Por Sierra
Tão certo como a sucessão dos dias e das noites é o grande movimento de pessoas que em todos os verões se deslocam para os principais balneários do país; movimento esse que costuma duplicar, triplicar e, às vezes, até quadruplicar a população do lugar; e essa costumeiramente chamada de "população flutuante", porque não é moradora fixa e apenas sazonal, provoca toda sorte de transtornos no cotidiano das localidades onde temporariamente ela se instala.
E quais são esses transtornos? Do congestionamento do tráfego de veículos passando pela problemática do abastecimento de água e pelas quedas no fornecimento de energia elétrica até a quantidade muito maior de lixo que se acumula aqui e ali e que sobrecarrega o serviço de coleta mantido pelas Prefeituras Municipais. E quem mais costuma sofrer com esses problemas são os moradores dessas cidades, porque passam mais dias sem ver água nas torneiras, convivem com apagões mais frequentes por causa da alta demanda e têm de conviver com o intervalo mais longo para que o lixo seja recolhido. E quando eu digo que quem mais sofre com esses infortúnios são os moradores é porque o visitante tem a opção de cair fora dali, caso a situação chegue a um ponto crítico, e os moradores não.
Muito embora esteja há pelo menos duas décadas sofrendo de forma contundente com os efeitos de uma realidade de abandono no que diz respeito ao empenho do Governo do Estado em promovê-la turisticamente e com a inépcia de sucessivas administrações municipais que, ao que parece, só trataram de fazer da Prefeitura cabide de emprego para apoiadores e financiadores de campanhas eleitorais, a Ilha de Itamaracá, a ilha-cidade da Região Metropolitana do Recife permanece sendo, apesar do fechamento de hotéis e pousadas, da infraestrutura precária e da supressão de vários eventos culturais e náuticos que nela ocorriam, um balneário muito procurado por indivíduos de baixa renda e da classe média baixa.
E essa procura tem um custo elevado para a ilha-cidade. Vê-se a proliferação de loteamentos de terrenos e o erguimento de construções de imóveis comerciais e residenciais que parecem não ser fiscalizados pela Municipalidade. E crescem a olhos vistos as invasões de áreas ao longo das rodovias, favelizando a ilha-cidade que segue como se fosse uma terra de ninguém.
A rodovia conhecida como Estrada do Forte é, a meu ver, um resumo do muito de ruim que marca o conceito de urbanização que vem há muitos anos imperando na ilha-cidade. O morador dessa localidade depara-se com um quadro deprimente e lamentável todas as vezes que percorre o caminho; e o visitante atento certamente tem a mesma visão da degradação e do desleixo que pontuam a estrada em ambos os lados dela. São invasões de terrenos com construções dos mais variados tipos; desrespeito ao distanciamento que deve haver entre a rodovia e a construção do edifício - o caso mais absurdo dessa situação é o de uma moradia que tem um puxadinho que vai até a beira do asfalto; e o proprietário, achando pouco, ainda coloca cones lá -; lixo depositado em várias esquinas; partes da estrada esburacadas; e um descaso quase que total às regras urbanísticas da Prefeitura Municipal, se é que elas realmente existem - outro exemplo do "eu posso tudo" imperante por ali: um sujeito tapou, a seu bel-prazer, a tubulação de um bueiro, com certeza pensando que ninguém da Municipalidade apareceria para importuná-lo e dizer que o que ele fez não poderia ter sido feito; e ficou por isso mesmo.
A impressão que me dá, eu que moro há mais de vinte anos na Ilha de Itamaracá, é de que a ilha-cidade é inimiga ferrenha do progresso e da civilidade. Só sendo. Só sendo assim para explicar por que obras municipais se encontram paradas, como as que se veem no bairro Rio Âmbar - uma escola e uma creche -; a Municipalidade permite a ocupação desordenada do espaço público; não se veem projetos visando ao melhoramento e ao engrandecimento do lugar; e as coisas, em geral, seguem como que num descompasso com o urbanismo que se propõe a melhorar as condições da cidade e, por conseguinte, a vida dos seus moradores, porque uma cidade é essencialmente constituída e formada para bem abrigar os que residem nela.
Muitos anos atrás eu escrevi algo que quero repetir agora porque a mim me parece que, transcorrido tanto tempo, é uma sentença que continua sendo muitíssimo válida, principalmente quando se leva em conta e se compreende e se constata que muitos indivíduos ingressam na esfera pública da gestão municipal não para melhorar as condições estruturais e socioeconômicas da ilha-cidade e sim para melhorar as suas próprias vidas: Itamaracá é uma ilha da qual vem sendo subtraídos todos os seus tesouros.
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