15 de agosto de 2015

Bairro de São José: história, descaso e destruição

Por Clênio Sierra de Alcântara


    Especialmente para Liêdo Maranhão que fez do bairro de São José o seu grande mundo


 Fotos: Arquivo do autor   
Basílica de Nossa Senhora da Penha
     Sucessivas administrações municipais do Recife quando não mutilaram o bairro de São José, trataram de deixá-lo entregue à sua própria sorte. O movimento de agora novamente acena com mais destruição travestida de progresso para a pitoresca localidade da capital pernambucana





A mítica Reluzente


Parece coisa de Bruzundanga, o país da trapalhada e da tramoia, inventado por Lima Barreto, onde existem "engenheiros que são [e é de se presumir que uns e outros arquitetos e  urbanistas também o sejam] a um só tempo professores de grego no Ginásio Secundário do Estado, professores de oboé, no Conservatório de Música, e peritos louvados e vitalícios dos escombros de incêndios", (1) mas o episódio que se vai narrar em tom e ritmo fabulares no parágrafo seguinte se deu em Reluzente, uma mítica cidade da região Nordeste do Brasil. 

Documentos antigos, recentemente encontrados, nos dão conta de como membros da Construtora Muita Distinção (MD) se infiltraram e conseguiram influenciar todas as decisões da Prefeitura da Cidade de Reluzente no que diz respeito a obras de demolição de prédios antigos e ocupação de áreas históricas com edifícios luxuosos. A série documental nos informa que engenheiros, arquitetos e urbanistas da MD dobravam as mínimas vozes contrárias aos seus projetos ao custo de polpudos e escusos pagamentos. Revoltada – diz um relatório apócrifo encontrado entre os papéis -, porém incapaz de confrontar forças econômicas tão poderosas, parte da população reluzentense organizou alguns protestos contra as intervenções urbanas que foram desfigurando a cidade de outrora, empunhando faixas e cartazes no quais, entre outras coisas se dizia que “A prefeitura foi comprada” e que o M e o D do nome da construtora significavam mesmo era “Muita Destruição”. Esforço vão, como ficaria sabendo o resto do mundo. Reluzente, aquela Reluzente de tempos pretéritos, desapareceu do mapa. E não por uma ação de prestidigitação ao modo de Harry Houdini. Mas por um caviloso processo de destruição programada na qual os testemunhos edificados do passado da cidade bem como espaços vazios constitutivos de sua trama histórica e preservados como tal, foram o tempo todo vistos como obstáculos para a verdadeira modernização e progresso da cidade. Há quem diga naqueles documentos tão esclarecedores que, na verdade, se enganariam todos aqueles que apostavam que tudo o que reluz é ouro. Ao ser reinventada como cidade, tendo sido subtraída de todo o seu patrimônio histórico, artístico e cultural, Reluzente, a bem da verdade, perdeu todo o seu brilho e se tornou quase que um daqueles lugares invisíveis descritos por Italo Calvino, como Armila, onde, segundo o narrador, "não há nada que faça com que se pareça com uma cidade". (2)


Estas barracas na Rua Floriano Peixoto além de estreitarem a calçada enfeiam o logradouro e encobrem a paisagem do Rio Capibaribe






Uma cidade e um bairro em construção


Nos primeiros anos da conquista portuguesa e durante efetivamente todo o século XVI, o Recife, enquanto território ocupado pelo homem, resumia-se a uma pequena faixa de terra que, depois de sucessivos aterros ocorridos ao longo dos séculos seguintes, constituiu o Bairro do Recife com a dimensão territorial hoje conhecida.

