23 de dezembro de 2023

Quando o pedestre é a prioridade: o caso da Av. Duque de Caxias, em Abreu e Lima (PE)

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Antes tarde do que nunca: obras às margens da Av. Duque de Caxias no trecho defronte ao Banco do Brasil. Por anos a fio o pedestre desprezado por sucessivas administrações municipais que pareciam compreender que a construção e a conservação de calçadas é um dos elementos essenciais para a boa locomoção dos pedestres


Uma das coisas que mais chamam a minha atenção, quando eu caminho pelas cidades, é a qualidade de suas calçadas e o cuidado e/ou a falta dele para com elas; se as calçadas são acompanhadas ou negligenciadas pela Municipalidade; e se os pedestres e os deslocamentos que eles fazem percorrendo o traçado urbano estão na pauta de prioridades da Prefeitura Municipal. 

No geral, pelo menos em cidades que eu já conheci, os pedestres, os caminhantes costumam ser colocados em segundo plano, porque, comumente, o tráfego de veículos é que é priorizado, como se todos os habitantes das cidades nunca andassem por elas e só fizessem uso de algum tipo de veículo sobre rodas. 









Existem vários tipos de calçadas: calçadas excludentes, que fazem de tudo para atrapalhar e dificultar o deslocamento de cadeirantes e de outras pessoas que têm dificuldade de locomoção; calçadas que, na verdade, não são calçadas e sim espaços entre as ruas e os imóveis, porque não foram pavimentadas; calçadas corrida de obstáculos, que são ocupadas por toda sorte de placas, postes, fiteiros, mesas, cadeiras e o que mais seja, contando com a conivência da Municipalidade; calçadas-estacionamentos que, também sob as vistas da Prefeitura Municipal, servem mais para carros, motos e caminhões; calçadas-shopping populares, que obrigam o pedestre a disputar espaço com os automóveis nas ruas; e calçadas privadas, cujos proprietários dos imóveis fazem o que podem para espantar os pedestres, erguendo barreiras como muretas e/ou colocando correntes, por exemplo.

Afora essas calçadas citadas existem também aquelas que nós poderíamos  denominar de calçadas inclusivas, que são aquelas que são bem cuidadas e benquistas por todos os pedestres e, em particular, por aqueles que são portadores de dificuldade de locomoção, como os cadeirantes e os deficientes visuais, porque essas calçadas, além de serem livres de obstáculos, possuem rampas de acesso e, por vezes, elementos diferentes em parte do piso que servem de guia para os deficientes visuais.








Este ponto é um dos mais críticos de toda a extensão da Av. Duque de Caxias: do lado de lá da via existe um bueiro cujo entorno muitas vezes está danificado; e ele fica junto a um poste de semáforo. Para piorar a situação comerciantes das redondezas colocam lixo no local num completo desrespeito ao bem cuidar da cidade


Num grande clássico do planejamento urbano, que é o livro Morte e vida de grandes cidades, a norte-americana Jane Jacobs disse que as calçadas por si só não são nada; e que elas só têm significado junto com os edifícios e os outros usos limítrofes a ela ou a calçadas próximas. Em sua avaliação "As calçadas, os usos que as limitam e seus usuários são protagonistas ativos do drama urbano da civilização versus a barbárie" e que "Manter a segurança urbana é uma função fundamental das ruas das cidades e suas calçadas" (Jane Jacobs. Morte e vida de grandes cidades. Trad. Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000,p. 30. O primeiro comentário que não está aspeado aparece na p. 29).

Durante anos a fio o principal corredor comercial da área central de Abreu e Lima, cidade da Região Metropolitana do Recife, foi marcado por um quase total e completo desprezo de sucessivas administrações municipais no que diz respeito às condições e à qualidade das calçadas. E, diga-se de passagem, que o tal corredor comercial - nele estão instalados uma infinidade de estabelecimentos comerciais e administrativos, escolas, uma igreja e agências bancárias -, que tem o nome de Av. Duque de Caxias, é nada mais, nada menos do que um trecho da BR 101, por onde circulam diariamente milhares de veículos.

