9 de dezembro de 2023

Desprezo pelos livros


 Por Sierra


Imagem: Internet
Quando não existiam - e/ou não estavam tão massificadas como atualmente estão - as chamadas redes sociais como FacebookInstagram e X, os brasileiros já alegavam o "não tenho tempo para ler" como justificativa para se manter longe dos livros; e agora que uns e outros passam horas dos seus dias presos a essas redes, aí é que os livros não terão presença em suas vidas mesmo


Quatro meses atrás, conversando com um sujeito bem colocado num emprego público, ele me disse que nunca, ao longo dos seus trinta e pouco anos de vida, leu um livro sequer. "Nem nas aulas de literatura eu li. Sabe o que eu fazia? Eu só lia os resumos das obras que os professores indicavam para as provas", ele completou. E assim ele ingressou numa faculdade e disputou uma concorrida vaga num concurso público e se estabeleceu na vida.

O caso é um espanto? Para mim não o foi de maneira alguma, porque eu conheço e convivo com inúmeros indivíduos  que se não são inimigos ferozes dos livros a ponto de querer reunir um monte deles e queimá-los em praça pública, mantêm uma profunda indiferença para com eles, o que acaba sendo quase o mesmo.

Há cerca de dez anos um outro meu conhecido me disse que nunca lera um livro em toda a sua vida; e da mesma forma que aquele, ele ingressou num cargo público via concurso. Cheguei a dar a ele um livro de presente para  ver se conseguia despertar nele um mínimo de interesse pela leitura de livros. Não consegui. Sempre que, de tempos em tempos, nos reencontrávamos, ele, sem qualquer constrangimento, me dizia que ainda não começara a ler o tal livro que, vejam só vocês que ironia, era uma obra de autoria de um dos maiores leitores e bibliotecários que este país já teve, o meu saudoso amigo Edson Nery da Fonseca.

A trajetória do livro neste país possui capítulos muito vergonhosos. Quem já leu um bom manual de História do Brasil certamente tomou conhecimento do tanto que Portugal fez para que nada fosse impresso nesta então sua colônia extrativista; determinação que atravessou séculos e que, eu não duvido, contribuiu consideravelmente para a multidão de analfabetos que até hoje esta nação abriga, e, também, para o desprezo e o descaso que tantos de nós mantêm para com os livros.

Nesta semana foi divulgado que mais uma vez estudantes brasileiros tiveram desempenho muito ruim em provas do Programa Internacional de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), um estudo comparativo realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Infelizmente não é de hoje que, com o perdão do jogo de palavras, os estudantes brasileiros vêm levando pisa do Pisa. E todas as vezes que são divulgados os resultados desse fracasso escolar, autoridades públicas da área de Educação alardeiam que algo precisa ser feito  para mudar essa realidade e tal. O fato é que nada muda; e, se muda, é  para que tudo permaneça exatamente como está, em Matemática, Ciências e Leitura, os três segmentos da avaliação do Pisa.

Dois dias após a divulgação dos resultados do Pisa, a Nielsen BookData divulgou o que foi apurado pela pesquisa "Panorama do Consumo de Livros", encomendada pela Câmara Brasileira do Livro CBL), que entrevistou 16 mil pessoas com 18 anos ou mais de idade. Segundo a pesquisa, apenas 16% da população brasileira é consumidora de livros. E o que os entrevistados alegaram como justificativas para não adquirirem livros? As alegações foram as mesmas de quase sempre: ausência de livrarias físicas nas proximidades de onde moram; falta de tempo para ler; preço do livros; não ter lugar em casa para guardá-los. A pesquisa deixou claro, por outro lado, que não ter adquirido livro nos últimos meses não significa dizer que todos os entrevistados não leram, pois alguns deles disseram que não compraram livros físicos porque acessaram e-books e PDF's gratuitos, pegaram livros emprestados com amigos e ganharam livros de presente.

Quando não existiam - e/ou não estavam tão massificadas como atualmente estão - as chamadas redes sociais como Facebook, Instagram e X, os brasileiros já alegavam o "não tenho tempo para ler" como justificativa para se manter longe dos livros; e agora que uns e outros passam horas dos seus dias presos a essas redes, aí é que os livros não terão presença em suas vidas mesmo.

Assim que eu vi os resultados do Pisa e a divulgação da pesquisa da Nielsen BookData eu me recordei de imediato daqueles dois indivíduos que me disseram nunca terem lido um livro na vida, mesmo tendo condições financeiras para comprá-los e tempo para lê-los. E tomei-os como retratos fiéis do Brasil que não lê livros, como se isso, como se esse descaso e esse desinteresse em relação aos livros fosse um atavismo, sabe? É como se nessas pessoas persistisse a mais do que secular proibição mantida por Portugal para que nada fosse impresso neste país de milhões de analfabetos completos e de analfabetos funcionais. Os casos dos dois indivíduos que mesmo sem nunca terem lido um livro conseguiram um bom emprego público prova também como a indústria dos cursinhos preparatórios, com suas dinâmicas de estudos de questões de concursos anteriores, consegue ser eficiente em condicionar as pessoas não para aprender de forma abrangente sobre determinado assunto, mas tão somente o que for estritamente necessário para passar numa determinada prova levando em conta, inclusive e principalmente, o histórico de tal e tal banca examinadora.

Antes de terminar este melancólico texto que quase ninguém lerá, eu quero dizer que os que não têm simpatia e nem interesse pelos livros não sabem o quanto de bom, de maravilhoso, de instigante, de prazeroso e de excitante eles estão perdendo.

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