26 de agosto de 2023

Praça São José: presenças, desrespeitos e ausências


Por Sierra

 


Fotos: Arquivo do Autor
Espremida entre faixas da BR 101, como se fosse um canteiro entre elas, a Praça São José, localizada no coração da cidade de Abreu e Lima está precisando não só passar por uma revitalização como também desejosa de que parte de seus mal-educados frequentadores passem a respeitá-la como um acolhedor espaço de convívio



Eis uma constante na minha narrativa de cunho memorialístico: eu não consigo me desapegar da minha desobediência aos ditames e cobranças do tempo presente. Eu resisto o quanto posso, ainda que constantemente me digam que é uma luta vã. E há de ser assim até o fim dos meus dias, porque eu nunca e jamais deixarei de ser ferreamente fiel aos meus sentimentos. Eu me julgo incapaz de aderir ao que quer que seja fazendo de mim uma folha em branco onde tudo deve ser começado, como se eu não tivesse uma história pessoal a preservar. Eu não carrego comigo só memórias recentes.

Guardo de modo quase intacto na minha lembrança o cenário primitivo que hoje é ocupado pela Praça São José, localizada na área central e comercial de minha cidade natal, Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife. Guardo-o na memória porque, na minha infância, eu transitei muito por ele, seja para ir comprar carvão a Seu Elias, seja cortar caminho a fim de chegar logo à casa de minha avó Maria da Conceição, seja para revirar a montanha de lixo que formavam ali, seja, enfim, como rota para ir à Escola Polivalente, onde eu ingressei em 1985.



Apesar de estar mal aparelhada em termos de mobiliário urbano, a Praça São José ainda assim continua sendo buscada por um público que lhe é bastante fiel e que a frequenta durante vários dias da semana, como eu tenho observado




A área central de Abreu e Lima é cortada pela BR 101. A Praça São José é ela mesma quase que um canteiro central entre as faixas dessa rodovia – configuração e condição essa que, a bem da verdade, é a mesma de um expressivo conjunto de edificações no trecho compreendido entre parte do bairro de Timbó até o centro, defronte à sede da Prefeitura Municipal – que, ainda na década de 1980, passou por obras de duplicação; obras essas que puseram abaixo centenas de prédios residenciais e comerciais, uma escola e uma igreja; e que fizeram desaparecer, também para todo o sempre, ruas e caminhos.



Uma das paradas de ônibus localizada nas proximidades da praça



A Sagrada Família do padroeiro São José







O monumento em homenagem ao General Abreu e Lima e a Simón Bolívar está à espera de restauro



Nesta e na foto seguinte aparece a área coberta, um privilégio destinado aos jogadores de dominó e de baralho que não zelam pela limpeza do ambiente









A maioria dos bancos da praça está danificada



Praças costumam ser para as cidades – e ainda mais em cidades onde o trânsito de veículos automotivos é infernal – espaços onde podemos de alguma forma fugir ao bulício dos centros urbanos. E esse é o papel desempenhado pela Praça São José: enquanto num lado e no outro ouve-se o barulho de buzinas, a praça figura como um ponto onde nós podemos fugir um pouco disso – não dá muito porque o perímetro dela é pequeno, de modo que a zoada provocada pelos veículos chegam de qualquer forma -; enquanto num lado e no outro por vezes os congestionamentos e os semáforos marcam o cotidiano de quem precisa passar diariamente por ali, a praça acaba sendo um recanto onde podemos encontrar alguma paz.



A turma da limpeza da Prefeitura Municipal é nota 10; frequentadores mal-educados da praça é que não aprenderam ainda a zelar e a cuidar do espaço público











Ao longo dos últimos anos eu venho frequentando a Praça São José com alguma assiduidade; e, durante esse tempo, eu venho observando que a Municipalidade vem cometendo alguns pecados no que diz respeito à manutenção desse espaço que tem o nome do santo que é também o orago da igreja matriz e o padroeiro da cidade.


A fonte que há anos não funciona e que ficou como um verdadeiro berçário para mosquitos transmissores de doenças





Não precisa ser um expert e nem um paisagista para se olhar a Praça São José e constatar que ali o projeto paisagístico não foi bem contemplado. Faz um bom tempo que os brinquedos infantis foram retirados da caixa de areia, retirada essa que provocou a debandada das tantas crianças que enchiam de alegria aquele lugar. O desrespeito aos equipamentos e mobiliários urbanos fizeram com que os bancos de ferro e madeira – que são, ao gosto de uns e outros, mudados constantemente de lugar – fossem em sua maioria depredados. Uma fonte que foi há anos desativada continua lá acumulando água de chuva, servindo de berçário para os mosquitos transmissores de doenças. Há meses puseram um tapume em volta do monumento que homenageia o general Abreu e Lima e Simón Bolívar indicando uma restauração do mesmo e até agora nada. A iluminação da praça continua precária. A Municipalidade fechou os olhos para os donos de uma lanchonete que praticamente todos os dias põem várias cadeiras e mesas ali, como se o espaço público já diminuto da praça fosse destinado a isso.


Parte do jardim constantemente pisada principalmente por pessoas que desembarcam de ônibus e não buscam a área pavimentada para atravessar a praça


Tão vergonhoso quanto o fato da depredação e do bota aqui, bota ali dos bancos, são outras duas ações que demonstram o alto grau de incivilidade que norteia parte dos frequentadores da Praça São José e de uns e outros que fazem dela somente uma passagem: pessoas desembarcam de ônibus e atravessam por cima do que deveria ser – deveria ser não, é – mais uma parte do jardim; e a turma de jogadores de dominó e de baralho – seguramente os frequentadores mais assíduos – não tem um mínimo de zelo pelo local que ocupam diariamente: o exemplar serviço de limpeza da praça é manchado principalmente pela atuação dos caras que lançam lixo no chão, emporcalhando o entorno da área coberta onde eles jogam, algo que eu observo constantemente.




A praça e a BR: as obras de duplicação da rodovia marcaram para sempre a fisionomia da área central de Abreu e Lima


Ontem, enquanto eu fazia uns registros fotográficos da Praça São José para ilustrar este artigo, um sujeito se aproximou de mim e disse que andam falando que a Prefeitura Municipal irá cercar toda a área e revitalizar aquele espaço. Oxalá, isso seja verdade. São José e o povo bem educado de Abreu e Lima que frequentava e/ou frequenta aquela praça certamente se encherão de alegria e satisfação quando isso acontecer.

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