2 de junho de 2018

Caminhoneiros, bolsonaristas, terroristas do WhatsApp e Rede Globo: verdades convenientes, omissões e oportunismo

Por Clênio Sierra de Alcântara


Nenhum homem nesta terra é repúblico,
nem zela ou trata do bem comum,
senão cada um do bem particular.
  
                                            Frei Vicente do Salvador, em História do Brasil, 1627






Durante o movimento de protesto de caminhoneiros que por muito pouco não provocou a completa paralisação deste país, eu e certamente milhares e talvez milhões de outros brasileiros fomos bombardeados diariamente por áudios, textos e vídeos que circulavam  pelo WhatsApp espalhando as verdades que convinham aos seus emissores. Bolsonaristas e quejandos pregavam o tempo todo uma intervenção militar no comando da nação tomando como pretexto a greve dos motoristas de caminhões, como se os caminhoneiros não tivessem exercendo uma paralisação legítima e por que não dizer necessária para eles e por extensão para todos nós que de alguma maneira movimentamos as engrenagens da economia; e como se os nobres militares detivessem um poder supremo capaz de dar conta de tudo e de todos, esquecendo esses pregadores de realidades perfeitas – e realidades perfeitas, como se sabe, existem uma para cada pessoa, conforme sua ideologia, crença e tudo o mais – que o trato das conveniências de cada um de nós não necessariamente atende os anseios de todos e/ou da maioria da sociedade. E afora essas almas sebosas apareceu outro tipo de oportunista: aquele que se aproveitava da insegurança imperante e do receio do completo desabastecimento para jogar nas alturas o preço de itens como gás de cozinha.


Entre as dezenas de vídeos e áudios que eu recebi um deles tratava de demonizar por completo a Rede Globo exibindo inúmeros protestos ocorridos sabe-se lá quando, nos quais os manifestantes xingavam até com palavrões a emissora e os seus funcionários. Teríamos de ser completamente ingênuos e não dispor de uma mínima capacidade de senso crítico e de discernimento para não pesar e acreditar cegamente em certas realidades que nos são reveladas e, dessa forma, não termos um norte para nossas vidas.

Não é de hoje que a rede de televisão da família Marinho é acusada de ser a responsável por parte do atraso sociocultural dos brasileiros e de o tempo todo manipular os telespectadores e agir conforme suas conveniências, interesses e adesões políticas. É claro, é óbvio, é muito provável que grande parte, quiçá, a maioria das pessoas que aparece achincalhando a Rede Globo no famoso vídeo que circula no WhatsApp esteja ali não para defender a imparcialidade dos meios de comunicação – eu não conheço nem um sequer que seja imparcial -, a moralidade, os bons costumes, a honestidade e coisas do gênero, e, sim, defendendo ideologias retrógradas e autoritárias nas quais acredita, políticos ladrões dos quais recebe algum tipo de gratificação e mesmo os traficantes que fazem chegar a eles maconha, cocaína e otras buenas cositas que são, por assim dizer, os estimulantes de certos protestos. A ética, a moralidade e a honestidade dessa gente certamente é tão gigantesca quanto a cabeça de um alfinete. Também me parece claro que o cidadão comum, aquele que não lê livros nem jornais e sites de notícias e se informa pelo Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal da Band, SBT Notícias e congêneres e pelo que lhe chega via WhatsApp, faz pouco ou nenhum questionamento a respeito do que lhe é informado e propagandeado; e põe sua bunda gorda no sofá para ouvir as baboseiras ditas por Faustão e acompanhar as tramas das novelas, como o cunhado de um amigo meu que se diz evangélico fervoroso e não perde um só capítulo da novela das nove.

