Por Clênio Sierra de Alcântara
No rol – e a pretensão já
começa aí – de pretensões que movem este escrevinhador, seguramente não aparece
a iniciativa de querer ensinar a outrem como funciona o mundo; nem tampouco figuram
em sua lista projetos que visem à salvação desse mesmo mundo, porque, muito
cedo, quando era apenas um meninote, ele ouviu alguém de sua família dizer que “quem
não quer padecer, nasce morto”; verdade essa que nunca mais se desgrudou dele
na medida em que foi se desenrolando o novelo de sua vida. Viver, no final das contas, consiste em lutar constante e cotidianamente contra as adversidades.
Acredito que só alguém que
não tenha um mínimo de compreensão da realidade que o cerca, não tem noção da
gravidade dos acontecimentos que vêm atravessando o país de ponta a ponta nos
últimos dias. Para os ingênuos que acreditavam que a única ameaça severa que
poderia afligir e desarranjar o nosso bem-estar e as atividades básicas do dia
a dia era a violência das ações criminosas, o protesto desencadeado e mantido
por caminhoneiros revelou quão fragilizada e à mercê de certas categorias profissionais
está a nossa existência. Caminhões parados em centenas de estradas – eu cruzei
com três protestos na BR 101, aqui em Pernambuco, nas cidades de Paulista,
Abreu e Lima e Igaraçu – estão nos causando inúmeros transtornos e nos expondo
outra vez – digo outra vez porque, quando criança, eu vivenciei as agruras de
planos econômicos do maldito governo de José Sarney, um dos políticos símbolo
do atraso deste país, que provocaram o desaparecimento de vários itens nos supermercados
– à insegurança, à incerteza e ao pavor de ficarmos desprovidos até mesmo de
alimentos. Sem falar de serviços básicos que em condições de normalidade já são
precários, como segurança pública e atendimento médico. E por que isso? Porque num
país que sucateou a malha ferroviária que tinha em favor dos fabricantes de
veículos automotivos e apresenta um nível baixo de transporte hidroviário,
praticamente toda a cadeia produtiva nacional é dependente do transporte
rodoviário. E o resultado disso, como estamos vendo, é um caos generalizado que
se instalou onde quer que lancemos os olhos: restaurantes e lanchonetes
fechados por falta de gêneros alimentícios e gás de cozinha; aeroportos
cancelando voos por não disporem de querosene para abastecer as aeronaves;
redução pela metade – em algumas cidades houve empresa que não botou nem sequer
um ônibus na rua – do número de ônibus circulando; hospitais reagendando
procedimentos cirúrgicos por falta de insumos; escolas e faculdades anunciando
a suspensão das aulas... Enfim, paulatinamente nos vimos mergulhados numa
situação de acentuada precariedade porque se em condições, vá lá, normais
sofremos com a aguda deficiência generalizada do Estado brasileiro, imaginem
quando é derrubado um dos pilares que o sustenta, que é a economia.
Talvez a mais perversa das
heranças deixadas pelo regime escravocrata que vigorou nestas plagas durante
mais de trezentos anos seja o modo paradoxal de nós, cidadãos, sermos
enxergados pelo Estado como pessoa e coisa ao mesmo tempo, como o eram os
escravos. Neste regime republicano que nos é vendido – e vendido é o termo
preciso – como democrático, pessoas apenas somos quando somos obrigados a fazer
o alistamento militar, tirar título de eleitor e votar e/ou justificar a
ausência nos dias de votação para não sermos penalizados, e, principalmente,
quando temos de pagar impostos estratosféricos para sustentar privilégios os
mais absurdos de uma gente que não está nem aí para as condições de vida do
restante da população e só quer defender os seus, como fazem os muito bem
remunerados que “precisam” de auxílio moradia e auxílio disso e daquilo e gozam
de foro privilegiado. Nesta democracia de araque, de pessoas logo nos vemos
transformados em coisas – em semoventes, como os animais que aparecem em
inventários do tempo da escravidão – quando, por exemplo, buscamos atendimento
médico em hospitais públicos e somos largados pelos corredores sem perspectiva
de sairmos bem dali; quando somos deixados entregues à própria sorte enquanto a
bandidagem apronta das suas e mata amiúde principalmente os negros e os pardos;
ou quando procuramos uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência e a
encontramos de portas fechadas.
