5 de março de 2015

Na aridez o desejo

Por Clênio Sierra de Alcântara






Foto: divulgação





Na tarde da última terça-feira eu tomei o rumo do meu venerado Cinema da Fundação, no bairro do Derby, no Recife, para pegar a sessão das 16:20 h e assistir ao longa-metragem  A história da eternidade, do diretor Camilo Cavalcante.

No panorama do audiovisual do Brasil nada tem se comparado às produções pernambucanas. Em Pernambuco vem se fazendo um cinema com cara, jeito, falar, trejeito, cor, paisagem e, eu quase dizia, cheiro locais. Tem sido mantido nos argumentos dos nossos cineastas, creio eu, um compromisso com a autenticidade e com a verdade que eles sustentam sem caírem na tolice de macaquearem uma matriz hollywoodiana; e porque não há esse sentimento de emulação, eles têm feito um cinema que, muito mais do que do sentido do olhar, é cobrado do telespectador a percepção da complexidade da existência humana. Sim, é um exercício cinematográfico pretensioso e ambicioso esse, mas não poderia ser outro, uma vez que o que se almeja mostrar nas telas vai além da permanência marginal das favelas e ultrapassa e muito os esgares e o tom sofrível das comediazinhas que se multiplicaram nos últimos anos como projetos lucrativos do chamado cinema nacional.

A meu ver o que tem distinguido e elevado o nível das produções cinematográficas pernambucanas com relação ao que se verifica no resto do país é uma total e completa ausência de concessão. Os cineastas daqui não vêm abrindo mão de seus projetos pessoais com o intuito de angariar adesão e ganhar mais apoio para ocupar mais salas de exibição; eles não têm feito concessões de nenhuma ordem para se enquadrarem num esquema supostamente facilitador de captação de recursos; daí por que se tem feito aqui um cinema tão pulsante e vigoroso e que tem uma estética única. Nosso cinema não tem seguido modismos; pelo contrário, ele tem se posto como um produto autêntico que vale por si mesmo como obra artística.

Fomos agora apresentados a esse A história da eternidade que, não duvido, será um dos momentos mais grandiosos da cinematografia brasileira neste ano. Depois de depurar sua percepção e sensibilidade em vários curtas-metragens – inclusive em um homônimo em 2003 – Camilo Cavalcante nos traz esse filme que é de uma beleza visual, musical e narrativa singular. Na aridez de um lugarejo desprovido de tantos recursos materiais vemos o desejo como uma força motriz, como um imperativo da existência humana a desencadear uma série de ações redefinidoras de rumos. As criaturas que povoam o lugar talvez até acreditem em destino, mas, ainda assim, de alguma maneira elas tentam se perceber no pleno domínio de suas vidas. Por isso, não é a epilepsia, não é a cegueira, não é a autoflagelação e nem é o mando autoritário que irá aplacar aquilo que de mais íntimo e intenso elas sentem.

Toda a carga dramática que se derrama nos terreiros das casas do vilarejo é também ela como que uma certificação – a presença da chuva não é um indício de transformação, de mudança? – de que, mesmo nas existências mais oprimidas, existe nem que seja uma nesga de sonho, de fantasia, de saciedade, de anseio por um dia menos rude. Esse A história da eternidade é deslumbrante – havia muito eu não me deparava com uma cena tão bonita como a do encontro amoroso de Querência (e eu não posso deixar de dizer aqui que admiro demais a atriz Marcélia Cartaxo) com o cego Everaldo –; e sua narrativa fica a quase todo momento a nos dizer que: ou consumamos o desejo que sentimos ou ele nos consome inteiramente.

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