5 de agosto de 2023

Operação Tapa Vergonha e Descaso na Ilha de Itamaracá

Por Sierra

 

Fotos: Arquivo do Autor 
Nesta imagem vemos o que talvez seja o ponto mais crítico de toda a Estrada do Forte Orange, onde buracos vêm causando o tormento dos que precisam trafegar por ela


Foram meses e meses convivendo com a presença inescapável de muitos buracos – alguns quase crateras – que pontuavam aqui e ali – e em parte continuam pontuando - a rodovia estadual que quase todo mundo conhece como Estrada do Forte Orange, na Ilha de Itamaracá, uma ilha-cidade localizada no litoral norte pernambucano, onde eu resido há mais de vinte anos. A situação estava/está tão crítica em alguns trechos que nós, moradores, temíamos que, de uma hora para outra, toda a área da ilha cortada por aquela rodovia deixaria de ser atendida pelo transporte público de passageiros, dadas as suas péssimas condições de trafegabilidade, o que me levou a denominá-la de Estrada do Buracorange.

Como se não bastassem os riscos à integridade dos próprios veículos – serviços de manutenção veicular costumam ser caros -, buracos nas estradas aumentam a possibilidade de ocorrências de acidentes, de choques entre os veículos, ao se desvirem deles, e de atropelamento de ciclistas e de pedestres. Isso, por si só, revela quão grave é o resultado do descaso para com a manutenção das estradas.

Desde o ano passado os moradores da Ilha de Itamaracá tomaram conhecimento – uma placa foi fincada no início da estrada e outra no seu quase fim – de que a Estrada do Forte Orange iria ser renovada. Mas o tempo foi passando, foi passando, os buracos foram uns aparecendo e outros aumentando e nada de a obra anunciada ter início. De novo parecia ser mais uma “pegadinha”, anúncio do tipo “engana trouxa” para nos deixar criando expectativas enquanto iam cozinhando em banho-maria a nossa dignidade e o nosso direito de ir e vir. Atitude essa que não é só um exemplo de mau planejamento e de gestão da coisa pública como também um acinte e um escárnio para com todos nós que residimos naquele lugar.

Eis que hoje, pela manhã, quando eu me encontrava seguindo de táxi para a área mais densamente povoada da Ilha de Itamaracá, constituída pelo bairro do Pilar e suas adjacências, eu vi homens trabalhando para tapar os buracos da vergonha e do descaso. Não se tratava da tal obra anunciada nas placas que eu mencionei, e, sim, uma operação paliativa, um verdadeiro “cala a boca” e “faz de conta que está bom”.



Hoje teve início uma operação tapa buraco na Estrada do Forte Orange, que eu apelidei de Estrada do Buracorange


Num livro que eu comecei a ler nesta semana, o seu autor, o geógrafo e sociólogo urbano Marcelo Lopes de Souza destacou que “pode-se dizer que se está diante de um autêntico processo de desenvolvimento sócio-espacial quando se constata uma melhoria da qualidade de vida e um aumento da justiça social”, ou seja, que a “mudança social positiva”, neste caso, “precisa contemplar não apenas relações sociais mas, igualmente, a espacialidade” (Marcelo Lopes de Souza. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 61).

Eu trouxe o Marcelo Lopes de Souza para este artigo de hoje como uma espécie de contraponto a um pensamento que domina há muitos anos os críticos do descaso e da falta e/ou da precariedade de planejamento e de gestão – esses são dois conceitos-chave do estudo do autor citado – que vem marcando a governança municipal da Ilha de Itamaracá ao longo das últimas décadas. Qual seja: a de que a ilha tem um enorme potencial turístico que não é devidamente explorado. Falam isso como se o turismo fosse a tábua de salvação para uma ilha-cidade na qual pululam inúmeros problemas, inclusive, de pobreza social; e elegem o turismo como única via possível para que a ilha-cidade possa finalmente dar as mãos ao desenvolvimento. E quem diz isso não sabe ou finge não saber que, no mais das vezes, a indústria turística promove e/ou acelera a degradação ambiental e agrava as desigualdades sociais, expulsando e/ou empurrando para longe dos empreendimentos quem não tem condições financeiras de desfrutar do bem-bom que eles oferecem.




A ilha-cidade Itamaracá é em parte uma cidade-fantasma constituída por centenas, milhares de imóveis que pertencem aos chamados veranistas, que não residem no lugar e que a ele só vão de vez em quando. A ilha-cidade Itamaracá é uma espacialidade onde a área urbanizada foi e continua sendo ocupada sem que, aqui e ali, sejam respeitados os ditames da Lei do Uso e Ocupação do Solo e outras determinações urbanísticas, como a proibição de construção em áreas de preservação ambiental – principalmente em áreas de mangue, como as absurdas edificações erguidas nas proximidades da sede do Projeto Peixe-boi -, daí por que, na ausência de ação do executivo municipal, pululam os casos de invasões de terrenos e de construções irregulares e desordenadas. A ilha-cidade Itamaracá é um município da Região Metropolitana do Recife que há décadas vem assistindo a um crescente aumento dos índices de criminalidade e que, por outro lado, em termos de desenvolvimento socioeconômico, se mostra como que paralisado, como se os seus gestores não soubessem o que é desenvolvimento socioeconômico e ficassem parados defronte à praia como que à espera de que algo, qualquer dia desses, emergirá das águas ou chegará num grande navio anunciando um tempo de bem-aventurança para o lugar.


Placa informando da execução das obras


Hoje, na Estrada do Forte Orange, porção sul da Ilha de Itamaracá, teve início uma operação tapa buracos. Oxalá, aportem nessa ilha-cidade outras operações visando ao menos a diminuição dos seus tantos problemas e de suas tantas misérias

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