27 de abril de 2024

À procura de uma morada

 Por Sierra



Fotos: Arquivo do Autor
Aspecto da Rua João Lopes de Albuquerque: para cada rua calçada e  que não enfrenta inundação na época das chuvas, a Ilha de Itamaracá possui nove de chão de terra batida e/ou pavimentadas que são transformadas em rios em tempos chuvosos. Somado a isso, a urbanização caótica deu margem a uma arquitetura que pende à favelização em muitos logradouros


Neste ano, em dois dias de chuvas intensas, a casa onde eu moro, que pertence à minha mãe, uma casa muito simples, foi invadida pelas águas. Não foi a primeira vez que isso aconteceu; e, certamente, não foi a última.

Como centenas, milhares de outras casas construídas aqui na Ilha de Itamaracá, a da minha mãe foi erguida sobre uma área alagadiça sem preparo adequado do terreno e ainda por cima espremendo um córrego. Ou seja, não poderia mesmo dar certo; e as inundações iriam acontecer em algum momento.


Aspectos da Rua Pau-ferro: sem pavimentação e coberta por lama e detritos arrastados pela chuva


Quem já passou pelo pesadelo de ter a casa invadida pela água da chuva sabe que isso é um verdadeiro pesadelo: a sujeita toda; o sentimento de impotência e de derrota; as coisas que ficam perdidas... É uma verdadeira tragédia pessoal.

Em vista de tais ocorrências eu tratei de procurar casa para me mudar a fim de dar um basta nessa situação ruim. Busquei anúncios em sites especializados. Fui ver os imóveis in loco. Telefonei e troquei mensagens com os proprietários e/ou com seus representantes. Andei, andei que só a má notícia e até agora nada.


Dois flagrantes da Rua Jenipapo: embora seja pavimentada com paralelepípedos, esta via sofre em todos os períodos de chuva com o acúmulo de água; água essa que invade casas e que destrói o que encontra pela frente


Aqui o transbordamento revela que a passagem da água pelas manilhas foi bloqueada. A casa da foto seguinte fica nesse terreno do canal






Não é tarefa das mais fáceis e confortáveis procurar outra morada, porque trocar de moradia requer muito mais do que a escolha do imóvel propriamente dito: você também tem de avaliar onde ele está localizado. Além disso, tem o fato das vivências e das raízes que você fincou no lugar onde morou durante alguns anos. Não é simples se desprender dessas memórias.

Em mais de uma ocasião eu fui tomado pela decepção no que diz respeito aos imóveis. Anúncios da internet me passaram uma projeção que não correspondia à realidade quando eu fui visitar as casas. Sem falar que tais anúncios por vezes não costumam nos dar uma ideia mínima que seja do entorno do imóvel, de modo que, quando você chega lá, se depara com cenários lamentáveis. e desencantadores. A casa ficava próxima à um córrego e o terreno estava alagado. Ou a um lixão. A rua, sem asfalto, estava com esgoto correndo a céu aberto e com poças que mais pareciam lagoas. As paredes do imóvel eram conjugadas com as de outro - e eu tenho verdadeiro horror a imóveis assim. As dimensões  da casa e do terreno pareciam menores do que você vira no anúncio atraente. O imóvel, na verdade, era parte de um condomínio e condomínios costumam ser um inferno, ainda mais em balneários, como é o caso desta ilha onde eu moro, para onde vem, para onde costumam vir uns espécimes mal-educados que não respeitam absolutamente ninguém da vizinhança e colocam aparelhos de som ligados nas alturas pela noite adentro e que jogam lixo na sua porta. E ainda tem os preços fora da realidade local cobrados pelos proprietários dos imóveis; preços esses que levam ou podem levar você a pensar que a pessoa realmente não tem noção alguma do contexto em que suas propriedades estão inseridas.



Rua Dr. Valter Jatobá: aqui e ali o aspecto de abandono dá a tônica nos logradouros da  Ilha de Itamaracá


Como bem avaliou Dona Zeza, mãe do meu amigo Adriano Ribeiro - ele está, inclusive, me auxiliando nessa difícil tarefa -, escolher uma casa para comprar exige de nós muita cautela e paciência para que não façamos escolhas que, ao fim e ao cabo, não nos trarão satisfação e sim aborrecimentos e frustrações, porque uma casa não é como um objeto que você compra numa loja, se arrepende e vai lá e troca. Não é assim. Por isso, eu tenho tido cuidado para não me apressar e nem meter os pés pelas mãos.




Rua Jacarandá: sem pavimentação, o logradouro é cenário de buracos abertos pela força das enxurradas




Rua Ipê-amarelo: não existe sequer um ipê-amarelo neste lugar; o que se vê nele é um canal que está em processo de erosão. Foi o represamento deste canal que causou, semanas atrás, uma grande inundação em parte das ruas Jenipapo e Pau-ferro, inundação essa que atingiu várias casas, inclusive, a  da minha mãe. O muro, à esquerda na foto, cercou um terreno onde o córrego deveria correr naturalmente. Tragédias naturais  geralmente não são apenas naturais: elas contam com uma contribuição humana. Sem fiscalização da Municipalidade, muitos fazem o que querem na Ilha de Itamaracá em termos de ocupação do solo


A exemplo do que fiz noutros dias, hoje, ao sair da academia, eu percorri várias ruas desta Ilha de Itamaracá à procura de casas com placas de "vende-se" que não aparecem nos anúncios dos sites OLX E Zap Imóveis. Andei, andei, andei... E parei aqui e ali para contemplar os cenários. Nossa, como são feias e descuidadas as ruas deste lugar. E como são deprimentes e feias muitas  das moradias que foram erguidas por aqui. Tem coisa que você vê e só acredita que aquele troço existe porque está diante dele. É uma arquitetura medonha a predominante na ilha. Você percorre grandes extensões de ruas e avenidas e para onde olha se depara com imóveis mal construídos e projetados formando um quadro com seu quê de favelas, porque muito do que foi erguido em matéria de moradias e de estabelecimentos comerciais na Ilha de Itamaracá pendeu para uma favelização do lugar. Daí por que você se depara com centenas e centenas de imóveis construídos à beira do mar, de rios e córregos e com invasões descaradas de mangues e de mata nativa sem que a Municipalidade e o Ministério Público façam absolutamente nada para coibir isso.

A esta altura você leitor deve estar se perguntando por que que, pintando um quadro como esse, onde predomina o desencanto, eu ainda queira continuar ou pense em continuar morando neste lugar. Eu sei exatamente por quê. É que é muito forte em mim o apego à presença do mar. Aqui o mar se encarrega da tarefa de se sobrepor a todos os males urbanísticos que há tempos tomam a Ilha de Itamaracá e suas ruas repletas de sujeiras, buracos, águas empoçadas, invasões e desencantos.


PS - Um conselho: nunca e em hipótese alguma adquira um imóvel na Ilha de Itamaracá durante o verão, porque, quando o inverno chegar, você poderá ter surpresas desagradáveis.


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