Por Sierra
|
Fotos: Arquivo do Autor A meu ver a presença de Ariano Suassuna na cultura brasileira, em geral, e na cultura nordestina, em particular, atesta a força do seu veio criador e criativo e, por conseguinte, a ressonância do seu valor na esteira do tempo |
Quem diz Ariano Suassuna diz de um intelectual que, como poucos, assumiu um firme, um muito firme compromisso com a gente da sua terra; com os valores; com as vivências; com as paisagens; com os personagens; com as cores; com as irreverências; com os cheiros; com os sabores; com as estórias; com os causos; com a sabedoria do povo; com a língua errada e também com a língua certa do povo, como disse o poeta Manuel Bandeira; com os animais dos recantos nordestinos; com, enfim, a rusticidade exuberante da terra com que ele, como um muito bom artista da palavra que era, teceu letra por letra e sílaba por sílaba, um vasto painel que é ele mesmo tão revelador de uma capacidade ímpar de, nessa tecitura, unir fios da cultura dita popular com fios daquilo que se tomou como cultura erudita.
|
Escultura da onça Caetana |
|
Vocês acham que eu iria perder uma exposição dessa? Nem que a a onça Caetana e o Monstro da Vai-e-volta correrem atrás de mim |
O popular e o erudito estiveram a todo tempo ditando a ênfase telúrica na obra do paraibano pernambucanizado Ariano Suassuna; união e/ou simbiose essa que certamente é o aspecto fundamental e mais fascinante de toda a sua produção tanto individual como coletiva; e, quando eu digo coletiva, eu em refiro à iniciativa do autor de O auto da Compadecida de criar o até hoje lembrado e celebrado Movimento Armorial, que emergiu na capital pernambucana na década de 1970 e que aglutinou artistas da literatura, da música, do teatro, da dança e das artes plásticas; movimento esse que está sendo festejado numa bonita exposição em salas do Museu do Estado, localizado no bairro das Graças, na Zona Norte do Recife.
|
Vestes do caboclo de lança do maracatu rural |
Na sexta-feira da semana passada, eu larguei do trabalho e segui para prestigiar a exposição movido por uma vontade muito grande de me juntar a todos aqueles que celebram o legado de Ariano Suassuna porque de alguma forma se reconhecem nele.
|
Vários cordéis escritos em homenagem ao cabreiro tresmalhado Ariano Suassuna |
|
A exposição dedicou todo um espaço ao magnífico Gilvan Samico |
Chegando ao Museu do Estado eu fui direto para os espaços ocupados pela exposição "Movimento Armorial 50 anos"; e, como quem estava querendo muito ficar ali, eu fui olhando cada coisa exposta sem me preocupar com o tempo. Fui mergulhando naquele universo idealizado pelo cabreiro tresmalhado sentindo uma alegria e uma animação indescritíveis. Tudo ali enchia os meus olhos. Tudo me dizia coisas de dias distantes e de dias recentes. Tudo evocava a presença marcante de Ariano Suassuna. E tudo revelava quão potente foi a influência dos seus conceitos sobre a arte no processo criativo de artistas do quilate de um Gilvan Samico e de um Francisco Brennand, por exemplo, que estão ali como expressão deles mesmos e também como testemunhos de adesão a uma ideia e a uma proposta de defesa e exaltação da arte naquilo que talvez seja a sua principal razão de existir, que é a sua tomada como expressão não somente de revelação do que vai dentro de cada espírito criador e criativo, mas também como compromisso e fidelidade a um destino que se firma de mãos dadas com a defesa da compreensão e da dimensão do social que o fazer artístico pode proporcionar.
|
Figurinos desenhados por Francisco Brennand |
|
Tive o privilégio de assistir a uma aula-espetáculo de Ariano: o paraibano era um artista de múltiplos talentos, entre os quais o de fazer rir |
Atravessar as dependências do Museu do Estado ocupadas com o germe do Movimento Armorial proporciona ao visitante da muito colorida e chamativa exposição um contato e um conhecimento com obras reveladoras de como uma expressão artística pode descambar para outra e essa outra para mais outra e assim compor uma imensa colcha de retalhos onde cada retalho conta a sua própria história e revela o seu próprio valor. Vemos ali a xilogravura impressionante de Gilvan Samico - estão expostas também algumas pinturas desse artista, uma faceta dele que eu não conhecia -, desenhos de figurinos de autoria de Francisco Brennand; e obras de Zélia Suassuna, esposa de Ariano, do seu filho Manuel Dantas Suassuna, de mestre J. Borges e de outros artistas. Além de vídeos, peças e vestes de folguedos populares como maracatus e cavalo marinho que eram tão do gosto do autor de O santo e a porca. Tudo ali reunido e compondo um grande painel revelador da transcendência dos valores culturais que ele cultivava e de sua tomada da arte como instrumento de ação social no sentido de enriquecimento cultural da sociedade e, portanto, longe do conceito de arte pela arte. E ter visto grupos de estudantes prestigiando a exposição atentos às explicações dos monitores do museu me encheu de entusiasmo porque eu acredito piamente na força transformadora da arte na vida de todos e de cada um de nós.
|
Entusiasta dos museus e de seu papel como difusor de conhecimento, eu fico muito contente quando me deparo com grupos de estudantes prestigiando exposições |
|
Quadro que elenca as obras de autoria de Ariano Suassuna |
A meu ver a presença de Ariano Suassuna na cultura brasileira, em geral, e na cultura nordestina, em particular, atesta a força do seu veio criador e criativo e, por conseguinte, a ressonância do seu valor na esteira do tempo.
|
Quem disse que eu queria sair de lá? |
Nenhum comentário:
Postar um comentário