Somente
os idiotas se lamentam de envelhecer.
Marco Tulio Cícero,
44 a.C.
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Na capa do livro Amelinha aparece ao lado do então noivo e futuro esposo Francisco Esmeraldo de Melo |
Quando, em janeiro do ano
passado, João Evangelista de Melo Neto começou a entrar em contato comigo
através de correio eletrônico, dizendo que estava preparando um livro em
homenagem à sua mãe Amelinha, quis ele saber se em meu arquivo eu dispunha de
fotografias e também de um cartão-postal da casa do seu bisavô Ignácio Nery da
Fonseca, ao qual eu fiz menção num artigo que escrevi sobre um imóvel da Rua do
Progresso, no bairro da Boa Vista, no Recife - a casa do cartão-postal ficava
na esquina dessa artéria com a Rua da Soledade e não existe mais; deu lugar a
um lucrativo estacionamento, pelo menos por enquanto.
A notícia da elaboração de
um livro sobre Maria Amélia Nery da Fonseca Melo, a Amelinha, me encheu de
grande expectativa porque em mais de uma ocasião eu tive o privilégio de
conversar com ela na casa do seu irmão Edson Nery da Fonseca, em Olinda, e
ficara impressionadíssimo com sua vivacidade, com seu talento para os trabalhos
manuais e, principalmente, com a clareza de sua memória e a destreza com que ela
se punha a resgatar fatos do passado, evocando nomes de pessoas, descrevendo
cenários, cantando e fazendo referências até a detalhes aparentemente sem
importância. No momento do nosso primeiro encontro sua irmã Lúcia Nery, a bondosa e paciente Lúcia Nery que faleceu ainda há pouco, no último dia 23 de maio, sem que eu tenha conseguido me reconciliar com ela, me disse assim: "Olhe, eu não sou muito boa de memória, mas Amelinha é um espanto. Essa daí parece que não esquece de nada". Nunca, até hoje, eu conheci pessoalmente idosos tão avançados nos
anos com memórias tão prodigiosas quanto as de Amelinha, as do seu irmão Edson
e as de um amigo dele, Marco-Aurélio de Alcântara. Conversar com essas pessoas
era quase sempre para mim um momento de engrandecimento como indivíduo; eu
ouvia o que elas tinham para me dizer, me deixando levar pelas narrativas e
apreendendo o que era possível guardar na minha memória.
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Foto: Arquivo do autor Amelinha e o o seu irmão Edson num registro feito em 2003, no dia do aniversário dele |
Ainda em fins do ano passado
eis que me chegou às mãos a obra Dez
vezes mãe: a vida de Maria Amélia Nery da Fonseca Melo (São José dos
Campos: Tachion Editora, 2017, 130 p), fruto do empenho e das diligências
levadas a cabo pelo João Melo. E eu de pronto comecei a devorar as páginas do
livro, que é ricamente ilustrado com fotografias. Fui lendo-o com aquela ânsia
própria não de quem está em busca de segredos e sim de quem tem sede de saber
mais sobre pessoas que admira e tem apreço. No livro, Amelinha aparece quase tão
gigantesca quanto eu a vi na casa do seu irmão, só que tocando piano e fazendo
hidroginástica, vejam só, coisas que eu não sabia que essa em tudo admirável senhora
fazia e faz. Nascida no Recife em 1928, Amelinha fez parte dos estudos na
Escola Normal Pinto Júnior; assistiu a voos do dirigível Zeppelin; e conheceu
um tempo da capital pernambucana no qual tocar piano era algo bastante
apreciado por famílias de prol, o que a levou ao aprendizado do instrumento no
Colégio Regina Pacis, no bairro da Madalena. Afora notas biográficas como
essas, o leitor de Dez vezes mãe toma
conhecimento do casamento, do nascimento dos filhos e netos, da viuvez e de
outros aspectos da trajetória de Amelinha que muito em breve, no dia 22 de
outubro, irá celebrar noventa anos de idade; noventa anos de uma existência
plena e vitoriosa, porque só ela tem o perfeito entendimento da dureza que foi
ficar viúva aos 53 anos com dez filhos para cuidar, alguns deles ainda
pequenos.
