Por Clênio Sierra de Alcântara
Essa coisa de receber
visitas em minha casa não é bem comigo, não. Eu ainda não aprendi a ter
paciência com pessoas que me visitam e que ficam tomando o meu tempo com
conversa mole, como se eu não tivesse nada de importante para fazer. E, quando
isso acontece, eu fico contando os minutos para o visitante sair logo da minha
atenção.
Tanto pior que visita
indesejada é aquela que chega sem ter avisado que viria. Nossa, que coisa
inconveniente. E o visitante sobre o qual quero lhes falar chegou assim, de repente,
sem avisar. E é do tipo entrão, sabe? Inquieto, buliçoso, espaçoso e folgado. Pense
num sujeito folgado. E chegou assim sem cumprimentar ninguém, sem dizer boa
noite! e nem perguntar como vai? Entrou e foi logo escolhendo o lugar onde iria
ficar. E pronto.
Em princípio eu pensei em
expulsá-lo e mesmo repreendê-lo pelo seu mau comportamento. Mas eu pensei
melhor e resolvi que ele poderia ficar na minha casa por uns tempos, muito embora
nem a respeito da duração de sua estadia ele tenha resolvido falar.
Fiquei a comentar com o meu
irmão sobre o comportamento do sujeito. Estava claro para nós que poderíamos
sim partir para o confronto a fim de fazer com que ele fosse embora e até dizer
para ele que a sua presença não era benquista ali. Mas para que e por que agir
assim? Resolvemos ampará-lo e abrigá-lo sem impor-lhe condições, cientes, digo
mais, confiantes de que hora chegaria em que ele, assim como viera para o nosso
lar, iria deixá-lo também sem avisar, tomando um destino que certamente
desconheceríamos.
Como ele cismou em não me
dizer nem o seu nome e tocar a sua vida em nossa casa como se ela, na verdade,
fosse dele e nós os hóspedes, os intrusos, me veio uma intensa vontade de
chamá-lo – não sei por que razão – de Serafim. Isso mesmo, Serafim. Meu hóspede
passara a ter um nome. E, batizá-lo, de alguma maneira fez com que eu me sentisse
mais ligado a ele, como se um nome fosse – e creio que seja realmente – um elo,
ou melhor, o elo principal a nos ligar às pessoas, às coisas e aos animais.
Passei a acompanhar a rotina
daquele estranho que fizera da minha a sua morada. Lá se vão pouco mais de dois
meses e ele não dá o mínimo indício de que esteja disposto a abandonar o nosso
lar. Vejo que, pelo menos aparentemente, ele se encontra muito bem acomodado
onde se alojou. Porque, se não quer conversa conosco, por outro lado ele também
não abre a boca para reclamar disso ou daquilo. Em virtude principalmente dessa
sua postura, eu fui me dizendo que só se a nossa convivência passasse para o
campo da incompatibilidade mútua, caminhando para o terreno em que, nos
relacionamentos, um não suporta mais olhar para a cara do outro, eu iria
seguramente convidá-lo a se retirar, ainda que eu considere que seria/será
difícil me acostumar com a sua ausência.
Serafim é do tipo de gente
que troca o dia pela noite. Nossa, como ele dorme. Não fica nem aí para o
solzão lá fora. O negócio dele é manter-se deitado em seu cantinho, sossegado,
como se não houvesse nada mais a ser feito na vida. Às vezes fico a admirar
essa sua completa entrega ao ócio. E se vira de um lado para o outro. E deixa
ver que dá de ombros para o que possamos pensar dele. E ao cair da noite o
danado fica com toda a disposição do mundo. E anda de cá para lá e de lá para
cá pela casa; e, depois, sai para dar uma volta. É um notívago convicto. Na verdade,
ele, eu bem notei, tem necessidade da noite.
Lá se vão pouco mais de dois
meses desde a sua chegada e eu posso abertamente dizer a vocês que ainda não
temos, eu e o Serafim, uma relação assim, tão próxima e afinada que permita que
saibamos em detalhes um do outro. Ele é muito reservado, na dele; e deixa
evidente que minha presença causa-lhe certo desconforto. Sinto, para ser bem
preciso em minha avaliação, que ele, no fundo, preferiria que não houvesse
ninguém por perto e que a casa ficasse só e exclusivamente para ele. Pense num
cara arredio e dono de si.
Fosse no tempo em que os
animais falavam, certamente Serafim, o timbu que está morando no telhado da
minha casa, me diria, talvez, muito de sua vida e me ensinaria uma porção de
coisas. Mas deixa estar como está, porque, ainda que não falemos com a boca um
para o outro, de alguma maneira vamos nos entendendo na medida mesmo em que
claramente compreendemos esta lição fundamental: que pessoas são pessoas e que
animais são animais. E pronto.
Fotos: Arquivo do autor Olha aí o meu hóspede Serafim. Será que é macho? Será que é fêmea? Não importa. Ele está passando um tempo em minha casa e parece gostar do ambiente. Vida longa ao Serafim |
Nenhum comentário:
Postar um comentário