Por Sierra
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Fotos:Arquivo do Autor e Divulgação Em sua edição mais recente, a Edichão movimentou um pedaço da Av. Guararapes, no bairro de Santo Antônio, com música, poesia, cordel e muitos livros |
Não é de hoje que os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes mantêm essa, por assim dizer, tradição muito recifense de vender livros, revistas, lp's, fitas-cassete, cd's, dvd's e algo mais expondo tudo no chão e fazendo daquele espaço do bairro de Santo Antônio um verdadeiro mercado de arte e de cultura a céu quase aberto.
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Nerivaldo Guedes: convívio de muito tempo com a venda de livros e revistas |
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José Ítalo: sebista de longa data que é um cara arretado |
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O cantor Allan Salles |
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Daniel Uchôa: agitador cultural presente em várias iniciativas que ocorrem no Recife |
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José Rodrigues: escritor, artista plástico, colecionador, escritor... |
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Ao fundo, alguns dos prédios que margeiam a icônica Avenida Guararapes |
A minha lembrança mais antiga de ida a tais sebos é de quando eu tinha 18 anos e trabalhava numa loja de aluguel de roupas masculinas chamada Antônio Alfaiate Modas, cuja matriz era na Praça Machado de Assis e uma filial ficava na Rua do Riachuelo, ambas no bairro da Boa Vista. Era ainda o comecinho da década de 1990; e, naquele tempo, os sebistas que eu frequentava em busca, principalmente, de revistas musicais, expunham os seus produtos também sobre tabuleiros entre a Avenida Guararapes e a Rua do Sol. Guardo as publicações que eu comprei naqueles dias até hoje.
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Hélio Moura Filho: sebista e colecionador de cartões-postais |
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O poeta Malungo: um dos personagens da cena cultural das periferias do Recife e de Olinda |
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O meu querido amigo Holmes Wanderley |
Ao longo dos anos, ora sendo abordados por fiscais da Prefeitura Municipal, ora tendo de ir para a calçada da Rua da Roda, uns e outros sebistas resistiram à fiscalização e continuaram ocupando regularmente as calçadas da curta e icônica Avenida Guararapes, cujos prédios são marcos de um período de grande modernização do núcleo primitivo do Recife, época essa - idos da década de 1930 - em que centenas de edificações antigas dos períodos colonial e imperial começaram a ser postas abaixo para que nos espaços vazios fossem erguidos prédios e abertas ruas e avenidas, tanto em Santo Antônio como em São José, os dois bairros que, irmanados, integram e ocupam a Ilha de Santo Antônio.
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Fernado Serpa: cordelista que está sempre presente nos acontecimentos culturais promovidos pelo Coletivo Sebos do Capibaribe divulgando a sua arte |
No transcurso do tempo das últimas décadas, o centro do Recife, por várias razões - mudança de padrões e meios de consumo, abertura de shopping centers, compras online, efeitos do isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, etc. -, perdeu o grande fluxo de pessoas que costumava atrair. Contudo, há quem não troque a experiência de ir àqueles pedaços da capital pernambucana por nada, seja para fazer compras; seja para aproveitar atrações culturais, tomar uma cervejinha e andar à toa por lá, como os flâneurs costumam fazer; e seja também para, claro, frequentar os sebos que ainda existem por ali.
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Vai um disquinho aí? |
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Por trás de José Ítalo aparecem expostas algumas das mandalas feitas por José Rodrigues |
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O sebista Ramos: muitos anos de Avenida Guararapes |
Os sebos do Recife, em geral, e os das calçadas da Avenida Guararapes, em particular, são, ao mesmo tempo, uma prova de resistência ao esvaziamento do centro da cidade e à indiscutível mudança do padrão de consumo de itens que eles comercializam, tendo em vista as livrarias online e a massificação dos streamings audiovisuais e das plataformas de músicas proporcionada pela rede mundial de computadores.
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Da esquerda para a direita: Nerivalddo Guedes, o sebista Azevedo e o poeta Paulo. Sebista de longa data, Azevedo compareceu à Edichão para ensinar a limpar e a recuperar capas e lombadas de livros danificados |
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O sebista Geraldo atendendo um cliente |
Na esteira de sua ação de resistência, os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes, organizados no Coletivo Sebos do Capibaribe, passaram a promover um evento, com periodicidade bimestral - no segundo domingo do mês -, chamado Edichão, movimentando aquele espaço, agregando e reunindo sebistas outros além dos que normalmente estão diariamente por lá, poetas, cordelistas, artistas plásticos, escritores, bibliófilos, pesquisadores, professores, estudantes, colecionadores e quem mais queira tomar parte nessa que é uma verdadeira e democrática celebração da arte e da cultura.
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Integrante do Coletivo Sebos do Capibaribe, Ana é uma figura muito querida e animada que mantém o sebo virtual Livraria Almanaque |
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A sebista Maria de Fátima mostrando a alguns clientes os itens que levou para vender naquele domingo |

No último dia 10 de agosto eu fui, pela primeira vez, prestigiar a mais recente edição da Edichão. Em que pese o fato de ter sido marcada para acontecer num domingo de Dia dos Pais, o evento, que está se consolidando no calendário cultural extraoficial do Recife, atraiu um público razoável naquela manhã de sol. E fazendo o brilho do acontecimento junto com os sebistas Geraldo, Elizeu Espíndola, Hélio Moura Filho, Maria de Fátima, Jacaré, José Ítalo, Azevedo, Ana, Nerivaldo Guedes, Ramos e Elvis Rossi, apareceram José Rodrigues, com suas mandalas feitas com cartões-postais; Valmir Jordão, um artista de várias facetas; os poetas Chicão e Malungo, que se revezaram no microfone; os cantores Allan Sales e Natan Massala, que encheram a atmosfera com música; o cordelista Fernando Serpa, que soltou também a voz dizendo os seus versos; e Rogério Robalino, organizador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que chegará à sua 15ª edição neste ano e que ocorrerá de 3 a 12 de outubro no Centro de Convenções, em Olinda.

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O cantor Natan Massala, que soltou a voz para animar o pessoal, levou também a sua família para curtir ali a manhã do Dia dos Pais |
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José Ítalo não perde a oportunidade de declamar poesias |
Fiz minhas comprinhas necessárias. Troquei figurinhas com um entusiasmado Daniel Uchôa, que é professor de História e Sociologia e se envolve com uma chamada Ruarte, evento que acontece no bairro de Setúbal, na Zona Sul do Recife. Encontrei o meu querido amigo Holmes Wanderley, que nutre uma grande paixão pelos livros. E aproveitei cada minuto do tempo que eu permaneci entre aquelas pessoas que foram até ali prestigiar, participar dele e fazer mais uma edição da Edichão acontecer.
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Rogério Robalinho, organizador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, ao lado do sebista Geraldo |
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Elvis Rossi, o cara dos vinis |
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Jarismar Trajano também apareceu por lá para divulgar o livro dele |
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Um grande registro do dia: na luta e na resistência para, sob muitos aspectos, manter o centro do Recife vivo |
Como que atendendo àquela exaltação-mandamento do bardo baiano Castro Alves que, no poema "O livro e a América", proclamou "Oh! Bendito o que semeia/Livros... livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!", todos os dias os sebistas das calçadas da Avenida Guararapes promovem semeadura de livros naquele pedacinho de chão do Recife; semeadura essa que a Edichão tanto potencializa e celebra.