23 de agosto de 2025

Edichão: um acontecimento cultural no coração do bairro de Santo Antônio, área central do Recife

 Por Sierra


Fotos:Arquivo do Autor e Divulgação
Em sua edição mais recente, a Edichão movimentou um pedaço da Av. Guararapes, no bairro de Santo Antônio, com música, poesia, cordel e muitos livros


Não é de hoje que os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes mantêm essa, por assim dizer, tradição muito recifense de vender livros, revistas, lp's, fitas-cassete, cd's, dvd's e algo mais expondo tudo no chão e fazendo daquele espaço do bairro de Santo Antônio um verdadeiro mercado de arte e de cultura a céu quase aberto.


Nerivaldo Guedes: convívio de muito tempo com a venda de livros e revistas




José Ítalo: sebista de longa data que é um cara arretado



O cantor Allan Salles



Daniel Uchôa: agitador cultural presente em várias iniciativas que ocorrem no Recife


José Rodrigues: escritor, artista plástico, colecionador, escritor...





Ao fundo, alguns dos prédios que margeiam a icônica Avenida Guararapes


A minha lembrança mais antiga de ida a tais sebos é de quando eu tinha 18 anos e trabalhava numa loja de aluguel de roupas masculinas chamada Antônio Alfaiate Modas, cuja matriz era na Praça Machado de Assis e uma filial ficava na Rua do Riachuelo, ambas no bairro da Boa Vista. Era ainda o comecinho da década de 1990; e, naquele tempo, os sebistas que eu frequentava em busca, principalmente, de revistas musicais, expunham os seus produtos também sobre tabuleiros entre a Avenida Guararapes e a Rua do Sol. Guardo as publicações que eu comprei naqueles dias até hoje.


Hélio Moura Filho: sebista e colecionador de cartões-postais





O poeta Malungo: um dos personagens da cena cultural das periferias do Recife e de Olinda


O meu querido amigo Holmes Wanderley


Ao longo dos anos, ora sendo abordados por fiscais da Prefeitura Municipal, ora tendo de ir para a calçada da Rua da Roda, uns e outros sebistas resistiram à fiscalização e continuaram ocupando regularmente as calçadas da curta e icônica Avenida Guararapes, cujos prédios são marcos de um período de grande modernização do núcleo primitivo do Recife, época essa - idos da década de 1930 - em que centenas de edificações antigas dos períodos colonial e imperial começaram a ser postas abaixo para que nos espaços vazios fossem erguidos prédios e abertas ruas e avenidas, tanto em Santo Antônio como em São José, os dois bairros que, irmanados, integram e ocupam a Ilha de Santo Antônio.








Fernado Serpa: cordelista que está sempre presente nos acontecimentos culturais promovidos pelo Coletivo Sebos do Capibaribe divulgando a sua arte


No transcurso do tempo das últimas décadas, o centro do Recife, por várias razões - mudança de padrões e meios de consumo, abertura de shopping centers, compras online, efeitos do isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, etc. -, perdeu  o grande fluxo de pessoas que costumava atrair. Contudo, há quem não troque a experiência de ir àqueles pedaços da capital pernambucana por nada, seja para fazer compras; seja para aproveitar atrações culturais, tomar uma cervejinha e andar à toa por lá, como os flâneurs costumam fazer; e seja também para, claro, frequentar os sebos que ainda existem por ali.




Vai um disquinho aí?


Por trás de José Ítalo  aparecem expostas algumas das mandalas feitas por José Rodrigues


O sebista Ramos: muitos anos de Avenida Guararapes


Os sebos do Recife, em geral, e os das calçadas da Avenida Guararapes, em particular, são, ao mesmo tempo, uma prova de resistência ao esvaziamento do centro da cidade e à indiscutível mudança do padrão de consumo de itens que eles comercializam, tendo em vista as livrarias online e a massificação dos streamings audiovisuais e das plataformas de músicas proporcionada pela rede mundial de computadores.