A área onde seria assentado o burgo recifense constituía-se de terras baixas de uma extensa planície aluvional que se estendia desde as costas marinhas, frisadas, em praticamente toda a sua extensão por uma linha de arrecifes de pedra, até uma cadeia irregular de outeiros terciários que, envolvendo-a em semicírculo, a separa das terras do interior. É essa planície constituída por ilhas, penínsulas, alagados, mangues e pântanos, envolvidos pelos braços d’água de vários rios que, abrindo caminho através da cinta sedimentar das colinas, “se espraiam remansosos pela planície inundável”, nos diz Josué de Castro no seu estudo A cidade do Recife: ensaio de Geografia Urbana, arrematando a explicação desta forma:

Foi nesses bancos de solo ainda mal consolidado – mistura ainda incerta de terra e de água – que nasceu e cresceu a cidade do Recife, chamada de cidade anfíbia, como Amsterdão e Veneza, porque assenta as massas de sua construção quase dentro da água, aparecendo numa perspectiva aérea, com seus diferentes bairros flutuando esquecidos à flor das águas. (3)

A partir da diminuta porção de terra que constituiria o Bairro do Recife – ou São Frei Pedro Gonçalves, um dos nomes pelo qual era conhecida, por causa de uma capela que existia ali sob a invocação desse orago; capela ou ermida essa que aparece nas crônicas históricas nominada também de Santelmo e Corpo Santo –, então uma vila de pescadores e lugar de armazéns de açúcar que era subordinada à Olinda, o Recife foi se expandindo em direção a ilhas de maior extensão no século XVII. E o marco inicial dessa expansão foi, até onde se sabe, a construção de um convento pelos franciscanos na ilha de Antônio Vaz, em 1606.

A opulenta riqueza da Capitania de Pernambuco, expressa em grandes volumes de açúcar produzidos em vários engenhos, despertava a cobiça de muitos estrangeiros. No final de março de 1595 o corsário James Lancaster desembarcou na povoação com seus comandados – eles permaneceram por aqui durante mais de um mês – e promoveu um saque generalizado, levando além do “ouro doce”, o açúcar, até alfaias da da capela de São Frei Pedro Gonçalves que, como foi dito, existia na zona portuária. Foi somente no segundo quartel do século XVII que o Recife experimentou pela primeira vez, de fato, um período de dominação estrangeira que foi responsável não apenas pela transformação e consolidação de seu território como espaço citadino, mas também como cenário para a implantação de estruturas e serviços de feitio essencialmente urbanos de modo pioneiro não somente no Brasil, mas, em alguns aspectos, em toda a América.



Não se compreende que a Municipalidade possa permitir que um estabelecimento seja instalado na entrada de uma rua dessa maneira. A Rua Barão da Vitória é um flagrante de que a legislação municipal foi derrotada






Av. Dantas Barreto, símbolo máximo da destruição do bairro de São José. No lado esquerdo, o descaracterizado Camelódromo





Com a invasão holandesa, ocorrida em 1630, o Recife experimentou um surto de crescimento estrutural e populacional como nunca antes se vira. Por essa época, no lugar que seria a freguesia de São José, existiam somente uma casinhas, sendo algumas delas de pescadores; e cinco cacimbas conhecidas por "cacimbas de Ambrósio Machado", em frente ao Forte das Cinco Pontas. Ao escolherem o território recifense como o lugar de comando – recorde-se que em 1631 os invasores incendiaram a vila de Olinda -, os holandeses trataram de dotar o lugar de uma infraestrutura que lhes possibilitasse viver num lugar que ao menos lembrasse o de suas origens. E foi sob o comando do Conde Maurício de Nassau (1637-1644) que o Recife tomou um impulso ainda mais intenso: Nassau mandou construir palácios; erguer pontes; fundar um horto zoobotânico; estabelecer um observatório astronômico e tantas outras coisas erguidas na chamada Mauritsstad ou Maurícia (cidade de Maurício ou Mauricéa), na Ilha de Antônio Vaz. Diz-nos José Antônio Gonsalves de Mello, profundo estudioso do período:

