29 de abril de 2015

Aquela noite no Recife

Por Clênio Sierra de Alcântara




Fotos: do autor          That night in Recife, só para recordar Carmen Miranda, tá! Em noite de festa, a consagração de Hilton Lacerda foi mais do que merecida



Cinema São Luiz, Rua da Aurora, bairro da Boa Vista, Recife, Pernambuco, sábado, 25 de abril de 2015. Uma noite para guardar – ou, se preferirem, tatuar – na memória. Naquela noite outonal, com lua crescente abrilhantando o céu, a tradicional casa recifense de exibição de filmes foi mais uma vez cenário de um evento memorável: depois de ter permanecido em cartaz ali durante um ano, o longa-metragem Tatuagem, do roteirista e diretor Hilton Lacerda, se despediu do público em tom não apenas festivo, mas também e principalmente de consagração.



Ninguém queria perder a celebração



A carrocinha de pipoca e a fila que não parava de crescer



Foi uma verdadeira multidão a que acorreu para aquele lugar. Quem ainda não vira o filme, queria vê-lo; e quem já o vira – como era o meu caso -, queria vê-lo de novo. Quando cheguei ao cine, às 18:30h – o início da exibição estava marcado para as 19:30h -, em companhia do meu amigo uruguaio Alvaro Rios, a fila dos que já haviam adquirido ingresso estava quase chegando à rua que fica por trás do edifício que abriga o Cinema São Luiz; e a da bilheteria tomava o rumo da Av. Conde da Boa Vista. E era tanta gente que se aglomerava na calçada que os ingressos não deram para todos: muitos ficaram do lado de fora.














Era contagiante a euforia que tomava a plateia. Casa lotada. Claudio Cruz, um amigo mais do que querido, estava lá para novamente prestigiar a cena pernambucana. Ainda na fila topei com um rapaz que viera da capital paraibana apenas para tomar parte na celebração. O burburinho era intenso. Quem atendeu à convocação certamente tinha consciência de que iria participar de um evento inesquecível. Cinema pernambucano da melhor qualidade em evidência. Alegria e orgulho verdadeiros estampados nas faces das tantas moças e rapazes que marcaram presença naquele espaço. Cenário colorido e muito movimentado. Hilton Lacerda discursou destacando a satisfação de estar ali exibindo um filme seu num cinema que foi o primeiro que ele conheceu na vida. Aplausos.






Corações inquietos. As luzes se apagaram. E Tatuagem principiou a encher a tela com sua mistura muito bem azeitada de provocação e greia; com sua proposta de mostrar produção cultural num contexto de ditadura militar, como era aquele vivido pelos brasileiros na década de 1970, período em que a narrativa transcorre; com a ousadia – eu disse ousadia? Ah, então deixa – de exibir de modo muito espontâneo e sem recorrer a expectativas, um relacionamento homossexual; com um jeito todo seu de expor a nossa província, a nossa aldeia radiosa com um linguajar muito particular: “tabacudo” e “trepeça”, por exemplo, é pernambuquês castiço. E, como se isso tudo não bastasse, Tatuagem, uma das maiores realizações recentes da cinematografia nacional, ainda nos oferece um instante de epifania: Johnny Hooker surge em nossa frente cantando “Volta” como se fosse uma entidade – como se fosse, não, ele é uma entidade! – e arranca dos não contidos aplausos entusiasmadíssimos.


Estreando na noite cinematográfica do Recife, Alvaro Rios era só ansiedade para ver o filme









Quando a exibição teve fim grande parte das pessoas que acompanharam o filme – e mesmo as que haviam ficado do lado de fora – fincou pé defronte ao cine, à margem do Rio Capibaribe, consumindo pipoca, maçã-do-amor, cerveja, marijuana – também conhecida como “digestivo”, não é, Paulete? – e aguardando o início da segunda parte do evento.






Atenção plateia, porque o filme já, já vai começar









E assim foi que, perto das 23:00h, tendo à nossa frente uma carrocinha daquelas que comercializam cd’s e dvd’s piratas e que foi convertida, imaginem, em  carro de som, tocando de modo ininterrupto o megahit “Polca do cu”, seguimos em cortejo para continuar a festeja o acontecimento. De muito perto vi que Hilton Lacerda esbanjava satisfação no meio dos seus amigos. Seguíamos como se a noite fosse somente nossa; e ela nos envolvia inteira e completamente com uma aura extasiante. Rua da Aurora, Rua da Imperatriz, Praça Maciel Pinheiro, Rua do Aragão, Rua do Rosário da Boa Vista e, finalmente, Largo de Santa Cruz, onde a multidão se misturou a que lá se encontrava e buscou o seu boteco preferido para bebericar e jogar conversa fora.










Alvaro Rios e eu aproveitando os minutos finais antes do início da exibição do filme para fazermos um selfie. E selfie-se quem puder!


Eu não disse que a casa estava lotada!





À espera do cortejo



Maçã-do-amor para adoçar a boca antes do "digestivo"









Do meio da massa surgiu um grande amigo que eu não via fazia tempo. Sem que eu desse conta, porque me encontrava distraído com a câmera fotográfica, ele me agarrou num forte abraço. Adiel Carvalho, que bom reencontrá-lo! Ganhar um abraço como aquele – e eu já escrevi noutro dia que para mim abraço é abrigo – e ouvir dele um “Eu te adoro, cara”, só me fez recordar da lição de Clarice Lispector que diz que “a amizade é matéria de salvação”.






E lá fomos nós tomando as ruas do Recife dentro da noite veloz: Rua da Aurora...







Alvaro, o sinal está aberto, pode passar!



... E continuamos, agora, pela Rua da Imperatriz...





... Praça Maciel Pinheiro: vocês sabiam que Clarice Lispector morou num sobrado que fica nesta praça?





Deixando a praça e seguindo pela Rua do Aragão





Domício admirando o nosso potente carro de som que não parava de tocar: "Tem cu, tem cu, tem cu...". É a "Polca do cu".


E o Largo de Santa Cruz se encheu quase que completamente com a  nossa alegria e vontade






Adiel Carvalho, meu amigo. Como dizemos por aqui, se até as pedras se encontram, que dirá as pessoas...












Retomando o caminho da volta eu e Alvaro Rios mergulhamos naquela noite do Recife como quem mergulha dentro de si mesmo à procura de alguma alegria.


Nenhum comentário:

Postar um comentário