Da esquerda para a direita: Nerivalddo Guedes, o sebista Azevedo e o poeta Paulo. Sebista de longa data, Azevedo compareceu à Edichão para ensinar a limpar e a recuperar capas e lombadas de livros danificados



O sebista Geraldo atendendo um cliente




Na esteira de sua ação de resistência, os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes, organizados no Coletivo Sebos do Capibaribe, passaram a promover um evento, com periodicidade bimestral - no segundo domingo do mês -, chamado Edichão, movimentando aquele espaço, agregando e reunindo sebistas outros além dos que normalmente estão diariamente por lá, poetas, cordelistas, artistas plásticos, escritores, bibliófilos, pesquisadores, professores, estudantes, colecionadores e quem mais queira tomar parte nessa que é uma verdadeira e democrática celebração da arte e da cultura.




Integrante do Coletivo Sebos do Capibaribe, Ana é uma figura muito querida e animada que mantém o sebo virtual Livraria Almanaque



A sebista Maria de Fátima mostrando a alguns clientes os itens que levou para vender naquele domingo



No último dia 10 de agosto eu fui, pela primeira vez, prestigiar a mais recente edição da Edichão. Em que pese o fato de ter sido marcada para acontecer num domingo de Dia dos Pais, o evento, que está se consolidando no calendário cultural extraoficial do Recife, atraiu um público razoável naquela manhã de sol. E fazendo o brilho do acontecimento junto com os sebistas Geraldo, Elizeu Espíndola, Hélio Moura Filho, Maria de Fátima, Jacaré, José Ítalo, Azevedo, Ana, Nerivaldo Guedes, Ramos e Elvis Rossi, apareceram José Rodrigues, com suas mandalas feitas com cartões-postais; Valmir Jordão, um artista de várias facetas; os poetas Chicão e Malungo, que se revezaram no microfone; os cantores Allan Sales e Natan Massala, que encheram a atmosfera com música; o cordelista Fernando Serpa, que soltou também a voz dizendo os seus versos; e Rogério Robalino, organizador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que chegará à sua 15ª edição neste ano e que ocorrerá de 3 a 12 de outubro no Centro de Convenções, em Olinda.




O cantor Natan Massala, que soltou a voz para animar o pessoal, levou também a sua família para curtir ali a manhã do Dia dos Pais




José Ítalo não perde a oportunidade de declamar poesias


Fiz minhas comprinhas necessárias. Troquei figurinhas com um entusiasmado Daniel Uchôa, que é professor de História e Sociologia e se envolve com uma chamada Ruarte, evento que acontece no bairro de Setúbal, na Zona Sul do Recife. Encontrei o meu querido amigo Holmes Wanderley, que nutre uma grande paixão pelos livros. E aproveitei cada minuto do tempo que eu permaneci entre aquelas pessoas que foram até ali prestigiar, participar dele e fazer mais uma edição da Edichão acontecer.


Rogério Robalinho, organizador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, ao lado do sebista Geraldo


Elvis Rossi, o cara dos vinis



Jarismar Trajano também apareceu por lá para divulgar o livro dele







Um grande registro do dia: na luta e na resistência para, sob muitos aspectos, manter o centro do Recife vivo


Como que atendendo àquela exaltação-mandamento do bardo baiano Castro Alves que, no poema "O livro e a América", proclamou "Oh! Bendito o que semeia/Livros... livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!", todos os dias os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes promovem semeadura de livros naquele pedacinho de chão do Recife; semeadura essa que a Edichão tanto potencializa e celebra.

16 de agosto de 2025

O Hotel Central como palco e cenário cultural

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Fachada do Hotel Central, um ícone arquitetônico do Recife: não é só hospedagem no centro da capital pernambucana, não; o hotel tem proporcionado aos seus hóspedes e ao público em geral uma diversificada programação artística e cultural


Não é incomum que algumas edificações sejam convertidas em ícones e símbolos quer de um tempo, quer como representação de uma dada linha e/ou movimento arquitetônico e artístico. E esse é bem o caso do Hotel Central, localizado na esquina das ruas Manoel Borba e Gervásio Pires, no bairro da Boa Vsta, área central do Recife.

Construção que, à época de seu aparecimento, no século passado, figurava como uma das mais vistosas e altas do cenário urbano recifense, o Hotel Central, que conheceu o seu apogeu de charme e glamour na década de 1930, tempo essse em que hospedou personalidades ilustríssimas como Getúlio Vargas e Carmen Miranda, segue em pleno funcionamento como um dos poucos hotéis do centro urbanno da capital pernambucana.