A falta de imparcialidade é tão flagrante nos meios de comunicação que, no caso particular da cobertura do movimento dos caminhoneiros, não se viu – eu pelo menos não vi – reportagens das redes de televisão – e não só as exibidas pela Rede Globo – que mostrassem também a vida dura dos caminhoneiros e todas as dificuldades que eles enfrentam na lida diária; o que era mostrado se punha basicamente contra a greve, de modo que o telespectador ficasse indignado e sem apoiar os motoristas de caminhão – o próprio fato de as pessoas irem aos postos atrás de combustíveis era por si só a mais flagrante demonstração de que o movimento não estava sendo apoiado pela população; era como se a reivindicação dos caminhoneiros não lhes dissesse respeito. Não se mostrava, por exemplo, os longos percursos que muitos caminhoneiros percorrem diuturnamente, por vezes durante semanas, para levar e trazer produtos e matérias-primas em estradas e rodovias estaduais e federais sem conservação e até sem asfalto; em vez disso, mostrava-se a diminuição de ônibus nos terminais e o sufoco de passageiros querendo embarcar. Não se revelava valores de fretes para determinados itinerários e quanto, no final das contas, ficava com os motoristas, depois dos gastos com óleo diesel e pedágios; em vez disso, informavam que postos de saúde, clínicas e hospitais estavam com seus atendimentos entrando em colapso por falta de medicamentos e insumos que deixaram de ser entregues. Não se esclarecia a população de que, todos os dias, motoristas – e o estado do Rio de Janeiro é, até onde se sabe, o lugar onde isso mais acontece – têm seus veículos e cargas roubados sem que o poder público consiga agir eficazmente para tentar coibir essas ações criminosas; em vez disso, os repórteres se punham a exibir centrais de abastecimento às moscas e gôndolas de supermercados esvaziando. Não se dizia ao povo que o custo de manutenção de um caminhão é altíssimo – pneus, por exemplo, precisam ser trocados com menos de um ano de uso, dadas as distâncias enormes que são percorridas e as estradas péssimas que eles atravessam -; em vez disso, o enfoque eram o descarte de milhares de litros de leite e a mortandade de frangos nas granjas, por falta de ração. Enfim, a ordem do discurso era essa. A toada das reportagens era um interminável déjà vu com entradas ao vivo em tudo quanto era canto revelando quão danosa estava sendo para a população o movimento capitaneado por motoristas de caminhão. E, repito, a realidade era assim mostrada não só pela Rede Globo, e, sim, por todos os canais de televisão aos quais eu assistia, numa bem direcionada – e mal-intencionada – cobertura jornalística cuja apuração dos fatos tomava de antemão um partido e uma posição: ser contra o movimento dos caminhoneiros. E ponto.

Por que as redes de televisão – e, repito, não só a Rede Globo – não aproveitaram a paralisação dos motoristas para esclarecer didaticamente a população como pesam os tributos do Governo em tudo o que consumimos? E, principalmente, por que a cambada de políticos que vive no bem bom às nossas custas não pôs a cara na janela e se manifestou sobre o que estava acontecendo – as exceções foram os governadores, claro, porque eles já estavam/estão lidando com perdas e mais perdas de arrecadação de impostos -?  Ora, por que, porque essa gente não quer se comprometer para valer com os trabalhadores e só se preocupa em como ludibriar o cidadão e se lançar em qualquer maracutaia e negócio escuso que lhe renda uma quantia significativa a ser depositada em contas no exterior. Minha gente veja o que o Governo fez agora para conceder um desconto de R$ 0,45 no preço do litro do óleo diesel: reonerou certos setores da economia e cortou verbas para projetos sociais. Em outubro do ano passado, para aumentar o Fundo Partidário, que passou para quase um bilhão e oitocentos milhões de reais, emendas parlamentares – um montante beirando quatrocentos e setenta e três milhões de reais – deixaram de ser destinadas à saúde e à educação.