Frequentador assíduo desse cenário urbano abreulimense, eu passava e passo por trechos absurdamente críticos -  como o cruzamento com a Rua Nossa Senhora Aparecida e a praça de táxis localizada no lado direito da Igreja Matriz de São José; o espaço defronte às lojas Cattan e Júnior Magazine; e o longo trecho do lado direito (sentido Igaraçu) que começa na Caixa Econômica Federal e vai até a esquina com a Rua Jerônimo Gueiros - e me perguntava: "Será que ninguém da Prefeitura Municipal observa isso que eu observo? Será que a Municipalidade ainda não se deu conta do quão degradadas estão as calçadas da Av. Duque de Caxias e o quão elas estão dificultando o caminhar dos pedestres, em geral, e dos portadores de deficiência, em particular?". E entrava ano e saía ano e a situação só piorava, reafirmando uma verdade inescapável: o centro de Abreu e Lima é um espaço inteiramente submisso à BR 101, ou seja, ao tráfego de veículos automotivos.


Outro trecho em obras, agora defronte ao Supermercado Todo Dia: o nivelamento do terreno foi um dos grandes ganhos dessa intervenção



Este trecho, defronte às lojas Cattan e Júnior Magazine, era terrível: calçadas bem cuidadas não são ornamentação de uma cidade; elas são uma necessidade






O mesmo trecho em dois momentos da intervenção, defronte à Igreja Matriz de Sã José





Felizmente o penar dos pedestres que circulam pela Av. Duque de Caxias vem diminuindo de uns meses para cá. Encontra-se em andamento uma obra de reestruturação, reconstrução  e em alguns trechos de construção mesmo, porque neles calçadas nunca existiram. Já não era sem tempo. E, pelo que eu tenho visto, além do nivelamento, estão sendo implantadas, aqui e ali, rampas destinadas a facilitar a circulação de cadeirantes, algo extremamente necessário e muito bem-vindo, porque, por mais óbvio que isso possa parecer, a humanização das calçadas, digamos assim, não é uma prática comum dos gestores de nossas cidades. E eu sugiro à Municipalidade abreulimense que aproveite o momento para disciplinar e/ou alterar o uso que há anos vem sendo dado ao trecho da Rua Nossa Senhora Aparecida que é voltado para a Av. Duque de Caxias, porque os gelos baianos que foram colocados lá, antes da obra, não impediam, e, agora, a calçada em parte elevada que foi feita, não impede a passagem de motociclistas por ali, o que é um perigo para os pedestres. Outros pontos a destacar que merecem uma intervenção da Municipalidade são as entradas das ruas Jerônimo Gueiros, onde mototaxistas se aglomeram, e Manoel Caldas de Araújo, onde quando não se instalam vendedores, carros e motos estacionam: em ambas as esquinas a passagem de pedestres fica prejudicada. Ah, sim, é preciso lembrar à Prefeitura Municipal de Abreu e Lima que a cidade não se resume apenas à Av. Duque de Caxias e à Av. Brasil, que constitui as outras faixas da BR 101.


Trecho da Rua Nossa Senhora Aparecida: já flagrei várias vezes motoqueiros saindo daí para pegar a Av. Duque de Caxias sem bem atentar para o trânsito de pedestres na calçada



Igreja Matriz de São José



Antes de partir para o parágrafo final deste artigo de hoje eu quero citar uma passagem de outro clássico do planejamento urbano que é A imagem da cidade, do também norte-americano Kevin Lynch: "Uma cidade é uma organização mutável e polivalente, um espaço com muitas funções, erguido por muitas mãos num período de tempo relativamente rápido. A especialização completa e o entrelaçamento definitivo são improváveis e indesejáveis. A forma deve ser de algum modo descompromissada e adaptável aos objetos e às percepções de seus cidadãos" (Kevin Lynch. A imagem da cidade. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. 101).












Aqui e ali foram colocados suportes como esse que facilitam o deslocamento de cadeirantes


Que as calçadas sejam definitivamente tomadas como elementos essenciais no panorama de nossas cidades que, infelizmente, são quase que totalmente submissas à trafegabilidade de veículos automotivos. Acredito que nenhuma cidade é realmente acolhedora e humanamente viável se ele não trata bem e nem respeita os seus pedestres.

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