11 de janeiro de 2024

Cinquentinha, não! Cinquentão!

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
 Viver, como bem disse o poeta maranhense Gonçalves Dias, é lutar; e indiscutivelmente é uma luta diária contra uma série de coisas, pessoas e situações  -  e até mesmo contra nossos próprios pensamentos ruins, que, às vezes, podem ser autodestrutivos - que eventualmente parecem tudo querer fazer para abreviar a nossa existência. Eu estou muito pleno na vida na medida que me é possível estar. E isso para mim é o que me leva a querer me manter apegado a ela; e isso é o que verdadeira e decididamente me basta. Vou repetir um clichê do rei Roberto Carlos: se chorei ou se sorri, o importante foi que emoções eu vivi ao longo destes meus 50 anos de idade


Não sei bem como começar a escrever esta narrativa em alusão e em comemoração aos 50 anos de idade que eu completei exatamente hoje, dia 11 de janeiro. Por onde começar, minha gente? Vamos lá, que isso tem de sair.

Nascido em 11 de janeiro de 1974 na pequena cidade de Abreu e Lima - a bem da verdade, na época, a localidade ainda fazia parte de Paulista, só tendo conseguido a emancipação em 1982 -, na Região Metropolitana do Recife, no Hospital e Maternidade São José, que não existe mais, Clênio Sierra de Alcântara, que se apresenta e que prefere ser chamado apenas de Sierra, é filho de Cleonice de Alcântara, mãe solteira que sofreu o diabo para conseguir criar o filho num tempo em que amparo social não existia e se abominavam as mães sem maridos. Ele nunca viu a figura do pai nem se quer por fotografia e nem teve a menor curiosidade que fosse por esse lado de sua história; e espera que em momento algum apareçam por aí uns e outros dizendo que conhece o sujeito e tal. Não, ele não quer ter esse desprazer. Dentro do que foi possível e como foi possível, Sierra atravessou uma infância difícil, concluiu os estudos, ingressou numa faculdade e conseguiu um emprego. Jamais se casou nem teve filhos - pelo menos não conheceu até agora nenhum -; e acredita que sua vida de solteiro e o estar livre tem muitíssimo a ver com vivências do seu passado distante, mas também com a sua bissexualidade, com a sua individualidade e com tudo o que o viver lhe ensinou e o que ele ensinou a si mesmo definindo rumos e fazendo escolhas. Com uma força de vontade pétrea e um sentimento de autopreservação operando em nível elevado, Sierra não bebe, não fuma e nem sequer  experimentou dessas drogas que dizem que abrem as portas da percepção e que deixam as pessoas num barato total. Cultivando de modo obstinado uma vida interior, Sierra, que é ateu desde sempre e que não se surpreendeu e nem sofreu por causa disso, adora ler, escrever, ver filmes, ouvir músicas, viajar e admirar o mar. Sierra diz que olha para trás e vê uma porção de pessoas, mulheres em sua maioria - na verdade, só três homens marcaram pessoal e profundamente bem o seu caminhar: Seu Déda, segundo esposo de sua avó; o padrinho Aleixo Miranda; e o professor Edson Nery da Fonseca -, que de alguma maneira contribuíram para a sua caminhada e sobrevivência, ensinando-lhe sobre as coisas do mundo, coisas que lhe fizeram chegar até aqui, estendo-lhe a mão, abrigando, conversando, enfim, apontando caminhos ou então apoiando as escolhas dos caminhos que ele fez: a mãe Cleonice; a avó Maria da Conceição; Dona Zezé; a madrinha Maria Lúcia; as professoras Ester Guedes, Maria da Penha, Livonete de Araújo Alves, Suely Garcia e Maria Zoraide; Dona Isabel; Lia de Itamaracá; Bem e Dona Carminha. Sierra diz ainda que detesta coitadismo e que não é de dourar a pílula a respeito do que quer que seja de sua vida.

Está bem, eu vou parar de escrever na terceira pessoa e passar para a primeira, porque eu também prefiro que seja assim.

