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Foto: divulgação |
Na tarde da última
terça-feira eu tomei o rumo do meu venerado Cinema da Fundação, no bairro do
Derby, no Recife, para pegar a sessão das 16:20 h e assistir ao longa-metragem A
história da eternidade, do diretor Camilo Cavalcante.
No panorama do audiovisual
do Brasil nada tem se comparado às produções pernambucanas. Em Pernambuco vem
se fazendo um cinema com cara, jeito, falar, trejeito, cor, paisagem e, eu
quase dizia, cheiro locais. Tem sido mantido nos argumentos dos nossos
cineastas, creio eu, um compromisso com a autenticidade e com a verdade que
eles sustentam sem caírem na tolice de macaquearem uma matriz hollywoodiana; e
porque não há esse sentimento de emulação, eles têm feito um cinema que, muito
mais do que do sentido do olhar, é cobrado do telespectador a percepção da
complexidade da existência humana. Sim, é um exercício cinematográfico pretensioso
e ambicioso esse, mas não poderia ser outro, uma vez que o que se almeja
mostrar nas telas vai além da permanência marginal das favelas e ultrapassa e
muito os esgares e o tom sofrível das comediazinhas que se multiplicaram nos
últimos anos como projetos lucrativos do chamado cinema nacional.
A meu ver o que tem distinguido
e elevado o nível das produções cinematográficas pernambucanas com relação ao
que se verifica no resto do país é uma total e completa ausência de concessão.
Os cineastas daqui não vêm abrindo mão de seus projetos pessoais com o intuito
de angariar adesão e ganhar mais apoio para ocupar mais salas de exibição; eles
não têm feito concessões de nenhuma ordem para se enquadrarem num esquema
supostamente facilitador de captação de recursos; daí por que se tem feito aqui
um cinema tão pulsante e vigoroso e que tem uma estética única. Nosso cinema
não tem seguido modismos; pelo contrário, ele tem se posto como um produto
autêntico que vale por si mesmo como obra artística.
Fomos agora apresentados a
esse A história da eternidade que,
não duvido, será um dos momentos mais grandiosos da cinematografia brasileira
neste ano. Depois de depurar sua percepção e sensibilidade em vários
curtas-metragens – inclusive em um homônimo em 2003 – Camilo Cavalcante nos
traz esse filme que é de uma beleza visual, musical e narrativa singular. Na
aridez de um lugarejo desprovido de tantos recursos materiais vemos o desejo
como uma força motriz, como um imperativo da existência humana a desencadear
uma série de ações redefinidoras de rumos. As criaturas que povoam o lugar
talvez até acreditem em destino, mas, ainda assim, de alguma maneira elas
tentam se perceber no pleno domínio de suas vidas. Por isso, não é a epilepsia,
não é a cegueira, não é a autoflagelação e nem é o mando autoritário que irá
aplacar aquilo que de mais íntimo e intenso elas sentem.
Toda a carga dramática que
se derrama nos terreiros das casas do vilarejo é também ela como que uma
certificação – a presença da chuva não é um indício de transformação, de
mudança? – de que, mesmo nas existências mais oprimidas, existe nem que seja
uma nesga de sonho, de fantasia, de saciedade, de anseio por um dia menos rude.
Esse A história da eternidade é
deslumbrante – havia muito eu não me deparava com uma cena tão bonita como a do
encontro amoroso de Querência (e eu não posso deixar de dizer aqui que admiro
demais a atriz Marcélia Cartaxo) com o cego Everaldo –; e sua narrativa fica a
quase todo momento a nos dizer que: ou consumamos o desejo que sentimos ou ele
nos consome inteiramente.
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