Por Clênio Sierra de Alcântara
À medida que as quitandas e
mercearias de bairros foram diminuindo e/ou desaparecendo da paisagem urbana em virtude do
surgimento e multiplicação de supermercados e hipermercados com suas seções de
hortifrutigranjeiros, as feiras livres que, desde sempre, figuraram como um dos
grandes acontecimentos sociais das cidades onde ocorriam - e ainda ocorrem -, também se viram
esvaziadas do contingente que para elas afluíam semanalmente. Muito embora não
tenham provocado o desaparecimento das feiras, é fato que aqueles novos
estabelecimentos comerciais, que oferecem num mesmo lugar uma variedade imensa de outros
produtos e não só alimentos – além, claro, da possibilidade de receber o
pagamento por meio de cartões e tíquetes de alimentação -, tiraram delas um
percentual elevado de pessoas, algo que um frequentador habitual de feiras,
como é o meu caso, vem observando há vários anos.
Nasci numa cidade – Abreu e
Lima, localizada na Região Metropolitana do Recife – onde a feira livre era o seu
principal acontecimento social, a exemplo do que se via em inúmeros outros
municípios nordestinos. A feira abreulimense ocupava inteiramente a Praça
Antônio Vitalino e ainda se derramava por várias ruas. E o seu potencial
econômico era tão forte que atraía consumidores de cidades vizinhas. Tenho
quarenta e um anos de idade e posso dizer que vivenciei uma das fases áureas
dessa feira que comecei a frequentar muito menino; e, talvez, derive daí o
fascínio que eu sinto até hoje por essa modalidade comercial.
No tempo de eu menino a
feira livre de Abreu e Lima – ela acontecia aos domingos e, depois, passou para
os sábados – era tomada por um verdadeiro formigueiro humano que entrecortava os bancos de
madeira com cobertura de plástico e lona e driblava com cuidado o espaço para
não pisar no tanto de produtos que também eram arrumados no chão mesmo. Naquele
tempo o vendedor de garrafadas, que levava jiboias enormes para atrair a atenção
de quem passava e que falava pelos cotovelos – daí a expressão “fala mais do
que o homem da cobra” –, aparecia quase toda semana. Quartinhas, mealheiros,
panelas, fogareiros e uma infinidade de outros objetos feitos de barro eram
dispostos também no chão. O homem dos pastéis era uma das alegrias da criançada. A
rádio comunitária, chamada Divulgadora Musical Ipiranga, fazia o seu serviço de
utilidade pública - informava sobre documentos perdidos e achados, por exemplo - além de pôr no ar canções para embalar o bulício. Ciganas
circulavam por lá querendo ler as mãos das pessoas mediante algum dinheiro.
Violeiros também andavam por ali querendo ganhar uns trocados. A mulher dos beijus
e das tapiocas incensava a atmosfera com o cheiro bom dos seus preparos. Meu
avô Biu Belo vendia laranjas lançadas sobre uma lona bem defronte ao Clube Vera
Cruz. O Mercado Público fervilhava de gente...
Hoje nada disso existe mais
materialmente. A tradicional feira livre abreulimense que, havia mais de uma
década, perdera muito dos seus encantos e que guardava, ainda assim, grande parte
da memória social da cidade que a abrigava, só existe agora como lembrança. A
Praça Antônio Vitalino foi inteiramente esvaziada em 2011 e até o Mercado
Público foi varrido do mapa como se nenhuma importância tivesse na história do
município.
Em minhas andanças eu já
estive em diversas feiras livres aqui em Pernambuco e na Paraíba sempre
carregando comigo o desejo de busca pelo pitoresco e pelas tradições dos
lugares aos quais eu chego. Conhecendo as histórias das localidades e ouvindo
depoimentos de seus moradores ficou nítido para mim o entendimento de que a
feira livre que ainda resiste é tão somente um arremedo da que um dia existiu.
E, acompanhando o apequenamento das feiras, os mercados públicos que sempre
funcionaram como complementos delas, estão desaparecendo como tais e os
prédios, em alguns casos, sendo transformados em centros culturais ou ganhando
outros usos, quando não são simplesmente abandonados e/ou demolidos.
Locais de comercialização de
produtos os mais variados e também de encontro de amigos onde se fixam relações
por vezes de camaradagem entre os feirantes e seus fregueses, as feiras livres
guardam no seu bojo um sem-número de tradições e manifestações culturais que se
expressam desde a oferta de uma dada iguaria até a confecção e consumo de um
determinado objeto feito de modo artesanal e que se liga a uma série de
costumes. O enfraquecimento das feiras livres de algum modo também debilita o
pequeno produtor rural, porque nem sempre ele tem outro canal para onde possa
destinar sua produção. Ao sumirem da paisagem urbana as feiras livres estão
apagando muito da memória social das cidades onde um dia elas existiram como principal
evento comunitário.
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], nº 177, agosto de 2015, Opinião, p. 2).
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], nº 177, agosto de 2015, Opinião, p. 2).
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