Nassau projetou construir, também, um bairro para os habitantes mais pobres da cidade: parece que essa era a finalidade de seu projeto pois os documentos se referem a essas construções chamando-as de “casinhas”. Esse bairro estava localizado entre o canal que desembocava em frente à Barreta (ao lado da Igreja Francesa) e o Forte das Cinco Pontas [...] A localização é a do atual bairro de São José. (4)

Vale dizer que, em meio aos combates travados entre holandeses, portugueses e nativos, em 29 de agosto de 1645, de acordo com Sebastião de Vasconellos Galvão, "o Supremo Conselho ordenou o arrasamento da cidade Mauricéa, concedendo aos moradores o prazo de 10 dias  para botarem abaixo suas casas. Cortaram a ponte da Boa Vista, arrasaram os jardins  e todas as obras exteriores do palacio construido pelo principe Mauricio de Nassau". (5)

O fim da dominação holandesa, ocorrido em 1654, marcou o início de um longo período de certa lentidão no que diz respeito ao crescimento do mundo urbano no Recife para além da zona portuária, porque esta logrou um tempo de progresso em termos de construções.. O século XVIII será, no Recife, um século de igrejas e conventos, de expansão para o lado da Boa Vista; um tempo durante o qual predominou uma arquitetura de gosto reinol e bem comum a de outras cidades brasileiras. Na ilha de Antônio Vaz vai-se definindo um panorama que se consolidará no século seguinte: embora as construções eclesiásticas pontuem as duas porções, fica patente que a porção sul da ilha, que constitui o bairro de São José, abrigará a maior parte do comércio e prédios de residências; enquanto que o lado norte, o bairro de Santo Antônio, receberá as construções mais suntuosas e alguns estabelecimentos da administração pública. Vale lembrar que, com a denominação de bairro ou freguesia, São José só passará a figurar nas narrativas a partir de meados do século XIX, quando a freguesia do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio foi dividida em duas pela Lei Provincial nº 133, de 2 de maio de 1844. Também não custa lembrar que o Forte das Cinco Pontas, erguido na porção sul da Ilha de Antônio Vaz, integrava o sistema defensivo da costa pernambucana desde o século XVII, tendo sua construção sido iniciada pelos holandeses em 1630; e batizada com o nome de Frederico Henrique

O século XIX será um tempo de muita efervescência construtiva na área central do Recife. Particularmente durante a administração de Francisco do Rego Barros (1837-1844), o futuro Conde da Boa Vista, a cidade-capital ganhará ares europeizados. O núcleo primitivo do burgo recifense – Bairro do Recife, Santo Antônio, São José e também a Boa Vista – comportará novas construções que, ainda nesse tempo, conseguirão se manter em harmonia com o conjunto de edificações já existentes. O historiador Flávio Guerra, que escreveu as mais conhecidas páginas sobre Rego Barros, registrou que o Conde da Boa Vista realizou “com singular determinação e um surpreendente pioneirismo, um extraordinário programa de governo no Recife”. (6) Entre outras tantas providências Rego Barros promoveu a abertura de novas ruas e praças e alinhamento de outras; estabeleceu a gabaritagem de prédios; incentivou a construção de novos e suntuosos edifícios, principalmente residenciais; calçou ruas; e substituiu a iluminação pública de azeite pela de gás.


Edificações como esta na esquina da Av. Dantas Barreto com a Rua Barão da Vitória sofrem com uma degradação acelerada


Ainda o Camelódromo





O Recife atravessará o século XIX respirando ares cosmopolitas e consolidando a sua posição de capital do Nordeste. É um período de progresso e euforia que, ironicamente, diríamos, findará em plena belle époque. A cidade oitocentista será novamente transformada e adquirirá as feições exigidas pelo novo tempo. Eis como descreveu esse período José Luiz Mota Menezes:

O século XX lhe será fatídico. Primeiro as obras do Porto e as modificações absurdas do velho burgo situado na península, depois a abertura das novas avenidas que se reuniriam na atual Praça Arthur Oscar e que provocou a destruição das velhas ruas e a construção de novos prédios ao gosto da Lisboa do século XX [...]