No último sábado 2 de agosto, o salão de chá doHotel Central foi palco e cenário de um efervescente barulhinho bom cultural regado a muita música e com um algo a mais. E eu  que, até então, nunca adentrara ali, cheguei lá no começo da tarde e só saí quando a noite começou a cobrir a Boa Vista com o seu manto. E foi um dia desses que nós vivenciamos e deles nunca mais nos esquecemos.

Já do outro lado da calçada dava para ver e ouvir que o negócio estava bem azeitado e bom la dentro, porque o restaurante se encontrava bastante movimentado e um forró animado ecoava dali naquele sábado de festa.


Na companhia do Véio do Mangaio



Tem forró? Tem, sim senhor!



O cantor Ed Carlos







A cantora Edilza Aires




No salão de chá, entre comes e bebes e gente bem disposta para dançar forró, um denominado Tributo ao Rei Luiz Gonzaga, parte da programação da pré-estreia do filme Luiz Gonzaga - légua tirana, marcada para acontecer na noite daquele dia no Cinema São Luiz, outro ícone arquitetônico do Recife, ditava o ritmo da celebração. Organizado pelo Movimento Rebuliço Cultural, o tributo a Gonzagão promoveu um revezamento no microfone de artistas como Rony Félix, Edilza Aires, Véio do Mangaio e outros mais.


Rony Félix animando o salão








O apresentador de televisão Ciro Bezerra






E você pensa, leitor, que foi  só isso? Teve mais, porque se tem uma coisa neste mundo que nós não nos fartamos de consumir, esse negócio são as manifestações artísticas e culturais.

Às 15h o tributo a Luiz Gonzaga chegou ao fim para que o salão de chá fosse preparado para outro acontecimento artístico. E assim foi que, pouco depois das 16h, os que ali estavam presentes acompanharam, após as devidas apresentações do responsável pelo evento, o escritor e dramaturgo Moisés Monteiro de Melo Neto, e de Dona Rosa, proprietária do hotel, os atores Thalita Gadêlha e Angelis Nardelli fazerem uma leitura dramatizada do texto da peça Sertão!, de autoria do próprio Moisés.




Dona Rosa: comandando o Hotel Central e incentivando acontecimentos artísticos e culturais no local: viva!




A atriz Thalita Gadêlha



O ator Angelis Nardelli



O escritor e dramaturgo Moisés Monteiro de Melo Neto






Pouco depois do fim da apresentação da peça, lá fora, na calçada do Hotel Central ,o toque de uma sanfona voltou com tudo - era Kayro Oliveira, que interpretou Luiz Gonzaga menino no filme. E, quem quis, foi para lá se juntar aos diretores da cinebiografia de Gonzagão, Marcos Carvalho e Diogo Fontes, Mestre Bule Bule, o cantor Ed Carlos, parte da equipe realizadora do filme e outros tantos que, como eu, estavam ali para engrossar o coro e seguir em cortejo rumo ao Cinema São Luiz, que foi o que fizemos, na maior animação, quando a noite foi chegando. E lá, na porta do cinema, onde já era grande o movimento de quem fora até ali para prestigiar o filme, eu vi e me fotografei ao lado dessa coisa bonita e talentosa que é o Chambinho do Acordeon.











Os cineastas Diogo Fontes e Marcos Carvalho




O baiano multiartista Mestre Bule Bule




Chambinho do Acordeon que, de novo, deu vida ao mestre Luiz Gonzaga no cinema




Fazendo hoje o cômputo daquele sábado em parte vivenciado culturalmente no Hotel Central - eu não pude ficar para assistir ao filme porque, às 20h, eu tinha a peça O mercador de Veneza para ver na Caixa Cultural, no Recife Antigo -, eu me vejo celebrando o acerto de Dona Rosa em apoiar as artes e as manifestações culturais permitindo que o seu empreendimento seja palco e cenário para atuação e performance dos mais variados artistas. Eu lhe agradeci pessoalmente por isso, Dona Rosa, e quero fazê-lo agora publicamente: muito obrigado!

Testemunho inconteste de muitas transformações urbanas por que passou o Recife, o Hotel Central está atravessando, ao menos em termos culturais e artístico, um tempo de bonança, preenchendo sua história com novos acontecimentos.