Por Clênio Sierra de
Alcântara
O instante do deslumbramento
foi tão intenso que por isso eu o recordo com tamanha clareza e assombro. Eu me
encontrava no apartamento de Edilene, uma recém-conhecida, quando, após o
almoço, comecei a folhear uma edição da revista Nova Cosmopolitan e me deparei com uma reportagem que retratava um
pouco da vida e da obra daquela até então para mim obscura artista mexicana
chamada Frida Kahlo. E foi assim que, naquela tarde de 1996, eu comecei a
mergulhar com grande interesse, curiosidade e fascínio nas tantas páginas
biográficas que posteriormente ocupariam um cantinho quase altar na minha
biblioteca dedicado àquela mulher.
Não conheço, na história da
arte, uma pintora que tenha alcançado um patamar tão elevado de reconhecimento
e de disseminação de sua obra como o que foi conquistado por Frida Kahlo, uma
artista que construiu uma carreira fazendo do seu sofrimento físico o principal
motivo de sua pintura. Entre nós, talvez, apenas Tarsila do Amaral tenha
alcançado status de ícone pop e não somente com o seu icônico Abaporu bem como com suas telas
multicoloridas da fase antropofágica que já estamparam até latas de leite em pó
e copos de requeijão.
Mas não foi apenas com suas
obras pictóricas que Frieda – sim, Frieda, porque seu pai, de quem se diz que
ela herdou o olhar fotográfico, era alemão e adorava fotografar – começou a
despertar o interesse de um público amplo para a sua história de vida que ela,
por vezes, até tentava tornar mais emblemática, como disseminando que teria
nascido não em 1907 e sim em 1910, que foi o ano em que ocorreu a Revolução
Mexicana, que ela tanto admirava; Frida fez dela própria um personagem
atrativo, metida em trajes típicos que lhe realçam por assim dizer os traços
para alguns desprovidos de beleza, como as grossas sobrancelhas.
O conturbado relacionamento
que ela manteve com Diego Rivera – um dos expoentes do Muralismo Mexicano, ao lado de José Clemente e David Alfaro
Siqueiros – bem como seu envolvimento com Leon Trotski e Nickolas Muray e os affairs com mulheres fizeram com que Frida
de uma forma ou de outra se mantivesse na ordem do dia do seu tempo.
Decerto que o filme Frida, de 2002, produzido por Hollywood
e estrelado pela também mexicana Salma Hayek, contribuiu significativamente
para espalhar o seu nome pelo mundo e despertar ao menos curiosidade em torno
de seu legado. Por outro lado, é inegável que, àquela altura, o prestígio que
ela alcançara na seara das artes já era enorme a ponto de ela ser considerada a
pintora latino-americana mais valorizada no mercado da arte.
Num tempo em que o feminismo
ou um segmento dele passou a fazer uso do termo empoderamento para designar o
processo de afirmação das mulheres na sociedade, muitas delas passaram a
utilizar a imagem de Frida como símbolo dessa tomada de atitude; imagem essa
que foi transformada numa miríade de coisas comercializáveis como bonecas,
camisetas, bolsas e até ímãs de geladeira que, ao mesmo tempo em que disseminam
Frida Kahlo como símbolo de mulher poderosa, alimenta o feroz capitalismo que
ela tanto repudiava.
No dia 6 de julho o México,
em particular, e o mundo artístico, em geral, celebraram os cento e dez anos de
nascimento de Frida Kahlo, a pintora mexicana que, em que pese a dor e o
sofrimento que a maior parte de sua obra exprime, dignifica e engrandece uma
legião gigantesca de mulheres que a enxergam não somente como exemplo de
superação mas também como uma expressão potente e bem-acabada do ser feminino.
Frieda – que vem de Frieden
-, não esqueçamos, significa paz. Frida Kahlo é la paloma blanca del cielo azul
de México.
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