O século XX trouxe também para o lado de Santo Antônio e S. José, transformações na arquitetura dos sobrados, ao se reformarem suas velhas fachadas ao gosto das reformas do bairro do Recife e os ornatos, de um neo-barroco fora de tempo, recobrirão os edifícios da Rua do Imperador e de outras ruas tais como: Nova, Imperatriz, Cais da Aurora e do Sol. (7)


As picaretas marcam o ritmo da belle époque tropical 


De fato o início do século XX não será benfazejo para o núcleo primitivo do Recife. A partir das grandes obras de reforma do porto, no Bairro do Recife – período esse muito bem esmiuçado em trabalho de Cátia Wanderley Lubambo (8) -, nos primeiros decênios da nova centúria – não se deve esquecer que por esse tempo o Rio de Janeiro, então capital federal, passou por uma reforma urbana até então sem precedentes na história do Brasil; uma reforma haussmanniana cujos condutores almejavam que fosse replicada pelo país afora -, a cidade assistirá a uma “era de demolições” que porá abaixo muitos edifícios para darem lugar a outros que seguirão novos traçados de ruas. A cidade que se modernizava e se embelezava lançava por terra muito do seu acervo arquitetônico dos períodos Colonial e Imperial. As picaretas não podiam parar. E modernidade nunca que iria rimar com passadismo.

Até pelo menos a primeira metade do século XX, esclarece-nos Joel Outtes em seu estudo O Recife: gênese do urbanismo moderno 1927-1943, a capital pernambucana foi alvo de vários planos de urbanismo que, em que pese o caráter modernizador – a cidade precisava ser libertada de seu passado colonial “formado por ruas estreitas e esconsas, becos, vielas e sobrados implantados em lotes sem recuos frontais e laterais” (9) para adquirir outra feição física à maneira dos grandes centros urbanos do mundo – que queria se imprimir à cidade, nesse planejamento urbano observa-se a permanência do discurso higienista que pregava a inteira salubridade do espaço urbano e que é um discurso que remonta a séculos passados como uma das justificativas para que se processasse o que eu chamo de “eugenia urbana”. (10)

A partir desses planos a área central do Recife - não considerando o Bairro do Recife -começou a passar por uma grande reforma que pôs abaixo centenas de edificações. O processo teve início no bairro de Santo Antônio. Abriram-se as avenidas 10 de Novembro – atual Guararapes – e a Dantas Barreto – esta, primeiramente no trecho que se iniciava na Praça da República e seguia até o Pátio do Carmo. Se, já na primeira metade do século, o lado norte da ilha de Antônio Vaz serviu aos propósitos reestruturadores da cidade que se queria refazer, o lado sul sofrerá perdas irreparáveis no decorrer das outras cinco décadas que completarão a centúria. Em cinquenta anos a “espoliação urbana” se lançará sobre o bairro de São José com uma sofreguidão incomensurável: igrejas, pátios, calçadas, sobrados... O patrimônio edificado do lugar reduzido a meros objetos de troca: que sucumbisse o passado em favor do progresso, da modernidade e das inovações do futuro. Desde então, os passos de Seu Candinho, de Amparo e de Anésio, que tomavam as ruas estreitas e tortuosas do bairro de São José, nunca mais puderam se manter firmes nos calçamentos seculares que foram sumindo sob a força das Patrols.



        




Rua Passo da Pátria: barracas invadiram a calçada....


E por falar em calçada, cuidado com os buracos






Rua do Muniz: a impressão que esses casarões antigos - casarões não, apenas restam deles as suas fachadas - nos dão é de que, no Recife, aspectos de seu passado são motivos de vergonha e precisam ser removidos da paisagem



São José, nosso bairro!


