30 de dezembro de 2023

Virando mais uma página

 Por Sierra


Foto: Internet
De minha parte eu não estou interessado somente em viver. Eu quero viver olhando firme para o horizonte confiando em tudo aquilo que brilha intensamente em mim, principalmente quando eu atravesso escuridões.


Numa de suas canções mais emblemáticas, que é "Cajuína", mestre Caetano Veloso logo de cara lançou aos seus ouvintes esta indagação filosofal: "Existirmos a que será que se destina?". Ao longo da minha existência eu fiz um esforço para não me ver preso a indagações desse tipo e nem me deixar perturbar por aquilo que uns e outros tomam como fundamento e/ou justificação de estarem vivos, como fazem os adeptos do Cristianismo e de outras crenças no sobrenatural.

Eu não creio no sobrenatural; e isso em parte talvez explique o fato de eu não conferir à minha vida um propósito espiritual de obediência a normas e conceitos retirados de ditos livros sagrados e de cartilhas elaboradas por alguns que se tomam como escolhidos por deuses.

Hoje é a antevéspera de mais um fim de ano. E, nessa contabilidade inevitável da sucessividade dos dias que nos persegue de modo implacável, porque são inúmeras as coisas presas à ditadura da passagem do tempo - hora de ir trabalhar; boletos e mensalidades disso e daquilo para pagar em datas diferentes; os aniversários de fulano, beltrano e sicrano; os cabelos brancos e as rugas dando o ar de suas graças; etc. -, é um exercício tolo e vão tentar enganar e/ou fazer de conta que nós não somos reféns completamente submissos ao transcurso do tempo, "que não para e no entanto nunca envelhece", como também disse o filósofo de Santo Amaro da Purificação em "Força estranha".

Neste ano que caminha para o seu final, nada de extraordinário e/ou de inesperado e/ou de muito ruim ocorreu comigo. As lidas do meu cotidiano foram indo, foram indo num vagar repleto de acontecimentos com as mesmas faces, necessidades, desarranjos e consertos.

Ri. Chorei. Decepcionei-me. Vislumbrei futuros não muito distantes. Acertei nalguns pontos. Fracassei algumas vezes. Relutei e não reatei laços. Mantive-me distante de todos aqueles que desprezaram o meu bem-querer. Abracei muito quem me quis bem. Conservei de modo sereno e obstinado o tamanho da minha liberdade. Recusei propostas de supremas felicidades. Neguei-me a reconsiderar desconsiderações. Estendi a mão a quem me pediu auxílio. Continuei acreditando em tudo aquilo que até agora me manteve de pé mirando o horizonte. Preservei a fidelidade ao livre pensar. E não  abri mão do que continua me dando satisfação e prazer.

Há dias em que eu me pego colocando a minha vida numa balança. Não gosto quando isso acontece. Não gosto de me sentir triste, porque eu não sou de fazer escolha pelo sofrimento. E pôr a vida em uma balança significa que você está insatisfeito com ela ou com grande parte dela. Nesses instantes eu faço um esforço para afastar logo de mim esses pensamentos corrosivos me dizendo uma verdade muitíssimo óbvia: nós não temos controle sobre todas as coisas que acontecem em nossas vidas. Muito pelo contrário.

Este foi mais um ano em que eu atravessei inúmeros caminhos sem encontrar alguém que poderia caminhar ao meu lado. Será que isso continuará acontecendo comigo? Será que as trilhas que eu venho percorrendo não são os melhores caminhos para esses encontros? Não sei. Sinceramente eu não sei. O que é claro e certo é que eu estou às vésperas de completar 50 anos de idade e isso de alguma maneira retira de mim mais possibilidades de firmar uma parceria de caminhada numa sociedade que abomina a velhice. E eu estou quase inteiramente aceitando a ideia de que eu não seja do tipo que precise de ter alguém com quem caminhar.

Por ocasião das férias do meu trabalho, no mês de outubro, eu saí em uma viagem que, não fosse a pandemia da covid-19, eu teria feito lá em 2020. Conheci alguns lugares do estado de Goiás. Tomei banhos em rios. Conversei com pessoas interessantes. Aprendi uma série de coisas. Vi cenários dos quais, eu acredito, nunca mais esquecerei. E fui feliz por ali enquanto eu ia alimentando dentro de mim a permanência de querer atravessar outros caminhos.

Eu tenho pensado em sair desta casa onde eu moro. Eu estou sentindo uma necessidade enorme de sair daqui como talvez eu nunca tenha sentido de modo tão premente. E eu vou me empenhar para que isso aconteça o quanto antes.

Neste momento em que eu estou escrevendo já é noite; e de casas vizinhas me chegam como que ensaios para a noite festiva de amanhã. De minha parte eu não estou interessado somente em viver. Eu quero viver olhando firme para o horizonte confiando em tudo aquilo que brilha intensamente em mim, principalmente quando eu atravesso escuridões.

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