Por Sierra
Foto: Arquivo do Autor Conexão Ilha de Itamaracá-PE/Natal-RN para aproveitar as férias, porque ninguém é de ferro e eu menos ainda. Câmara Cascudo, daqui a pouco eu chego aí |
Passei os primeiros dias das
minhas férias deste ano ocupado com a tarefa de escritura do prefácio para o
livro de um amigo que me tem muito em conta. Nunca que eu vi um prefácio tão
longo – pelo menos em extensão eu consegui ultrapassar mestre Gilberto Freyre,
que escreveu prefácios longos e memoráveis -, longo e aparentemente
interminável. Pois é, eu ainda não o concluí. Dei uma pausa, porque eu já
estava com a cabeça cheia e me sentindo cansado com aquela lida; e escrever
nesse estado não é recomendável, porque a escrita emperra, o texto vai perdendo
o rumo e nós tendemos a acabar fazendo um trabalho de má qualidade.
Deixei a escritura no modo
pausado e tratei de pegar a estrada, porque eu estava precisando disso. Eu estava
precisando flanar por outras ruas, ver outros rostos, lançar os olhos para
outras paisagens, salgar as carnes do meu corpo em outras praias, apreciar
outros encantos, enfim, eu estava precisando me dar outros prazeres.
Fazia dez meses que eu não
pegava a estrada, metido que eu estava numa cansativa, monótona e enfadonha
rotina casa-trabalho, trabalho-casa, porque é necessário trabalhar para pagar
as contas e sobreviver. Quem quiser que goste de trabalhar. Eu não gosto. Eu gosto
mesmo é de acordar mais tarde. De ler e escrever e compor música. Eu gosto é de
ir para a academia malhar que só um condenado para continuar “desejável”, como
eu digo na maior greia. Eu gosto é de ir à praia lavar o corpo, mirar a
imensidão do mar e me estender, como carne posta em grelha, para que o sol
amenize, pelo menos, as escamações e o vermelhidão que a psoríase deixa em mim.
Eu gosto mesmo é de bater perna pelo Recife, visitar exposições, comprar livros
nos sebos, ir ao cinema, olhar para a cidade, viajar e fazer sexo, quando isso
é possível.
Poucas coisas são tão boas
quanto poder – destaque-se isso, poder, porque, infelizmente, muitos e muitos
não têm um mínimo que seja de grana para se dar a tal desfrute – pegar a
estrada para passear. Deveríamos, todos nós que ralamos diariamente, dispor de
alguma grana para, nem que fosse uma vez por ano, sair da rotina e partir
nalguma aventura. A vida deveria ser equilibrada nessa dualidade da aventura e
da rotina: a rotina serve para que nós coloquemos as coisas da vida prática em
ordem – pagamento de contas, estudos e outras obrigações; e a aventura tem o
objetivo de fazer com que nós nos reenergizemos, saindo de um dia a dia
estafante e monótono e nos entregando a pequenos prazeres, como uma caminhada
na beira da praia, que acabam nos conferindo grandes satisfações.
Confesso que a pandemia e
tudo o que ela provocou de estrago e de tristeza, me deixaram meio borocoxô
para voltar a viajar com o entusiasmo que eu tinha antes de a covid-19 chegar
para nos assombrar. Esse estado de desânimo e os preços proibitivos de
passagens aéreas contribuíram para que eu resolvesse não ir para o destino
inicial que eu escolhera. Ainda assim, ter escolhido outro rumo não significou
uma explosão de animação para que eu decretasse um #partiuviagemdeferias. Mas eu resolvi sair. Eu decidi pegar a
estrada a fim de ficar com a cuca fresca depois de tudo que suportei neste ano
de eleições presidenciais turbulentas, aflitivas e desgastantes.
É claro que pegar a estrada
para passar vários dias longe de casa requer um rearranjo da cabeça a fim de
lidar com uma nova rotina na qual se incluirão, além de outros ambientes para
repouso, por exemplo, o provar outros temperos e compartilhar espaços de
convivência com desconhecidos. Contudo, esses desafios que exigem rearranjos e
reorganizações do cotidiano são muito bons para testar a nossa capacidade de
adaptação a ambientes e ao convívio com pessoas que, no mais das vezes, nunca
mais veremos novamente.
Quando eu pego a estrada
para viajar a passeio, eu costumo carregar comigo uma vontade de sempre
aprender algo novo no lugar que eu escolhi conhecer. Tal qual a leitura de um
livro, eu faço um exercício de leitura ocular do lugar buscando com isso
apreender conhecimentos e aumentar a minha bagagem de experiências.
Não sei se é pelo fato de eu
ser alguém que escreve e que cria com palavras que faz com que eu sempre espere
que as viagens de alguma forma me tragam inspirações e ideias e assuntos, não
somente para este blog, mas também para
outras frentes. Eu gosto de pensar e de imaginar que a vivência de certas
experiências pode provocar o surgimento e a construção de algo que sem elas eu
não iria conceber. É como se a vivência da viagem fosse uma semeadura, sabe? Eu
acredito muito nosso; daí por que eu continuo apostando que viajar sempre e
sempre me enriquece de alguma maneira, mesmo quando eu experiencio situações
desagradáveis e trato com gente que não vale o que o gato enterra, até porque a
vida tem disso também, não é?
Peguei a estrada depois de
longos dez meses de uma rotina quase sufocante. E estar na estrada novamente é
algo por si só revigorante, porque viajar, e ainda mais sozinho, é algo por
demais desafiador. Eu costumo dizer que, para viajar por conta própria, sozinho
e sem depender de quem quer que seja, é necessário dispor de três itens:
dinheiro, vontade e coragem. Não adianta ter apenas um ou mesmo dois desses
itens, porque os três se completam harmoniosamente.
Voltei para a estrada. E o
tanto que esse ato contribui para o meu senso de liberdade eu não sei lhes
dizer. O que eu posso lhes garantir é que eu sempre retorno carregando algo de
bom dentro de mim das viagens que faço.
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