É esse o Brasil que esses cupins, esses cânceres que trajam termos e tailleurs querem para o futuro: um Brasil preso ao passado e ao atraso sem fim. Mas não nos iludamos ao pensar que são apenas os políticos que se esforçam para que este país permaneça na lesma lerda: milhares de funcionários públicos com salários astronômicos ficam dia a dia reivindicando mais e mais benefícios. Por R$ 0,45 foram cortados verbas para projetos sociais. Por que não se cortou auxílio moradia de juízes e quetais? Por que não se mexeu no Fundo Partidário? Por que não se cortaram salários que em muito extrapolam o teto constitucional e pensões vitalícias que mais se parecem coisas do tempo das Capitanias Hereditárias? Ora por que, porque essa coisa de “justiça social” não é com essas pessoas. Essa gente está cagando e andando para as injustiças sociais porque o que lhes importa mesmo é ter garantidos a mansão no condomínio de luxo, o foro privilegiado, a escola bilíngue dos filhos e as viagens a Paris. Para eles continua valendo o pensamento do filósofo Justo Veríssimo: “Eu quero que pobre se exploda!”. É esse o retrato acabado, cagado e cuspido do Brasil que sempre esteve aí, um país no qual advogados têm o desplante de esbanjar em revistas, em redes sociais e onde mais puderem a vida nababesca que passaram a ter defendendo ladrões do dinheiro do povo. Somos uns desgraçados mesmo. E nossa alienação, nossa pequenez moral, nossa inferioridade cívica e intelectual explica por que indivíduos como Renan Calheiros e Romero Jucá e outros tantos de igual espécie se mantêm por anos a fio na ativa democraticamente eleitos e aprontando das suas.

É ano de eleições gerais e estamos mergulhados num mar de incerteza como, aliás, sempre estivemos. Que legitimidade tem um Congresso Nacional, uma assembleia legislativa, uma câmara de vereadores onde diariamente – diariamente é um exagero, porque suas excelências trabalham pouco, vocês sabem – se tramam as mais sórdidas negociatas, as mais nefastas transações de locupletação enquanto hospitais públicos se arruínam cada dia mais, escolas continuam disponibilizando ensino de qualidade inferior e pessoas são assassinadas aos magotes vitimadas por ações de foras da lei? Que moral e legitimidade tem um presidente da República para dirigir os rumos de uma nação se esse mesmo presidente é, também ele, um sujeito acusado de tramar com malfeitores para rapinar os cofres públicos? O que esperar e como confiar em um Supremo Tribunal Federal cujos integrantes mudam seus votos sobre assuntos que dizem respeito a toda a população brasileira como quem troca de roupa e sai por aí para tomar umas e outras e jogar conversa fora? Estamos sem horizonte, essa é que é a verdade. As eleições gerais se aproximam e o que temos como potencial vencedor da disputa para ocupar o mais elevado cargo público da nação é um sujeito completa e inteiramente estúpido, uma criatura sem noção, uma pessoa retrógrada que acredita ser detentora de plenos poderes e que é a própria encarnação da besta-fera. Vade retro, satanás!

Durante a paralisação dos motoristas aqui e ali apareciam pessoas demonstrando apoio à causa desses homens – mulheres caminhoneiras ainda quase não se veem por aqui – que cruzam o país de norte a sul e de leste a oeste na boleia de seus caminhões levando e trazendo as riquezas que a gente realmente trabalhadora produz.

Todos nós concordamos o tempo todo que o Brasil precisa de algum modo ser salvo. O problema é que a maioria de nós não pensa realmente no bem comum e se ocupa fundamentalmente, ao fim e ao cabo, em salvar somente a própria pele.



2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. Sinceramente, muito bom.

    ResponderExcluir
  2. Concordo e digo: Setenta por cento do não sucesso da greve dos caminhoneiros é culpa exclusiva mimi dos coxinhas, paneleiros e as desgraças dos direita e esquerda entende? mimi do ta faltando tomate, remédio, carne , ta morrendo frango nas granjas, foda-se ....

    ResponderExcluir