Há uma passagem do famoso Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, de Gilberto Freyre, que eu quero citar aqui, antes de seguir em frente. Ei-la:

Pelas esquinas das velhas ruas de São José – do Passo da Pátria, da Direita, da Tobias Barreto – que outrora teve o grande nome de Rua dos Sete Pecados Mortais – até há poucos anos se encontravam negras de fogareiro vendendo milho, tapioca, peixe frito. (11)

A narrativa freyreana descreve um aspecto do tradicional bairro recifense – lembre-se que a primeira edição desse guia apareceu em 1934 – que demonstra muito de sua dinâmica popular. Sim, o bairro teve seu tempo de moradias de “famílias de prol”, como as de vários senhores de engenho e titulares; mas, com o passar dos anos, à medida que foi adquirindo uma função quase que inteiramente comercial – o chamado “comércio elegante” ficava em Santo Antônio; em São José dominava o “comércio mais barato”, no dizer de Gilberto Freyre -, assistiu à saída de muitos dos antigos moradores que buscaram outras paragens do Recife para residir. 

É interessante notar que, em diferentes narrativas - antropológicas e/ou sociológicas, históricas e ficcionais -, o bairro de São José das três primeiras décadas do século XX já contêm  observações quanto ao seu, digamos, estado de abandono e/ou de precarização, além do seu caráter pitoresco e lugar de moradias de gente simples.

Dentro de sua série de artigos numerado publicados pelo Diario de Pernambuco, em  8 de fevereiro de 1925, Gilberto Freyre trouxe nas páginas do prestigiosos periódico recifense um retrato do que se convencionou chamar de pitoresco sobre determinados lugares. Tomando como mote a publicação do delicioso livro A alma encantadora das ruas, de autoria do dândi da belle époque carioca, João do Rio, Gilberto Freyre nos diz de flagrantes de ruas do bairro de São José com seus personagens moradores do lugar e com os pregões de vendedores como o moleque do “soorvete de maracujáaa” – note-se o caráter de permanência na escrita de Freyre a respeito disso, porque, como vimos aqui, em linhas atrás, será ainda com o olho no pitoresco que ele descreverá o bairro de São José no Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, publicado pela primeira vez em 1934 -:

A rua, nesse Recife, hoje “petit bourgeois”, outrora fidalgo, é a mais plástica das instituições. Pertence quase de todo às casas e lojitas que a margeiam: o estranho anda e passeia por ela como a pedir licença e a abafar o passo. É um intruso.

O pequeno burguês – ou o fidalgo arrumado: tipos que se parecem – adota a rua, domestica-a, incorpora-a à casa. De manhã, há homens que atravessam a rua de chinelos e pijama, a toalha de banho desdobrada ao ombro, às voltas com gaiolas de curió ou canários de briga; e há rapazolas que jogam “foot-ball” com bolas de pano; e há mulheres que vêm à janela despenteadas e gritando, comprar manga, caju, cuscus (sic), peixe; e meninos que sujam assobiando e com a maior sem-cerimônia deste mundo, cantos de rua.

Mas o maior encanto em uma rua de São José é a hora doce em que os moradores, moles e de chinelos, se espalham pelas calçadas, às vezes em cadeiras de balanço, para tomar fresco e cavaquear e fumar e saborear devagarinho o sorvete de maracujá ou de mangaba, comprado ali mesmo, ao moleque que passa gritando com a boca em o: “sooorvete de maracujáaa” [...]

Há outras deliciosas sem-cerimônias de rua a fixar o São José de hoje: mães que dolentemente ninam à calçada, em cadeiras de balanço e com amolecedoras cantigas, os seus pequenos de camisola; outras que os amamentam; ainda outras que fazem “crochet”. Há meninos que brincam de “gata-parida” nas calçadas, à espera do preto do rolete de cana ou de sorvete; há crianças caseiras que ao meio-dia nos postigos brincam tristonhamente – coitadinhas! – com papagaios de papel. Há homens de mangas de camisa ou de pijama, tocando violão ou cantando, à noite [...]

