Por Sierra
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Fotos: Arquivo do Autor Nesta imagem vemos o que talvez seja o ponto mais crítico de toda a Estrada do Forte Orange, onde buracos vêm causando o tormento dos que precisam trafegar por ela |
Foram meses e meses convivendo
com a presença inescapável de muitos buracos – alguns quase crateras – que
pontuavam aqui e ali – e em parte continuam pontuando - a rodovia estadual que quase
todo mundo conhece como Estrada do Forte Orange, na Ilha de Itamaracá, uma
ilha-cidade localizada no litoral norte pernambucano, onde eu resido há mais de
vinte anos. A situação estava/está tão crítica em alguns trechos que nós,
moradores, temíamos que, de uma hora para outra, toda a área da ilha cortada
por aquela rodovia deixaria de ser atendida pelo transporte público de
passageiros, dadas as suas péssimas condições de trafegabilidade, o que me
levou a denominá-la de Estrada do Buracorange.
Como se não bastassem os
riscos à integridade dos próprios veículos – serviços de manutenção veicular
costumam ser caros -, buracos nas estradas aumentam a possibilidade de
ocorrências de acidentes, de choques entre os veículos, ao se desvirem deles, e
de atropelamento de ciclistas e de pedestres. Isso, por si só, revela quão
grave é o resultado do descaso para com a manutenção das estradas.
Desde o ano passado os
moradores da Ilha de Itamaracá tomaram conhecimento – uma placa foi fincada no
início da estrada e outra no seu quase fim – de que a Estrada do Forte Orange
iria ser renovada. Mas o tempo foi passando, foi passando, os buracos foram uns
aparecendo e outros aumentando e nada de a obra anunciada ter início. De novo
parecia ser mais uma “pegadinha”, anúncio do tipo “engana trouxa” para nos
deixar criando expectativas enquanto iam cozinhando em banho-maria a nossa
dignidade e o nosso direito de ir e vir. Atitude essa que não é só um exemplo
de mau planejamento e de gestão da coisa pública como também um acinte e um
escárnio para com todos nós que residimos naquele lugar.
Eis que hoje, pela manhã,
quando eu me encontrava seguindo de táxi para a área mais densamente povoada da
Ilha de Itamaracá, constituída pelo bairro do Pilar e suas adjacências, eu vi
homens trabalhando para tapar os buracos da vergonha e do descaso. Não se
tratava da tal obra anunciada nas placas que eu mencionei, e, sim, uma operação
paliativa, um verdadeiro “cala a boca” e “faz de conta que está bom”.
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Hoje teve início uma operação tapa buraco na Estrada do Forte Orange, que eu apelidei de Estrada do Buracorange |
Num livro que eu comecei a
ler nesta semana, o seu autor, o geógrafo e sociólogo urbano Marcelo Lopes de
Souza destacou que “pode-se dizer que se está diante de um autêntico processo
de desenvolvimento sócio-espacial quando se constata uma melhoria da qualidade
de vida e um aumento da justiça social”, ou seja, que a “mudança social
positiva”, neste caso, “precisa contemplar não apenas relações sociais mas,
igualmente, a espacialidade” (Marcelo Lopes de Souza. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 61).
Eu trouxe o Marcelo Lopes de
Souza para este artigo de hoje como uma espécie de contraponto a um pensamento
que domina há muitos anos os críticos do descaso e da falta e/ou da
precariedade de planejamento e de gestão – esses são dois conceitos-chave do
estudo do autor citado – que vem marcando a governança municipal da Ilha de
Itamaracá ao longo das últimas décadas. Qual seja: a de que a ilha tem um
enorme potencial turístico que não é devidamente explorado. Falam isso como se
o turismo fosse a tábua de salvação para uma ilha-cidade na qual pululam
inúmeros problemas, inclusive, de pobreza social; e elegem o turismo como única
via possível para que a ilha-cidade possa finalmente dar as mãos ao
desenvolvimento. E quem diz isso não sabe ou finge não saber que, no mais das
vezes, a indústria turística promove e/ou acelera a degradação ambiental e
agrava as desigualdades sociais, expulsando e/ou empurrando para longe dos
empreendimentos quem não tem condições financeiras de desfrutar do bem-bom que
eles oferecem.
A ilha-cidade Itamaracá é em
parte uma cidade-fantasma constituída por centenas, milhares de imóveis que
pertencem aos chamados veranistas, que não residem no lugar e que a ele só vão
de vez em quando. A ilha-cidade Itamaracá é uma espacialidade onde a área
urbanizada foi e continua sendo ocupada sem que, aqui e ali, sejam respeitados
os ditames da Lei do Uso e Ocupação do Solo e outras determinações
urbanísticas, como a proibição de construção em áreas de preservação ambiental
– principalmente em áreas de mangue, como as absurdas edificações erguidas nas
proximidades da sede do Projeto Peixe-boi -, daí por que, na ausência de ação
do executivo municipal, pululam os casos de invasões de terrenos e de
construções irregulares e desordenadas. A ilha-cidade Itamaracá é um município
da Região Metropolitana do Recife que há décadas vem assistindo a um crescente
aumento dos índices de criminalidade e que, por outro lado, em termos de
desenvolvimento socioeconômico, se mostra como que paralisado, como se os seus
gestores não soubessem o que é desenvolvimento socioeconômico e ficassem
parados defronte à praia como que à espera de que algo, qualquer dia desses,
emergirá das águas ou chegará num grande navio anunciando um tempo de
bem-aventurança para o lugar.
Placa informando da execução das obras
Hoje, na Estrada do Forte
Orange, porção sul da Ilha de Itamaracá, teve início uma operação tapa buracos.
Oxalá, aportem nessa ilha-cidade outras operações visando ao menos a diminuição
dos seus tantos problemas e de suas tantas misérias
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