Por Sierra
Especialmente
para Ernani Neves, um talentoso fotógrafo e editor de imagens, no dia do seu
aniversário
Desde muito menino eu sou um
fascinado por fotografias e por imagens de um modo geral. Agora que eu estou
escrevendo isso aos 49 anos de idade, eu lhes digo, com plena convicção, que – e
deve ser assim com todo mundo que não tem deficiência visual de nascença – eu primeiro
aprendi a ler através de imagens e só depois com as letras, sílabas e palavras.
Não lembro se eu já lhes contei que eu só aprendi a ler palavras tardiamente.
Pois é, foi só aos nove anos de idade que eu me vi dotado disso que tenho como
sendo algo extremamente poderoso, que é a capacidade de ler palavras.
Nossa, eu nem tinha me dado
conta disso quando resolvi escrever sobre a minha paixão por imagens: faz
quarenta anos que eu aprendi a ler sob as vistas e assistência da minha
inesquecível professora Livonete de Araújo Alves, na Escola Mário Domingues, na
minha cidade natal, Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife.
Havia na grande estante de
livros da casa dos meus padrinhos Maria Lúcia e Aleixo, um livro grande e muito
bonito com ilustrações bastante coloridas de clássicos dos Estúdios Walt
Disney. Aquilo me enchia os olhos de tal forma que eu não me cansava de ver e
rever, de virar e revirar aquelas páginas todas. Era como se vendo e revendo
todos aqueles desenhos eu de alguma forma pudesse estar dentro deles, sendo
parte do cenário e interagindo com os personagens dada a familiaridade que eu
mantinha com eles. Eu não sabia ainda ler palavras, mas compreendia – eu assim
pensava – a estória. E certamente essa compreensão existia, essa leitura
imagética estava entranhada em mim porque me afligia ver o Dumbo naquele circo:
eu receava que, mesmo sabendo voar, o elefantezinho poderia se machucar. E ele
voava.
E essa coisa de voar é muito
marcante porque um outro livro que existia naquela estante, que tinha como título
Menino de asas, e que fora escrito
pelo Homero Homem, possuía umas ilustrações que igualmente me impressionavam
bastante, sendo que uma delas me deixava triste, que era uma em que ele aparece
de costas para o observador enquanto voa como que fugindo do mundo.
Nunca que eu me esqueci
daquela imagem do Dumbo dentro de um circo e nem do menino que possuía asas.
Como também eu não esqueço que, ainda na minha tenra infância, e também na casa
dos meus padrinhos, eu quase que ia sendo flagrado pela Anna Lúcia, uma das
filhas deles, no momento em que, no quarto onde ficavam os livros e as
revistas, eu estava a esfregar no meu pênis um calendário no qual aparecia uma
mulher nua, calendário esse que eu mantinha escondido naquele cômodo da casa. Imagens
são coisas realmente muito instigantes.
Como eu vinha dizendo, desde
que eu era um menino eu sou fascinado por imagens. Talvez esteja relacionado
com isso o gosto que, na infância, eu mantive de ter álbuns de figurinhas – eu até
hoje possuo alguns álbuns do chocolate Surpresa,
que são uma das melhores lembranças que eu guardo daquele tempo; colecionar as
figuras que vinham naquele chocolate da Nestlé era algo que em mim causava um
grande e permanente contentamento. E além de colecionador de álbuns de
figurinhas, eu também colecionei selos postais.
Durante a minha graduação em
História, na Universidade Federal de Pernambuco, num tempo em que o acesso à
internet ainda não era essa coisa amplamente massificada e de fácil acesso que
é hoje, o contato e o aprendizado que eu tive com mestres que nos estimulavam a
buscar imagens como complemento e/ou ampliação do entendimento e da absorção do
que víamos com eles na sala de aula, caso, principalmente, dos professores
Antonio Paulo Rezende, Luciano Cerqueira e Christine Dabat, o fascínio e o
gosto e o apreço por imagens só fizeram se acentuar e se fixar em mim tanto
como material de pesquisa como complemento de pesquisa, o que, inevitavelmente,
me levou a ler e a buscar estudos que tratassem especificamente desse assunto
e/ou que tomassem a fotografia e as imagens de um modo geral como um motivo e
como um fundamento para que eles construíssem suas narrativas escritas, como
foi o caso, por exemplo, dos historiadores Nicolau Sevcenko e Boris Kossoy, e
do sociólogo Gilberto Freyre, cuja escrita é ela mesma imagética.
Naquele que é um clássico
inescapável para todos que se interessam pela fotografia em sentido muito
amplo, que é Sobre fotografia, a
nova-iorquina Susan Sontag escreveu uma sentença que eu considero um achado entre
os muitos que constituem o seu livro: “Toda foto tem múltiplos significados; de
fato, ver algo na forma de uma foto é enfrentar um objeto potencial de
fascínio. A sabedoria suprema da imagem é dizer: ‘Aí esta a superfície. Agora,
imagine – ou, antes, sinta, intua - o que está além, o que deve ser a
realidade, se ela tem este aspecto’” (Susan Sontag. Sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004, p. 33).
Diante de uma fotografia e
de uma imagem estática não fotográfica, como uma pintura, quantas perguntas nós
intimamente fazemos? Várias, certamente, porque, eu assim penso, é justamente
em tais indagações e nesse exercício de exegese, de interpretação e curiosidade
que se fundamenta, no final das contas, o fascínio, o grande, o imenso fascínio
que as imagens despertam em nós. E isso em muito explica por que o sorriso ou
quase sorriso da Mona Lisa de
Leonardo da Vinci vem despertando um fascínio contínuo na humanidade através
dos séculos.
Eu me alinho entre aqueles
que consideram a visão o nosso sentido mais poderoso. E sei que a minha memória
visual é a principal responsável pela maior parte dos meus gostos estéticos e
pelo muito do prazer que eu senti e sinto na minha vida. As imagens me atraem
na mesma medida que em mim elas despertam o interesse de tentar interpretá-las
e compreender o que está evidente e/ou apenas sugerido.
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