E são assim as ruas de São José: deliciosas de ingenuidade. Elas fazem esquecer o outro Recife: o Radio-Maníaco. O alto burgês (sic) (12)


Aparecido pela primeira vez em 1927, o volume IV do Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, de Sebastião de Vasconcellos Galvão, no verbete dedicado ao bairro, informa que ali era onde estavam localizados o Mercado Público, a estação da Estrada de Ferro do Recife a Garanhuns e Alagoas, a Estação Central, o gasômetro, a usina de eletricidade, o Quartel Militar do Batalhão de Federal de Infantaria (no Forte das Cinco Pontas), o Matadouro Público (no pontal do Cabanga), fábricas de cigarros, destilarias e outras unidades fabris; ou seja, a localidade possuía um caráter não só comercial, mas também industrial e ligado ao transporte público de passageiros e ao  fornecimento de carnes, de gás e de eletricidade para a cidade. Depois de dizer isso, Sebastião de Vasconcellos Galvão destacou o seguinte:

Este bairro contém ainda, muitas ruas tortuosas, beccos e travessas estreitas. Muito lhe falta para que mereça o nome de um bairro asseiado, bem construido e hygienico. Com os recursos municipaes deficientes e mesmo auxiliado conjunctamente pelo Estado, muito vagarosa e problematica mesmo, será a transformação, pela difficuldade de unidade de vistas entre os successores da administração.  Parece-nos que, sem affectar os cofres publicos, poder-ser-hia entretanto tudo conseguir em breve tempo. Lembramos, por exemplo: os governos estadual e municipal fazerem concessões e vantagens a alguma empreza ou companhia, para que as mesmas, previamente, apresentando um plano, reedifiquem totalmente toda a ilha de Santo Antonio, completando-lhe o cáes que lhe faltam, o calçamento, respeitando entretanto os edificios publicos. Entre outras vantagens pode ser a isenção do imposto predial durante um longo periodo, aos concessionarios. Essa medida daria em tempo curto uma cidade nova pelas edificações, pelo calçamento, preparo do sólo, hygieniesado, asseio, uniformidade e sem sacrificios. Pela ação administrativa ha o sacrificio das finanças, o tempo de execução, e ha ainda, como se disse, que os governos successivos não têm uniformidade de vistas e desviam facilmente o objectivo e, portanto, tornam impossivel qualquer desideratum(13)

A mim me pareceu que a solução drástica sugerida por Sebastião de Vasconcellos Galvão, não apenas para o que ele via no bairro de São José mas para "toda a ilha de Santo Antonio", estava eivada de um muito possível deslumbramento dele com relação ao que promoveu no bairro portuário, quando dezenas de edificações foram postas abaixo tanto para dar lugar a prédios novos como para dar espaço à abertura de avenidas, conforme vai dito no já citado trabalho de Cátia Wanderley Lubambo.

