15 de julho de 2023

A ascensão e a queda vertiginosa de um logro: Jair Bolsonaro e a fantasia da mitificação eterna

 Por Sierra

 

Imagem: Internet
Jair Bolsonaro ascendeu na vida pública despertando simpatia numa multidão que se reconheceu em todos os males que ele encerra; e tombou, caiu vertiginosamente, despencou do alto de sua malignidade e de sua inescrupulosidade para o bem de todos e felicidade geral da nação



O que eu mais ouço saindo da boca daqueles que ainda se mantêm nas fileiras do exército da salvação nacional de Jair Bolsonaro é que gente como eu, que não consegue enxergar um mínimo que seja de algo bom e correto nesse espécime, é que nós acreditamos apenas em “narrativas construídas pela esquerda, que quer implantar o comunismo no Brasil”. Às vezes eu me sinto um completo idiota ao lado desses indivíduos; e me sinto um completo idiota não por considerá-los inteligentes ou algo assim, e sim por eu perder meu precioso tempo parando para ouvi-los.

Por mais que o exército da salvação nacional de Seu Jair permaneça gritando a plenos pulmões nas ruas e nos canais das plataformas digitais defendendo ele, o ídolo dessas pessoas, contrariando sempre o que elas dizem, reiteradamente demonstra e deixa claro e nítido que ele não é exatamente o que essas criaturas imaginam que ele seja. Por que isso? Por que razão essas almas continuam acreditando num logro que elas insistem em alimentar? Por que, enfim, esse povo escolheu viver prisioneiro do autoengano?

Enquanto eles diziam que Seu Jair queria o melhor para toda a sociedade, ele pôs no Ministério da Educação indivíduos que não tinham traquejo sequer para ser síndico de um prédio de dez apartamentos. Enquanto eles diziam que Seu Jair iria promover uma mudança para melhor no quesito Segurança Pública, ele considerou que a solução para o morticínio em massa resultante de assassinatos e latrocínios era simplesmente facilitar o armamento da sociedade: cada cidadão do país portando um revólver, uma espingarda, ou sei lá, uma metralhadora, garantiria a sua segurança pessoal e a de sua família. Enquanto eles diziam que Seu Jair estava cuidando corretamente dos estragos provocados pela pandemia da covid-19, ele trocava constantemente o comando do Ministério da Saúde, recomendava que as pessoas tomassem remédios que a Organização Mundial da Saúde dizia que não eram eficazes e pedia que elas fossem para as ruas, desobedecendo às determinações das autoridades sanitárias. Enquanto eles diziam que Seu Jair estava solidário com as famílias das vítimas fatais da pandemia, ele estava por aí debochando dos mortos e se dando ao desfrute de percorrer ruas e avenidas em motociatas. Enquanto eles diziam que Seu Jair era um cidadão de bem, ele não perdia a oportunidade de fazer comentários misóginos e homofóbicos. Enquanto eles diziam que Seu Jair era um defensor ferrenho da democracia, ele fazia loas e mais loas aos torturadores da Ditadura Militar. Enquanto eles diziam que Seu Jair respeitava a harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ele marcava presença em atos antidemocráticos nos quais se pedia intervenção militar no país, dissolvendo o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Enquanto eles diziam que Seu Jair estava melhorando as condições de vida da população em geral, ele elevava apenas os salários das categorias que ele considerava como seus fiéis eleitores e a imprensa flagrava pessoas revirando lixeiras à procura de pelancas e ossos. Enquanto eles diziam que Seu Jair fortaleceria todos os setores da economia, ele tratou de deixar a área da cultura quase à míngua. Por fim, enquanto eles diziam que Seu Jair era um fodão que iria fazer e acontecer, ele atacou repetidamente a lisura das urnas eletrônicas, perdeu as eleições, arrumou suas malas pesadas que só vendo de tanto patriotismo que as abarrotavam e covardemente seguiu para os Estados Unidos, deixando os seus apoiadores mergulhados num alucinógeno delírio golpista que os levou a vandalizar, destruir e saquear as dependências do Congresso Nacional e do STF, no último dia 8 de janeiro, pouco tempo depois de tentarem explodir uma bomba no aeroporto de Brasília com o fito de promover uma desordem social generalizada.

Durante os quatro infelizes e tenebrosos anos do desgoverno do senhor Jair Bolsonaro nós assistimos à ascensão de um discurso autoritário que pôs o país em um terrível clima de beligerância, opondo direitistas e esquerdistas, que levou de rodo quem não apoiava nenhum dos dois lados. E o que se viu não foi só uma escalada de ataques aos pilares da democracia e a troca de insultos e de ameaças nas redes sociais e em tudo que fosse canto, mas também confrontos e ataques armados que resultaram em assassinatos. E Jair Bolsonaro, o líder direitista muito dado a incitar a desobediência civil e a espalhar notícias falsas e depois tirar o corpo fora e negar as suas malfeitorias e delinquências quando o negócio descambava em algo como mortes, permaneceu até o último momento apostando todas as suas fichas que, atendendo às suas bravatas, intimidações e mentiras, as Forças Armadas encampariam o delírio golpista que ele diuturnamente professava.

Todas as estratégias às quais o nefasto Jair Bolsonaro lançou redundaram num enorme fracasso: ele perdeu as eleições para o candidato esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, no que foi a prova de que, ainda que com pequena diferença no total de votos, a maioria dos brasileiros disse um sonoro “não” às pretensões autoritárias do infeliz. E ele se viu preso a uma realidade que dia após dia confirmava que a sua presença maligna não era benquista por todos os cidadãos deste país. E pôs o rabinho murcho entre as pernas e se mandou para os Estados Unidos, de onde assistiu à invasão do Congresso Nacional e do STF por uma turba de delinquentes que vestia verde e amarelo e acreditava piamente que eles triunfariam. As imagens daquele inesquecível e pavoroso dia serviram para ilustrar o livro maldito que o bolsonarismo começou a escrever em 2018.

Reduzido à condição de ex-fodão e ex-pode tudo, Jair Bolsonaro foi pouco a pouco se dando conta de que os espetáculos e as aberrações do circo de horror, que ele comandava de um picadeiro montado em Brasília, começaram a ser cancelados e varridos para ser jogados na lata do lixo. E as desventuras em série começaram a ocorrer: os delinquentes do 8 de janeiro foram em parte encarcerados; fiéis aliados de outrora, como Abraham Weintraub, se puseram a hostilizá-lo; o país tomou conhecimento do caso das joias das Arábias; ele já foi intimado a depor quatro vezes até agora na Polícia Federal; e, como desgraça pouca é bobagem e ele realmente merecia levar um coice depois da queda, o Tribunal Superior Eleitoral votou por sua inelegibilidade durante oito anos. E mais rebordosa está por vir.

Já disse noutra ocasião e vou repetir aqui: eu não faço exercício de futurologia; mas eu aposto que a figura execrável e nefasta de Jair Bolsonaro e a sua passagem pela presidência da República figurarão nos manuais de História do Brasil como um tempo em que uma grande pandemia assolou este país quando, coincidentemente, uma peste já promovia estragos no seio da sociedade tomando como epicentro o Planalto Central.

Jair Bolsonaro ascendeu na vida pública despertando simpatia numa multidão que se reconheceu em todos os males que ele encerra; e tombou, caiu vertiginosamente, despencou do alto de sua malignidade e de sua inescrupulosidade para o bem de todos e felicidade geral da nação.

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