Não é propriamente um espanto chegar aos 50 anos de idade, uma vez que existem ao redor do mundo pessoas já centenárias; mas, indiscutivelmente, é um feito e tanto, porque, como eu costumo dizer, são muitas as coisas contrárias à vida - doenças, acidentes, infortúnios, pessoas ruins, etc. -, de modo que ela é muito frágil; e sobreviver é mesmo uma grande, uma imensa aventura cujo desenrolar pode por diversas vezes sair totalmente do script que nós ousamos escrever.

Cheguei aos 50 anos de idade frustrado sim, com alguns planos e projetos que eu ainda não consegui tirar da cabeça e do papel; e, por isso, desejo e espero conseguir viver mais alguns anos para que eles se corporifiquem. Mas essa frustração não é algo que me entristece. Não, de maneira alguma. Ela, na verdade, está aí para me motivar a superá-la, só isso.

Não sou do tipo que olha para trás e ver por onde passou para chegar aonde chegou, que se dá conta que sobreviveu a uma miríade de desafios e de tormentos e que diz assim de si para si: "Eu começaria tudo outra vez". Nem a pau eu começaria tudo outra vez. Eu sou é do tipo que quer superar tudo o que não presta e tomar o passado como lição, como uma lição imorredoura que está sempre ali para nos ensinar algo.

Vejo por aí uns e outros louvando a velhice como se isso fosse a melhor coisa do mundo. Não é, claro que não é, principalmente numa sociedade que é inimiga ferrenha da velhice e devota e amante incondicional da juventude e de tudo que é novo. Envelhecer é uma inevitabilidade. E eu tenho procurado envelhecer sem noias nem paranoias para não me entristecer e nem ficar para baixo, como eu fiquei tempos atrás durante uma crise de meia idade que eu, felizmente, consegui atravessar logo. Eu tenho plena consciência de que já não possuo a pele viçosa dos meus vinte anos e que não sou mais atraente como em um tempo eu fui. A relação com o nosso corpo vai se modificando com o passar dos anos; nós vamos nos dando conta de que o que antes fazíamos com a maior facilidade e desenvoltura não conseguimos mais fazer do mesmo jeito. E, da mesma forma que muda o convívio pessoal com o nosso corpo, também muda o modo como ele é visto e notado pelos outros - ah, gente, ter ouvido, semanas atrás uma criatura de vinte e dois anos dizer que eu, nessa idade, era e sou o sonho de consumo dela me encheu dessa vaidade boa danada que às vezes nós sentimos. Não é todo dia que se escuta uma coisa dessas sem precisar oferecer nada em troca e nem pagar sequer um centavo por isso. E eu aproveitei para realizar o sonho da criatura, claro, porque o negócio é bom e eu gosto.

Nossa, 50 anos de idade! Olho para a minha figura no espelho e vejo claramente o que o transcurso do tempo causou em mim. Mudei por fora mais do que eu mudei por dentro. Por dentro eu continuo um sujeito chato, individualista, chato, cheio de vontades, rancoroso e impaciente. E sei que eu sou capaz de praticar atos admiráveis de generosidade, bem como ações as mais mesquinhas. Ah, mas eu também aprendi a ser libertário e a dar à minha vida um senso de responsabilidade e de compromisso fiel a tudo aquilo em que eu acredito.

Não lamento, não quero lamentar nada que eu vi, senti, provoquei, experimentei, desejei, recusei, esqueci, causei e abandonei no caminho, no longo caminho que eu percorri para atingir o marco destes 50 anos de idade.

Vocês querem saber se eu sou feliz? Ah, e isso é lá pergunta que se faça a alguém que é livre e que segue confiante na estrada da vida? Gente, a felicidade não é vital como o é o oxigênio, por exemplo, do qual precisamos permanentemente; a felicidade são os bônus que, aqui e ali, vez por outra, nós alcançamos nos estágios do jogo desafiador e repleto de obstáculos e aventuras que é a vida; e jogo é jogo; e jogo, como vocês bem sabem, nem sempre se ganha. Hoje, felizmente, eu ganhei.

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