De fato não foi o presidente
Michel Temer quem abriu as portas do inferno e começou a nos empurrar para
dentro. Essa coisa toda envolvendo a manobra da Petrobras de aumentar
constantemente os preços dos combustíveis para tapar o buraco da roubalheira
que a tomou durante anos, teve início com as ações espúrias dos magnatas do
dito Partido dos Trabalhadores (PT), que se apresentavam como benfeitores da
nação distribuindo cartões do Bolsa Família e vale-isso, vale-aquilo ao mesmo
tempo em que enchiam suas burras até elas esborrar num dinâmico e bem
estruturado socialismo de resultados. Ora, se a Petrobras é uma empresa de
capital misto e o Estado brasileiro figura como o seu principal acionista e
eles nos dizem que ela é uma estatal, então, por que cabe aos cidadãos
brasileiros economicamente ativos somente a socialização dos prejuízos que ela
tem? Por que os lucros dessa empresa são destinados apenas aos seus
funcionários e acionistas e não são repartidos conosco? E eu digo isso sem
excluir, claro, as demais estatais com seus milhares de funcionários cercados
de uma miríade de privilégios bancados pelo grosso da população que sobrevive
em sua maioria com um mísero salário mínimo. Os petistas repetem como mantra o
que é, na verdade, uma insuportável cantilena, que eles melhoraram o Brasil
tirando não sei quantos indivíduos da miséria com o Bolsa Família. Eles só não
dizem que esses ex-miseráveis continuaram convivendo com hospitais sem leitos,
maquinários e medicamentos, com um sistema de ensino que oferece educação de
baixa qualidade e com uma violência desenfreada que ceifa a vida de centenas de
pessoas diariamente por este país afora. E negam, obviamente, que cometeram crimes
e que tudo que contra eles aparece é armação das elites.
Além de demonstrar a
fraqueza absoluta do governo do senhor Michel Temer, que governa com um olho no
Congresso Nacional e outro nas investigações da Polícia Federal no inquérito
dos portos, o movimento grevista dos caminhoneiros contra os aumentos dos
preços dos combustíveis - aumentos esses que atingem todos os ramos da economia e diminuem o poder de compra dos mais pobres, principalmente, uma vez que esses aumentos provocam um efeito cascata - fez ver às mentes pensantes que administram este país
que elas estão equivocadas quando imaginam estar no controle de tudo. Não estão
não. Estão perdidas e vendo os brasileiros se sujeitarem a privações e
humilhações para enfrentar uma situação de desabastecimento generalizado que só
faz se agravar.
A situação é crítica. A incerteza
é tamanha. Os bolsonaristas se aproveitam dos acontecimentos para disseminarem
o engodo de uma pretensa panaceia para todos os males que assolam este país,
que seria uma intervenção militar. E o presidente Michel Temer permanece
vociferando com intimidações que não intimidam ninguém, incapaz que é de ocupar
o cargo que ocupa e de exercer com competência a autoridade que lhe é cabida.
A impressão que eu tenho é
de que o presidente Michel Temer não tem se preocupado de fato com o progresso
do país e nem com o bem-estar dos brasileiros, e, sim, em como se livrar das
várias pendências que ele tem com a Justiça. A realidade está aí para todo
mundo ver: não é o presidente da República e nem os demônios e as santidades do
Congresso Nacional que têm controle sobre o Brasil: quem faz este país
verdadeiramente andar ou ficar parado são os caminhoneiros. E tenho dito.
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