Por Clênio Sierra de Alcântara
O histórico de perdas relatado pelos órgãos oficiais de salvaguarda do patrimônio edificado em diferentes partes do mundo – e eu acrescento a minha própria vivência enquanto estudioso e mesmo como indivíduo que interage com esse tipo de patrimônio – demonstra que não é nada fácil lançar mão do aparato das ações protetoras – sejam elas de obras de restauração, sejam elas de manutenção, sejam elas, ainda, de formas de uso – quando se tem que constantemente travar embates contra a indiferença e o desprezo e eu diria até a animosidade que não apenas corporações, mantêm para com a preservação de edificações e áreas afins que sejam para essas corporações de interesses mercadológicos, mas também partindo de pessoas comuns cujo dia a dia se liga de alguma maneira ao patrimônio, ainda que, por exemplo, o edifício não passe de uma simples referência no itinerário para as suas idas ao trabalho e à escola.
Decerto que, caso, aqui e ali, não houvesse a atuação valente e determinada de grupos da sociedade civil lutando pela preservação desse tipo de patrimônio no Brasil, muito mais do que já foi perdido teria desaparecido, uma vez que, infelizmente, as ações de órgãos estaduais e municipais e do próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na esfera federal, conseguem a contento impedir que edificações representativas da memória urbana de nossas cidades desapareçam da paisagem em virtude do total abandono por parte de seus proprietários e até de movimentações criminosas que desprezam as diretrizes protetivas elencadas pelas leis e aceleram a ruína dos prédios.
Não é somente a respeito da falta de proteção – da falta, não, da garantia – ao patrimônio edificado que eu quero tratar neste artigo. Quero destacar também ações que se, por um lado, como pensam alguns, não contribui significativamente para a deterioração do prédio, por outro revela o grau de desprezo que muitos destinam ao patrimônio edificado, por vezes contando com o auxílio dos responsáveis pela manutenção da edificação e com a conivência dos órgãos municipais que deveriam coibir, além dos ataques às edificações que estão elencadas como sendo necessitadas de proteção rigorosa, a ocupação indevida do espaço urbano.
Caminhando pelo centro do Recife, qualquer um pode observar o estado lamentável ao qual foram submetidas algumas de suas edificações religiosas. No bairro de Santo Antônio, na Rua do Imperador, a Igreja do Divino Espírito Santo tem a sua lateral esquerda tomada por bares que não somente enfeiam o lugar como emasculam e tiram a dignidade do próprio prédio. E na Capela de Nossa Senhora da Congregação Mariana, contígua àquela igreja, comerciantes de comidas e bebidas chegam mesmo a arrumar mesas e cadeiras na frente dela e até a prender um plástico que faz as vezes de anteparo contra a chuva e o sol numa das suas portas, o que é por demais desrespeitoso, para dizer o mínimo, considerando que se trata de uma construção religiosa.
Ainda em Santo Antônio, a Igreja de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos tem os seus dois lados ocupados por barracas que comercializam roupas e outras coisas há muitos e muitos anos. E na Rua da Conceição, no bairro da Boa Vista, a Municipalidade parece ignorar a favelização que bares e outros estabelecimentos promoveram ao lado da Igreja de Santa Cecília.
Eu poderia continuar citando outros casos e descrevendo quadros de sujeição do
patrimônio edificado ao desprezo e ao descaso que podemos encontrar na área
central da capital pernambucana, mas acredito que os que mencionei bastam para
atestar o grau de dificuldade que existe para a promoção da proteção e
salvaguarda de um determinado bem da memória nacional num país, como o Brasil,
onde tais políticas e ações não conseguem despertar o interesse e a simpatia do
grande público para com tais iniciativas. Daí por que, para essa gente, casos
como que foram descritos aqui, não querem dizer absolutamente nada.
Não são apenas os cupins, as
infiltrações e o abandono que pouco a
pouco promovem a destruição de um dado patrimônio edificado; o uso indevido e o
desprezo para com a sua existência também contribuem enormemente para o seu
desaparecimento.
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