8 de maio de 2015

Cidades movidas a gasolina

Por Clênio Sierra de Alcântara





Trânsito parado: corredores exclusivos para ônibus, viadutos, túnéis, ciclovias e ciclofaixas... Meros paliativos. As grandes cidades brasileiras estão pagando um preço alto pela ininterrupta política que diz e recomenda que, bom mesmo, é que cada cidadão possua pelo menos um carro




Em que pesem os estudos e pesquisas e prognósticos alarmantes a respeito dos sérios problemas que o trânsito caótico acarreta para as cidades e o bem-estar dos seus habitantes, tanto os administradores públicos quanto a população seguem em suas rotinas como se ignorassem completamente os malefícios que essa realidade vem provocando.

A deterioração da qualidade de vida, nos grandes centros urbanos, tem como um dos seus principais causadores os frequentes congestionamentos que se verificam nas artérias comumente mais percorridas pelos condutores de veículos automotivos; e esse quadro está posto num cenário em que não se vislumbra nenhuma possibilidade de melhora. Pelo contrário. O que se tem visto é o agravamento dessa situação por um dado inquestionável e facilmente verificável nas ruas: o número de veículos em circulação não para de crescer. E o resultado disso, claro, vai além dos congestionamentos e da perda da qualidade de vida: ele se estabelece de modo imperioso e daninho sobre o corpo da cidade causando uma progressiva degeneração de seus espaços públicos, submetidos que eles são às incessantes demandas dos automóveis por vias mais largas, por ruas mais espaçosas.

Toda vez que um administrador público dá como resposta aos problemas de congestionamento do trânsito a abertura e/ou alargamento de uma via, ele está apenas sinalizando que não dispõe de efetiva solução para essa questão, porque, lá na frente, a cobrança por mais espaços se renovará, de modo que ele se verá refém de uma realidade extremamente complexa. Cobrança de taxas para que se possa circular por áreas específicas da cidade, rodízio de placas e outras propostas que visem à diminuição de carros nas ruas vêm demonstrando não surtirem grandes efeitos ao redor do mundo. No Brasil, em particular, a simples ideia de rodízio – em São Paulo os congestionamentos monstruosos permaneceram mesmo com sua implantação – provoca uma celeuma daquelas. E por quê? A meu ver porque em nossa sociedade o status de possuir um carro para chamar de seu é e continuará sendo muito presente.  Desta forma, por mais que se diga que uma das soluções para o caos no trânsito seja a ampliação e significativa melhora do sistema de transporte público de passageiros, com mais ônibus, trens e metrôs, há quem acredite que mesmo com isso não alcançaríamos o pretendido, porque aquele status de que falei está intrinsecamente ligado ao preconceito de que transporte público de passageiros é coisa pensada para pobre e para “gente que não se deu bem na vida”.

Deixando essas especulações de lado – até porque eu sou “gente que não se deu bem na vida”: nem dirigir eu sei, imaginem -, vamos aos fatos. No ano passado um estudo realizado pelo Observatório Nacional de Trânsito mostrou que o Recife é a cidade com mais de 100 mil habitantes do país onde ocorrem mais mortes no trânsito. Ainda em 2014 uma pesquisa levada a cabo pela empresa holandesa de transporte e tecnologia Tom Tom, que examinou cento e quarenta e seis cidades, apontou nessa lista de urbes mais congestionadas do mundo, que a capital pernambucana ocupa um impressionante sexto lugar – outros destaques brasileiros foram o Rio de Janeiro, na terceira posição, Salvador na quinta e São Paulo, na décima.

Não é só aborrecimento, perda de tempo e dor de cabeça que os congestionamentos e a superabundância de veículos automotivos provocam. Some-se a isso os danos ao meio ambiente e até a baixa da produtividade das pessoas, que perdem horas em seus deslocamentos de casa para o trabalho.

Pelo visto o tema da mobilidade urbana vai permanecer continuamente em pauta porque, como eu disse em linhas atrás, a quantidade de veículos em circulação não para de crescer e nem os gestores públicos e nem a sociedade civil organizada conseguem apresentar soluções efetivas para os problemas mencionados. Nota-se que, apesar do cenário negro, ainda nos deparamos com ações paliativas que miram atender e beneficiar principalmente os proprietários de carros, o que é um grande contrassenso, sobretudo porque se tem conhecimento de que mais de 50% da população da Região Metropolitana do Recife – e sabe-se que essa é uma das maiores regiões metropolitanas do país – utiliza o transporte público de passageiros.

Não são apenas os corredores exclusivos para ônibus, os viadutos, os túneis, as ciclovias e ciclofaixas que vão dar um jeito no caos do trânsito no Brasil. Investimentos maciços e eficientes em transporte público de passageiros que ofereça segurança, qualidade e comodidade a mim me parece ser o principal meio de se tentar pelo menos diminuir a quantidade de automóveis nas ruas. Do contrário, o carro continuará reinando absoluto nas estradas provocando toda a sorte de males à chamada sociedade moderna e deteriorando as estruturas viárias das cidades efetivamente movidas a gasolina.

Não adianta buzinar, meu caro, porque o trânsito está parado.


(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 176, julho de 2015, Opinião, p. 2.)

Um comentário:

  1. Muito bom Clênio Sierra o artigo. E este texto relata totalmente a realidade do nosso cotidiano, ou seja, carros e mais carros.

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