25 de maio de 2024

Aqui você não é bem-vindo

 Por Sierra



Foto: David Mareuil/Anadolu/Getty Images
Barreira erguida defronte a uma loja de conveniência na cidade japonesa de Fujikawaguchiko para tentar afugentar os caçadores de selfies com vista do belíssimo Monte Fuji


Um dos efeitos benéficos, por assim dizer, da pandemia de covid-19 para as cidades que atraem muitos turistas foi o gozo da paz e dos sossego que elas desfrutaram ao longo de vários meses. O esvaziamento dessas cidades proporcionou ao poder público e aos moradores perceber quão passou a ser bom andar tranquilamente sem esbarrar em multidões que costumam lotar esses lugares.

O mundo é assim. Não adianta reclamar. O mundo é diverso e desigual. E absurdo. Enquanto umas e outras cidades estão por aí se movimentando para fomentar a economia local através do turismo, criando atrações para o público visitante - valem até aqueles letreiros bregas e horrorosos que dizem "eu amo tal lugar" -, outras estão seguindo no sentido justamente contrário: estão recorrendo a vários expedientes na tentativa de frear, diminuir e até mesmo fazer com que o viajante em potencial não apareça por lá, não dê as caras e mesmo retire a tal cidade da lista de desejos "lugares que eu devo conhecer antes de morrer".

E por que essa tomada de atitude? Por que essa correção de rumo? Por que várias cidades passaram a desestimular a presença de turistas e visitantes? Por que resolveram atuar com esse movimento inverso ao habitual? Enfim, por que tais cidades começaram a enxergar os turistas como um mal que se deve de todo modo evitar?

As respostas para todas essas indagações não são difíceis de serem encontradas. O fato incontestável para esses centros urbanos muito badalados é que as autoridades locais e principalmente os seus moradores chegaram à conclusão de que o grande fluxo de turistas num determinado lugar provoca e causa danos que a receita que esses viajantes proporcionam à economia local não cobrem. Eles puseram as coisas na balança e avaliaram que, na verdade, melhor seria que esse pessoal não encontrasse a tal cidade no mapa e nunca e jamais aparecesse por lá.

Não se trata de xenofobia - embora aqui e ali isso entre também no caldeirão de descontentamentos e insatisfações dos moradores - e nem de um comportamento puramente antissocial. O que está sendo posto na balança para ser avaliado é se vale realmente a pena perder e sacrificar o bem viver da população local com o fito de transformar a cidade numa espécie de parque de diversões, porque, em alguma medida, os impactos negativos são muito visíveis, são muito perceptíveis de modo imediato. O aumento do tráfego de veículos é um deles; e ele por si só tem feito com que alguns centros urbanos - e isso vem sendo tratado há vários anos - tenham buscado restringir sua circulação em determinados espaços das urbs.

Mas ainda tem o impacto ambiental provocado pelo aumento considerável do consumo de água e de energia elétrica e pela produção de grande volume de lixo. E tem mais. Grandes fluxos de turistas e visitantes por vezes provocam alterações na dinâmica da vida animal que existe nos lugares procurados. E não são poucas as reclamações de moradores que veem práticas como uma banal e cotidiana ida à padaria, que fica próxima às suas casas, ser transformada num verdadeiro martírio, porque a tal padaria virou um point muito frequentado desde que um fulaninho que é influencer fez um vídeo ali dizendo que em nenhum outro lugar comera uma torta de morango tão gostosa.

Eis outro fato inescapável desta nossa vida mediada pelos celulares e pelas redes sociais que eles abrigam: vários lugares do mundo estão sendo buscados tão somente porque tais e tais influencers postaram isso e aquilo da localidade e a partir de então e só por isso seus seguidores passaram a vê-la como uma meta a ser alcançada, porque nada mais cobiçado e desejável atualmente do que conseguir fazer uma selfie, fotografar e/ou filmar, num cenário que seja tido como instagramável para postar e ganhar, quem sabe, milhares, milhões de visualizações e comentários exaltados.

Na última terça-feira, dia 21, autoridades municipais da cidade japonesa de Fujikawaguchiko tomaram uma medida drástica com o propósito, imagine vocês, de impedir, de tentar impedir a concentração de pessoas no espaço defronte de uma loja de conveniência chamada Lawson, de onde se tem uma vista maravilhosa do belíssimo Monte Fuji. E o que fizeram as autoridades para afugentar os indesejados visitantes e o seus celulares que parece que nunca dormem? Mandaram instalar uma barreira de malha de ferro com 20 metros de comprimento e 2,5 metros de altura ali. Um vídeo no qual aparece uma funcionária da loja tentando afastar os indesejados visitantes fazedores de selfies dá bem uma dimensão da inconveniência que eles se tornaram.

Cidades europeias como Veneza e  Barcelona, por exemplo, estão também elas repensando as estratégias para lidar com o turismo em massa e, por conseguinte, com a série de estragos e/ou incômodos que ele acarreta. Sendo assim, leitor, antes de programar a sua próxima viagem certifique-se  se no local escolhido não irá você se deparar com uma placa dizendo: "Aqui você não é bem-vindo".

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