônio Pereira.
22- No livro Porto
político, José Joffily fez uma acurada avaliação do caso revelando aqui e
ali os jogos de interesses e os inúmeros desacertos que culminaram no
“desastrado projeto”, que consumiu muito dinheiro. Não há como não enxergar no
fracassado empreendimento uma ligação com as iniciativas grandiloquentes verificadas
no Rio de Janeiro e no Recife nas primeiras décadas do século XX; nessas duas
cidades uma – a principal, na verdade – das justificativas para as ações de
demolição de centenas de prédios dos períodos Colonial e Imperial era
aproveitar as obras de melhoramento de seus portos para “modernizar” também o
espaço urbano. No caso da capital paraibana a ambição foi maior: pretendeu-se
construir um porto. E o projeto, evidentemente, previa a abertura de pelo menos
uma grande avenida de acesso da cidade à zona portuária. Leia-se este trecho de
uma carta escrita pelo deputado federal Ascendino Carneiro da Cunha e enviada ao paraibano Epitácio Pessoa que, havia pouco, deixara a Presidência da República, e que José Joffily publicou
na página 90 de seu estudo:
Rio, 25.4.1923
Dr. Epitácio
As obras do porto que visitei
demoradamente não correspondem à expectativa mesmo de quem conhece as
dificuldades do serviço. Estou certo de que os engenheiros calcularam com
exagerado otimismo os trabalhos necessários e não creio que os realizem como
prometeram. A projetada avenida do porto demoliu justamente os melhores prédios
da Rua Barão do Triunfo, antiga Estrada do Carro, de modo que a cidade está
mais feia.
José
Joffily não deixou de registrar também alguns versos que periódicos da época
publicavam enfocando o episódio da “dispendiosa aventura portuária”, como estes
assinados por um certo Aladino que O
Jornal veiculou em 22 de janeiro de 1924:
Tão quieto e deserto está
O porto do Sanhauá,
Que as obras respectivas
(No começo tão ativas!),
Se agora têm existência,
Só se vê da permanência
Da troupe gorda e luzida
Dos engenheiros de fora,
Que flana e faz avenida
A qualquer hora
(Op. cit., p. 117).
23- Carlos Romero. “A missa, a festa e a
procissão”. In Wellington Aguiar
e José Octávio. Op. cit., p. 232.
24- Jomar Morais de Souto. Itinerário lírico da cidade de João Pessoa, p. 23.
25- Italo Calvino. As cidades invisíveis, p. 14-15.
26- Veja-se, a título de exemplo: Paulo Peixoto.
“Só 2% das obras históricas são recuperadas”. São Paulo, Folha de S. Paulo, Cotidiano, 27 de abril de 2014, p. C4.
27- Doralice Sátyro Maia. Ruas, casas e sobrados da cidade histórica: entre ruínas e
embelezamentos, os antigos e os novos usos, fl. 19. Num estudo publicado em 1981, intitulado João Pessoa: crescimento de uma capital, Janete Lins Rodriguez e Martine Droulers fizeram a seguinte observação a respeito do Varadouro: "A construção da estação ferroviária, de outros equipamentos, e, mais recentemente, da nova estação rodoviária marcaram várias fases de remodelação dos prédios ali existentes, mas, em geral, eles se apresentam em péssimo estado de conservação, chegando mesmo a ruínas em alguns casos, resultando num tecido urbano bastante degradado", p. 25.
28- Fernando Carrión. “Teoria y práctica de los
centros históricos”. In César Barros e Evelyne Labanca Corrêa de Araújo. Reabilitação urbana de centralidades
metropolitanas, p. 37.
29- Haroldo Leitão Camargo. Patrimônio histórico e cultural, p. 82.
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infelizmente, isso não anda por mais por briga de herdeiros, eu fico imaginando queria ter uma casa, e vejo isso todos os dias desde pequeno, sera que existe uma possibilidade de ficar com uma casa dessas, tomando a responsabilizabilidade de restauração e preservação das casas sem mudá-las exteriormente.
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