Por Clênio Sierra de Alcântara
Ao longo
da maior parte de sua história, desde a sua fundação, em 1937, passando pelos
anos em que se consolidou e mudou seu nome de Serviço para Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – de Sphan passou para Iphan – até
pouco tempo atrás, o principal órgão responsável pela salvaguarda do patrimônio
brasileiro pautou suas diretrizes preservacionistas alijando por completo o
povo de suas decisões. Talvez tenha sido em virtude dessa estratégia e/ou
reconhecendo esse grande erro, que o Iphan, de uns tempos para cá, através do
que a sua direção denominou de “Casa do Patrimônio”, passou essa instituição a
implementar em várias cidades onde existem tais “casas”, uma política de trazer
as comunidades para as suas dependências com o fito de integrá-las e fazê-las
interagir com o que diz respeito a tais questões.
É,
indiscutivelmente, uma mudança de rumo. Uns podem até dizer que isso ocorreu
tarde demais. Não penso assim, porque acredito que o envolvimento da sociedade
como um todo na defesa do patrimônio deve acontecer antes tarde do que nunca,
porque sempre compreendi que, sem uma comunhão de forças do Estado com a
sociedade, o patrimônio, que é de todos, estará fadado a arruinar-se e
desaparecer. Por outro lado, avalio que levará, talvez, bastante tempo para que
se consiga disseminar no seio da população discussões e problemáticas dessa
natureza. A realidade vem demonstrando que, sem a promoção da chamada “educação
patrimonial”, não se difunde entendimentos tanto de pertencimento quanto de
valorização do patrimônio seja ele material ou imaterial. Mais do que educar as
pessoas para a causa do patrimônio, se faz necessário despertar nas comunidades
um vínculo para com ele; é preciso que elas se identifiquem e vejam sentido na
ação preservacionista, ampliando o entendimento de que não é só o bem ou a
manifestação cultural em si, mas também o brincante, o meio ambiente, os usos,
etc., que requerem cuidados de conservação porque são elementos intrinsecamente
ligados.
Durante
décadas as políticas públicas voltadas para a proteção do patrimônio, no
Brasil, vincularam-se – e isso, reconheça-se, era prática vigente na maioria
dos países – com muita veemência à salvaguarda do denominado patrimônio
edificado: era preciso proteger e conservar “construções importantes” da
história nacional. O caráter da nacionalidade implicando, quase sempre, numa
ordem de discurso que privilegiava a conservação de vestígios deixados pelas
classes dominantes. E poderia ser diferente, uma vez que eram as próprias
elites que avaliavam o que tinha de ser preservado ou não? Curioso é notar que,
historicamente, as elites - intelectual e financeira - não compartilharam
necessariamente do mesmo entendimento do que deveria ser preservado. Tanto isso
é verdade que, por exemplo, ainda hoje grandes incorporadoras e construtoras
lançam seus tentáculos sobre prédios e áreas de reconhecido valor histórico e
cultural. Alguns empresários, para posarem de bons moços, chegam mesmo a
promover a permanência de parte da edificação antiga como forma de mostrar que
têm certo “comprometimento com as coisas do passado”, tal qual foi feito com um
antigo convento, no Recife, que deu lugar a um shopping. Agora mesmo a cidade
de Garanhuns se depara com o fato de que um grupo empresarial adquiriu o prédio
onde durante muito anos esteve instalada a Rádio Jornal; já na capital
pernambucana um gigantesco projeto imobiliário será implantado numa das áreas
de ocupação mais antiga da cidade, o tradicional bairro de São José. Nesses,
como em tantos outros casos, uma questão se impõe: por que não se luta pela
preservação da memória de nossas cidades?
Muito
embora as iniciativas de salvaguarda do patrimônio verificadas na década de 30,
no Brasil, não tenham sido pensadas, até onde se sabe, com o propósito de
torná-lo objeto de incremento para o turismo, é bastante revelador como o
transcurso do tempo acabou por fazer dele um dos principais sustentáculos da
indústria turística. Em seu por demais esclarecedor O que é patrimônio histórico,
lançado pela Editora Brasiliense, em 1981, Carlos A. C. Lemos observou que “O
turismo nasceu em volta de bens culturais paisagísticos e arquitetônicos
preservados, e hoje, cada vez mais, vai exigindo a criação de mais cenários, de
mais exotismos, provocando quadros artificiais, inclusive” (p. 30). Passados
mais de trinta anos dessa análise feita por Carlos Lemos, constatamos quão
poderosa se tornou tal indústria quando verificamos como muitas cidades se
tornaram reféns de operadoras de turismo que chegam quase a determinar o que os
seus clientes devem ou não visitar dentro daquilo que conhecemos como city tour. E querendo entrar
nesse circuito há casos de Prefeituras que resolveram de uma hora para outra
“redescobrir” a história dos seus municípios a fim de torná-los viáveis para o
setor turístico. Ou seja: não se pensa a preservação do patrimônio somente por
seu valor de face; a ele também se ligam simbolismos e múltiplos significados
que as vivências cotidianas nele inseriram. O que, infelizmente, algumas vezes
ocorre, é uma falta de cuidado em se promover restauros e revitalizações com as
técnicas e conhecimentos precisos; pensa-se que basta uma demão de tinta de cor
berrante para tudo ficar bonitinho e atrativo; é o que os iniciados chamam de
fachadismo.
Noutra
frente, algumas cidades vêm se desfazendo do seu patrimônio à medida que cresce
de modo preocupante, a indiferença de seus habitantes para com a história
delas. Vive-se um tempo em que, lamentavelmente, os olhos parecem só vislumbrar
o futuro, ignorando o passado. Em que pesem as iniciativas dos órgãos de
preservação – o federal e os estaduais -, é preciso manter de forma permanente
um diálogo honesto com a sociedade; e tão importante quanto responder à questão
“para quem deve ser preservado o patrimônio?”, é necessário, também – e principalmente
-, esclarecer por que devemos a todo tempo envidar esforços para preservá-lo.
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 172, março de 2015, Opnião p. 2)
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 172, março de 2015, Opnião p. 2)
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