Na pena de um dos maiores memorialistas e ficcionistas pernambucanos, que é Mario Sette, na obra Seu Candinho da farmácia, lançada em 1932, o bairro de São José, cenário de toda a narrativa, aparece descrito em vários aspectos e detalhes: ruas, atividades comerciais, religiosas e culturais, etc. É bastante significativo que no romance apareçam um personagem como Cândido Lagostim Tamarindo, o Seu Candinho do título do livro, um sexagenário rabugento e sabichão sempre "vigilante em diminuir as coisas pernambucanas" e exaltar as de fora, como as do Rio de Janeiro, por exemplo - o que a mim me pareceu ser uma forte crítica do autor à propalada política, que era vigente na época, de querer "copiar" tudo o que ocorria de mudanças na então Capital Federal, seja em termos de transformações urbanísticas, seja mesmo em termos de costumes, vide o pensamento de Sebastião de Vasconcellos Galvão e as obras havidas no Bairro do Recife, que emularam o que se passara no Rio de Janeiro durante a administração de Francisco Pereira Passos (1902-1906), o todo-poderoso prefeito que tratou de haussmannizar o quanto pôde aquela cidade -, bem como os jovens enamorados Anésio e Amparo, que, lado a lado, saíam à noite "por aquelas ruas quietas, tão suas conhecidas, umas na garridice dos melhoramentos municipais, alargadas, arborizadas, com lâmpadas de eletricidade, outras angustiadas de espaço, esconsas, de pedras desavindas, de passeios em escadinhas, lampião a gaz (sic), sobradões que apreciam cochilar de velhice uns se encostando no s outros"; e "iam por ali pondo olhos e os ouvidos em tudo: grupos pelas calçadas, gente pelas janelas, namorados de espreita nas esquinas, fozes de vitrolas, cantigas de embalo, carões em crianças, histórias de negras-velhas, pregões de cuscuz e mendobis, orações de um templo evangélico, toques de sinos, campainhas de cinemas, conversas de varanda a varanda, toda a alma do seu bairro aos pedaços que eles, ao sabor dos passos, recompunham, juntavam, harmonizavam"; e "Divertiam-se às vezes com isso. E achavam no seu São José, assim mesmo primitivo, assim mesmo torto, assim mesmo feio, uma cor, uma expressão, um perfume, um saibo diversos do que lhes ofereciam nos outros bairros". (14) Enquanto Cândido Tamarindo, um idoso, representa o inconformismo e o desprezo pelas coisas do bairro e o desejo de transformá-lo, Anésio e Amparo, ambos jovens, são o seu extremo oposto, gostam do bairro de São José com tudo o que há nele e representam o desejo de sua permanência com as feições, imperfeições, claros e escuros que ele possuía.


No decorrer das décadas de 1960 e 1970 a localidade sofrerá um duro golpe na estrutura urbanística que ficará marcado em sua história como o início de um período de severas perdas no conjunto de seu patrimônio edificado.

Em sua segunda gestão à frente da Prefeitura Municipal do Recife (1971-1975), Augusto Lucena empenhou-se tenazmente para que o projeto de conclusão da Av. Dantas Barreto saísse finalmente do papel – o trecho que faltava começava na Av. Nossa Senhora do Carmo e findava na Praça Sérgio Loreto. Apesar dos protestos em contrário partidos de vários órgãos e entidades – entre os quais o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) -, o prefeito Augusto Lucena angariou apoio não apenas de personalidades influentes da intelectualidade pernambucana – como o historiador Flávio Guerra e o sociólogo Gilberto Freyre, que sempre dizia ser um amante e defensor do Recife – mas também e principalmente do povo que via em Lucena um administrador que estava fazendo muito pela cidade, realizando diversas obras a fim de modernizar e trazer o progresso para todo o município. No embate o discurso vencedor foi o que empunhava a bandeira do progresso – e não poderia ser mesmo diferente dado o contexto de um governo ditatorial que estava implantado no país.

Partindo da Praça do Carmo as máquinas e picaretas foram botando abaixo um pedaço considerável do estoque construído do bairro de São José, reduzindo a escombros edificações seculares, como a Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios e sobrados que remontavam aos períodos Colonial e Imperial; e fazendo desaparecer com elas costumes, manifestações e tradições. A sanha destruidora promovida pelo burgomestre Augusto Lucena deu provas, mais uma vez, de que os administradores do Recife do século XX não sabiam e/ou não queriam promover o desenvolvimento estrutural da cidade respeitando o seu patrimônio histórico edificado. Não foi apenas uma avenida que se abriu em São José. Abriu-se nele um caminho para a aceleração de seu abandono e degradação.