Muito embora tenha sido uma
leitura até certo ponto entusiasmadora, o livro de João Melo em alguma medida
me frustrou. Eu esperava encontrar uma narrativa ainda mais dinâmica, mais
rica. Fiquei com a impressão de que o autor porventura tenha peneirado demais
os depoimentos que colheu de sua mãe; e essa percepção me veio por conta das
lembranças de minhas conversas com ela; e, também, porque, talvez, eu esperasse
encontrar no livro do João Melo certa pujança que eu vi nos longos depoimentos
de idosos que aparecem na obra Memória e
sociedade: lembranças de velhos, um estudo fundamental da Ecléa Bosi que eu
li às vezes com os olhos marejados e desejando que nunca acabasse. Contudo,
afora essas observações e o fato de que, diferentemente do que está dito na
página 43, a padroeira do Recife é Nossa Senhora do Carmo e não Nossa Senhora
da Conceição, o esforço de João Melo deve ser louvado como o registro daquilo
que em termos, digamos, científico e/ou acadêmico é definido como “escrita de
si”, na qual se enquadram as correspondências, os diários, as biografias, as
autobiografias e os livros de memórias, porque dizer de si é também contribuir
para a escrita do mundo.
Em Saber envelhecer o filósofo Marco Tulio Cícero, que nasceu em 106
a. C., apregoou que “é preciso resistir à velhice e combater seus
inconvenientes à força de cuidados; é preciso lutar contra ela como se luta
contra a doença; conservar a saúde, praticar exercícios apropriados, comer e
beber para recompor as forças sem arruiná-las” (Cícero. Saber envelhecer e A amizade. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre:
L&PM, 2007, p. 32). E Maria Amélia Nery da Fonseca Melo, a adorável
Amelinha, que está prestes a completar noventa anos de idade, persevera na
labuta da vida fazendo hidroginástica, frequentando a academia, tocando piano,
executando bordados em ponto smock, viajando e enchendo o dia a dia dos seus
muitos filhos, netos e bisnetos com entusiasmo, temperança e uma crença
absoluta de que viver requer de cada um de nós um esforço e um entusiasmo
enormes para que possamos ultrapassar os obstáculos que vão aparecendo e
enxergar na realidade que nos rodeia, o espaço mesmo de nossa satisfação e alegria,
venham elas com o peso e o tamanho que for.
Caríssimo Clênio Sierra, muito agradeço, primeiramente, as fotos que fiz incluir na biografia de minha mãe, como também seus comentários e críticas.
ResponderExcluirComo se pode depreender da leitura da introdução, observará que a ousadia de fazer publicar essa homenagem para minha mãe não foi precedida de qualquer planejamento e, ainda mais, contou com o desfavorecimento cruel da pressa em lhe presentear, nos seus 89 anos, com algum registro de sua longa e frutuosa vida.
Registrei, ainda, a certeza das insatisfações que adviriam e a esperança de que, no futuro, algum familiar mais afeito à arte de escrever, que não um velho agrônomo, possa aproveitar os registros que juntei para elaborar coisa melhor, mais rica e detalhada sobre a maravilhosa e instigante existência de minha amada mãe.
Um abraço,
João Melo
Bom dia. Ao que me consta tenho uma ancestral chamada Nympha Accioli de Mello Fonseca, casada em segundas núpcias com um médico de nome Ignácio Nery da Fonseca (falecido em 1865 acredito). Seria o pai do dono desse casarão acima? Grato desde já pela resposta
ExcluirCaro Guilherme, tudo bem? Não tenho essa informação. Por favor, entre em contato com o filho de Amelinha, João Neto pelo e-mail melonetoje@uol.com.br.
ExcluirObrigado!!!
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