25 de novembro de 2023

Ariano Suassuna, o cabreiro tresmalhado na transcendência do tempo

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
A meu ver a presença de Ariano Suassuna na cultura brasileira, em geral, e na cultura nordestina, em particular, atesta a força do seu veio criador e criativo e, por conseguinte, a ressonância do seu valor na esteira do tempo


Quem diz Ariano Suassuna diz de um intelectual que, como poucos, assumiu um firme, um muito firme compromisso com a gente da sua terra; com os valores; com as vivências; com as paisagens;  com os personagens; com as cores; com as irreverências; com os cheiros; com os sabores; com as estórias; com os causos; com a sabedoria do povo; com a língua errada e também com a língua certa do povo, como disse o poeta Manuel Bandeira; com os animais dos recantos nordestinos; com, enfim, a rusticidade exuberante da terra com que ele, como um muito bom artista da palavra que era, teceu letra por letra e sílaba por sílaba, um vasto painel que é ele mesmo tão revelador de uma capacidade ímpar de, nessa tecitura, unir fios da cultura dita popular com fios daquilo que se tomou como cultura erudita.


Escultura da onça Caetana



Vocês acham que eu iria perder uma exposição dessa? Nem que a a onça Caetana e o Monstro da Vai-e-volta correrem atrás de mim



O popular e o erudito estiveram a todo tempo ditando a ênfase telúrica na obra do paraibano pernambucanizado Ariano Suassuna; união e/ou simbiose essa que certamente é o aspecto fundamental e mais fascinante de toda a sua produção tanto individual como coletiva; e, quando eu digo coletiva, eu em refiro à iniciativa do autor de O auto da Compadecida de criar o até hoje lembrado e celebrado Movimento Armorial, que emergiu na capital pernambucana na década de 1970 e que aglutinou artistas da literatura, da música, do teatro, da dança e das artes plásticas; movimento esse que está sendo festejado numa bonita exposição em salas do Museu do Estado, localizado no bairro das Graças, na Zona Norte do Recife.


Vestes do caboclo de lança do maracatu rural











Na sexta-feira da semana passada, eu larguei do trabalho e segui para prestigiar a exposição movido por uma vontade muito grande de me juntar a todos aqueles que celebram o legado de Ariano Suassuna porque de alguma forma se reconhecem nele.




Vários cordéis escritos em homenagem ao cabreiro tresmalhado Ariano Suassuna






A exposição dedicou todo um espaço ao magnífico Gilvan Samico






Chegando ao Museu do Estado eu fui direto para os espaços ocupados pela exposição "Movimento Armorial 50 anos"; e, como quem estava querendo muito ficar ali, eu fui olhando cada coisa exposta sem me preocupar com o tempo. Fui mergulhando naquele universo idealizado pelo cabreiro tresmalhado sentindo uma alegria e uma animação indescritíveis. Tudo ali enchia os meus olhos. Tudo me dizia coisas de dias distantes e de dias recentes. Tudo evocava a presença marcante de Ariano Suassuna. E tudo revelava quão potente foi a influência dos seus conceitos sobre a arte no processo criativo de artistas do quilate de um Gilvan Samico e de um Francisco Brennand, por exemplo, que estão ali como expressão deles mesmos e também como testemunhos de adesão a uma ideia e a uma proposta de defesa e exaltação da arte naquilo que talvez seja a sua principal razão de existir, que é a sua tomada como expressão não somente de revelação do que vai dentro de cada espírito criador e criativo, mas também como compromisso e fidelidade a um destino que se firma de mãos dadas com a defesa da compreensão e da dimensão do social que o fazer artístico pode proporcionar.





Figurinos desenhados por Francisco Brennand



Tive o privilégio de assistir a uma aula-espetáculo de Ariano: o paraibano era um artista de múltiplos talentos, entre os quais o de fazer rir







Atravessar as dependências do Museu do Estado ocupadas com o germe do Movimento Armorial proporciona ao visitante da muito colorida e chamativa exposição um contato e um conhecimento com obras reveladoras de como uma expressão artística pode descambar para outra e essa outra para mais outra e assim compor uma imensa colcha de retalhos onde cada retalho conta a sua própria história e revela o seu próprio valor. Vemos ali a xilogravura impressionante de Gilvan Samico - estão expostas também algumas pinturas desse artista, uma faceta dele que eu não conhecia -, desenhos de figurinos de autoria de Francisco Brennand; e obras de Zélia Suassuna, esposa de Ariano, do seu filho Manuel Dantas Suassuna, de mestre J. Borges e de outros artistas. Além de vídeos, peças e vestes de folguedos populares como maracatus e cavalo marinho que eram tão do gosto do autor de O santo e a porca. Tudo ali reunido e compondo um grande painel revelador da transcendência dos valores culturais que ele cultivava e de sua tomada da arte como instrumento de ação social no sentido de enriquecimento cultural da sociedade e, portanto, longe do conceito de arte pela arte. E ter visto grupos de estudantes prestigiando a exposição atentos às explicações dos monitores do museu me encheu de entusiasmo porque eu acredito piamente na força transformadora da arte na vida de todos e de cada um de nós.



Entusiasta dos museus e de seu papel como difusor de conhecimento, eu fico muito contente quando me deparo com grupos de estudantes prestigiando exposições















Quadro que elenca as obras de autoria de Ariano Suassuna





A meu ver a presença de Ariano Suassuna na cultura brasileira, em geral, e na cultura nordestina, em particular, atesta a força do seu veio criador e criativo e, por conseguinte, a ressonância do seu valor na esteira do tempo.


Quem disse que eu queria sair de lá? 


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