4 de maio de 2024

A propósito de prédios muito altos e de sistemas de segurança predial

Por Sierra



Foto: Eduardo Fialho
Chamas tomando o topo do Edifício Botanik, no bairro da Torre, no Recife, no último dia 28 de março


Existem várias linhas de abordagem na história das cidades; podemos estudar, por exemplo, a cidade como um organismo político, econômico e social; e também podemos nos lançar na perspectiva de uma história do cenário físico da cidade acompanhando as transformações que o traçado urbano e as edificações que o ocupam sofreram no decorrer dos anos.

Muito embora a chamada "verticalização" das cidades não seja algo novo pelo menos em países desenvolvidos - os primeiros arranha-céus de Chicago, com 20-30 andares surgiram ainda no século XIX, enquanto os edifícios ainda mais altos de Nova York apareceram nas primeiras décadas do século XX, como nos mostrou Leonardo Benevolo em seu História da cidade -, o assunto tem sido abordado de maneira recorrente nos últimos anos no Brasil, principalmente porque vem surgindo e sendo anunciados projetos de grandes imobiliárias em áreas de interesse histórico, de preservação ambiental ou que estejam sendo ocupadas por famílias de baixa renda, a exemplo das construções no Cais José Estelita, no bairro de São José, e os vários prédios que foram erguidos no bairro de Santo Amaro, ambos no Recife.

Nos últimos anos a verticalização ganhou destaque em âmbito nacional por causa da série de edificações erguidas em Balneário Camboriú (SC), que estão entre as mais altas do país; realidade essa que o bairro Altiplano, em João Pessoa (PB), também está vivenciando.

A verticalização de nossas cidades é um fato e uma tendência que, ao que tudo indica, seguirá em ritmo acelerado e fazendo um grande contraste, ou melhor dizendo, acentuando os contrastes sociais de uma sociedade historicamente marcada por uma elevadíssima desigualdade socioeconômica.

O objetivo do artigo de hoje não é discutir a verticalização em termos de reordenamento e de reocupação dos espaços urbanos e nem tampouco pôr em debate desníveis socioeconômicos. Eu quis, digo, eu quero tratar aqui de segurança predial no que diz respeito especificamente a ações de prevenção e de combate a incêndios.

Na noite da quinta-feira 28 de março deste ano circularam, em redes sociais e em sites de notícias, imagens apavorantes que mostravam o alto de um prédio em construção em chamas, no bairro da Torre, no Recife. As imagens faziam lembrar uma grande tocha acesa na escuridão. E eu fiquei pensando no caos que teria sido se se tratasse de uma edificação que já estivesse ocupada por moradores.

Foi observando as chamas que tomavam o alto do Edifício Botanik, um prédio de 28 andares e 84 metros de altura, que eu me peguei indagando: "Como combater incêndios em edificações tão elevadas? Será que os órgãos responsáveis pelas licenças e autorizações para que prédios desse porte sejam erguidos avaliam tal problemática e têm conhecimento da capacidade operacional dos Corpos Bombeiros que atuam nas cidades onde tais prédios serão levantados?".

Não é preciso ser um técnico em segurança predial e nem um bombeiro para saber que um sistema de segurança de qualquer edificação não se resume à instalação de extintores, portas corta-fogo e sprinklers e à sinalização de portas de saídas de emergência e rotas de evacuação e fuga.  O complexo segurança predial -  o denominemos assim - também deve abranger componentes externos que existem independentemente do próprio prédio, como: a existência ou não de hidrantes na rua da edificação ou próximo a ela; o pleno funcionamento e/ou regularidade com a que a companhia de abastecimento libera o fornecimento de água; e, claro, a existência e a capacidade de operacionalidade de um efetivo de combate a incêndios, seja ele civil ou militar, atentando não só para o número de combatentes em si, mas também para o que tais efetivos têm à sua disposição em termos de viaturas e equipamentos necessários para atuação em tal tipo de sinistro.

Historicamente o quesito urbanização não foi e em verdade continua não sendo o forte deste país, como demonstram os cenários citadinos tomados por ocupações desordenadas - favelizar, no Brasil, é um verbo que não se conjuga apenas nas favelas - e a precariedade e/ou a ausência de saneamento básico em todas as regiões do país. Dito isso, algo me faz pensar que também no que diz respeito à complexidade do sistema de segurança predial, algo que impacta não somente um prédio sinistrado em si, bem como boa parte do seu entorno, não prima pela excelência. Muito pelo contrário. E eu digo isso não por achismo e sim pelo acompanhamento, através dos veículos de comunicação, de casos em que, por exemplo, os bombeiros não puderam atuar rápido e eficientemente porque não havia água em hidrantes ou porque a escada do tipo Magirus não era de longuíssimo alcance. Querem outro exemplo: agora mesmo o Ministério Público da Paraíba está na luta para que construtoras que desobedeceram à lei que determina o gabarito de prédios na orla de João Pessoa, ponham abaixo a metragem construída que ultrapassou o limite legal.

É uma grande ingenuidade pensar que projetos de segurança predial sejam rigorosamente implantados nas edificações. Quando desastres envolvendo prédios acontecem - desabamentos, incêndios, etc. - não é raro que tomemos conhecimento, através da imprensa, que a construção não tinha sequer o "Habite-se", que é um documento emitido pelas autoridades municipais ou órgãos competentes que atesta que a obra de construção do imóvel foi concluída e a sua adequação às normas e regulamentações vigentes. Também não é difícil nos depararmos com estabelecimentos que não disponham de alvarás de funcionamento, como vimos no recente caso do incêndio que atingiu a Pousada Garoa, em Porto Alegre (RS), no último dia 26 de abril, que causou a morte de dez pessoas e que deixou outras quinze feridas - a pousada não tinha alvará e nem o Plano de Proteção e Combate a Incêndios (PPCI) válidos. E se isso não diz tudo, diz muito do emaranhado de irregularidades que a falta de fiscalização e outras ingerências provocam no amplo campo da segurança predial, o que leva muitos a dizerem - sejam proprietários de edificações que estão longe de atender completamente às normas de segurança, sejam os profissionais que têm de mostrar um pronto atendimento quando ocorrem os sinistros -: "Tomara que não aconteça nada de ruim naquele prédio".

Naquela quinta-feira de março uma providencial e benfazeja chuva caiu sobre a capital pernambucana, ajudando os valentes soldados do fogo do Corpo de Bombeiros de Pernambuco, que não precisaram atuar para controlar e combater as chamas que tomavam o topo do Edifício Botanik. E assim mais um sinistro foi vencido numa edificação de grande altura, sinistro esse que, segundo as primeiras avaliações, foi possivelmente causado por um curto-circuito.

Antes de encerrar e só para lembrar o óbvio ululante, não é todo dia que uma chuvinha cai para ajudar a combater um incêndio no topo de um edifício.

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