18 de novembro de 2023

Leonardo Dantas Silva: defensor da cultura e amante das artes

 Por Sierra



Foto: Divulgação
No último dia 11 de novembro o Recife, o estado de Pernambuco e o Brasil perderam um dos seus cidadãos mais ilustrados. Leonardo Dantas Silva, que escreveu a apresentação de um livro do meu amigo Cristiano Galvão que será lançado em breve, é de uma estirpe de intelectuais para a qual o compromisso com a defesa, a preservação, a difusão e a exaltação da cultura e das artes e a instrução do povo é tomado como uma verdadeira profissão de fé



Não é raro que, ao mergulharmos no universo intelectual de um dado lugar, nós nos deparemos com a atuação de alguns indivíduos que envidam grandes esforços para que a vida cultural da sociedade em que eles vivem não perca o fôlego e permaneça sempre em ponto de fervura, porque é assim que deve ser mantido o ritmo da cena intelectual, para que esse aquecimento provoque o movimento do pensar, do criar, do discutir, do propor, do reavaliar, do discordar e do avançar propicie não apenas a efervescência dos nomes atuantes desde há muito como também o surgimento de outros personagens.

 É essa a ideia que eu tenho de uma cena cultural viva e pulsante. E é nesse conceito que eu encaixo a figura muito dinâmica e atuante do jornalista, pesquisador e historiador Leonardo Dantas Silva, que faleceu no último dia 11 de novembro, deixando um vazio enorme na paisagem cultural pernambucana.


Quem porventura se aventurar por pesquisas sobre o passado histórico do Recife e de Pernambuco inevitavelmente irá se deparar com trabalhos de autoria de Leonardo Dantas Silva e com tantos outros que ele prefaciou e/ou apresentou em seu esforço incansável e admirável para tirar do esquecimento e repor em circulação obras de referência que se encontravam desde há muito fora de catálogos e figurando tão somente em bibliotecas especializadas e em sebos a preço de ouro. Esse empenho e essa força de vontade para trazer autores de obras importantes para os dias atuais, que eu considero como um dos maiores feitos entre tantos que marcaram o seu longo tempo de atuação, Leonardo Dantas Silva realizou principalmente quando trabalhou na Fundação de Cultura Cidade do Recife, na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco e na Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco: Manuel dos Santos, Francisco Augusto Pereira da Costa, Sebastião de Vasconcellos Galvão e Mário Sette foram alguns dos muitos autores que tiveram obras reeditadas por ele.

O meu primeiro contato com a atuação de Leonardo Dantas Silva remonta a pesquisas que eu fiz em edições das décadas de 1960 e 1970 de importantes jornais recifenses. Para mim foram motivos ao mesmo tempo de espanto e de admiração que um jornalista estivesse atuando contra o establisment - e isso em plena Ditadura Militar - no rumoroso litígio envolvendo a preservação da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios, no bairro de São José, área central do Recife, por conta da conclusão de uma polêmica obra viária. Posicionando-se contra o desaparecimento do templo católico do século XVIII, Leonardo Dantas Silva não se portava apenas contrário aos posicionamentos do prefeito Augusto Lucena, mas também em sentido oposto ao que defendiam, por exemplo, o renomado sociólogo Gilberto Freyre e o historiador Flávio Guerra. A igreja, como todos nós sabemos, desapareceu para sempre da paisagem física da cidade, mas permanece até hoje conservada em sua memória urbana.

Foi o Caso Martírios que me levou a ter um contato pessoal com Leonardo Dantas Silva, o primeiro e, infelizmente, único, porque eu sei que ele tinha muito o que me ensinar e esclarecer nas minhas pesquisas históricas. Abordei-o certa feita na saudosa Livraria Cultura do Paço Alfândega, no Recife; e trocamos figurinhas. Acredito que o Caso Martírios foi um dos impulsionadores para que Leonardo Dantas Silva, sob a influência do mestre mais que admirado que é José Antônio Gonsalves de Mello, se dedicasse a pesquisas e se especializasse mais detidamente nos estudos sobre o frevo e no passado do Recife Holandês o que, muitos anos depois, o levaria ao Instituto Ricardo Brennand, a magnífica instituição cultural recifense que abriga em seu vasto acervo vários quadros de autoria de Frans Post, um dos pintores que acompanharam Maurício de Nassau.

No ano de 2021, quando das comemorações do centenário de nascimento do meu querido amigo Edson Nery da Fonseca, Leonardo Dantas Silva fez, em um vídeo produzido pela Fundação Joaquim Nabuco, um comentário inverídico contra o autor de Vão-se os dias e eu fico e um dos maiores conhecedores da obra de Gilberto Freyre, que me chateou bastante, porque eu convivi com Edson e sei que aquilo não é verdade. Não se acerta sempre, eis uma das lições da vida.

No último dia 11 de novembro o Recife, o estado de Pernambuco e o Brasil perderam um dos seus cidadãos mais ilustrados. Leonardo Dantas Silva, que escreveu a apresentação de um livro do meu amigo Cristiano Galvão que será lançado em breve, é de uma estirpe de intelectuais para a qual o compromisso com a defesa, a preservação, a difusão e a exaltação da cultura e das artes e a instrução do povo é tomado como uma verdadeira profissão de fé.

Adeus, Leonardo Dantas Silva! E obrigado pelo seu legado para a preservação da História pernambucana.

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