Não demorou para que os administradores do Recife verificassem a quase inutilidade daquele trecho da Av. Dantas Barreto. Tanto foi assim que, na década de 1990, implantou-se um chamado Calçadão dos Mascates, mais conhecido como Camelódromo, concebido com um duplo objetivo: incrementar o aspecto funcional da avenida; e promover o ordenamento do comércio informal do centro da capital. Adentrou-se no século XXI sem que ambos os objetivos fossem alcançados: a Av. Dantas Barreto continua sendo vista como uma via que liga o nada a lugar nenhum; já o Camelódromo permanece sendo subutilizado e apresenta parte de sua estrutura deteriorada; e o comércio informal, com suas ocupações excessivas dos espaços e passeios, segue promovendo o caos urbano porque, como bem observou Silvio Zancheti, ele tornou praticamente inviáveis a circulação e a limpeza da área, “acelerando a deterioração do espaço público”. (15) 

Antes que o século XX terminasse, Amílcar Dória Matos descreveu um “itinerário de saudade” do bairro de São José do qual eu extraí este retrato:

Machucado em suas estruturas, asfixiado em suas ruínas, acuado em exíguos espaços por um trânsito infernal que não comporta, sufocado em sua dignidade por mil problemas sociais, o velho bairro pede passagem para se mostrar em toda a sua grandeza e brilho. 
Ele é patrimônio do Recife, parte substancial da alma da cidade. (16)

O testemunho de Amílcar Dória Matos ecoa em grande medida o clamor feito por Berguedof Elliot, em 1976, nas páginas da revista Arquivos, uma publicação do Conselho Municipal de Cultura do Recife, republicado em separata naquele mesmo ano.. Sob o título “São José, meu bairro!”, Elliot fez uma espécie de cartografia sentimental do lugar se valendo de um nítido apego às suas geografias física e humana, e compreendendo que o bairro sofria com a descaracterização do casario e com a busca permanente de mais vias de escoamento de veículos, que, aliás, marca todo o Recife, porque tais escoadouros “atendem melhor à cupidez dos empreendimentos imobiliários”. Logo no início do seu relato ele fez um convite ao leitor, como se fosse um guia turístico, um aflito guia turístico:

Vem, meu amigo, percorrer, ao meu lado, um bairro recifense que ainda conserva aspectos residuais da velha capital pernambucana [..]

Vem logo, meu amigo, porque talvez amanhã não existam mais as poucas igrejas que ainda restam – relíquias seculares ainda impregnadas da atmosfera do velho burgo. (17)


Depois, lá pelas tantas, Berguedof Elliot sugeriu uma ideia de preservação e salvaguarda do bairro de São José:

O que poderia salvar esse bairro, preservando o que ainda resta do Recife antigo, na sua zona urbana, naquilo em que ele é mais típico, como bem cultural e paisagem histórica, seria uma medida corajosa e heroica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - uma das mais sérias instituições do país. Bastaria que esse órgão fixasse um polígono sob sua proteção como fez em Olinda, abrangendo ao Sul o Forte das Cinco Pontas e ao Norte o Pátio de São Pedro que, embora não pertença ao bairro de São José, ficaria a este ligado para integrar a área monumental da cidade. A Leste, os limites seriam a Avenida Sul e o Cais de Santa Rita e a Oeste, a nova Avenida Dantas Barreto. Dita área seria intocável e vários arruados com o seu casario seriam recuperados através de obras de restauração, como se fez no Pelourinho, em Salvador, para expungir os atentados já praticados ao seu aspecto original. (18)



Na aurora do século XXI, novamente o insaciável progresso lança seus olhos e seus tentáculos mutiladores sobre as ruas, telhados e torres seculares do bairro de São José.










O Recife do futuro repudia e destrói o seu passado


Desde que dois edifícios de alto padrão foram erguidos no Cais de Santa Rita, no bairro de São José, a despeito de inúmeros protestos de cidadãos comprometidos com a forma e com a imagem, com a preservação da história e do passado da cidade, tinha-se conhecimento de que uma intervenção ainda de maior monta estava programada para ocorrer na área do Cais José Estelita. E, por conta disso, a sociedade civil organizada manteve-se em alerta visando discutir com a Municipalidade a fundamentação de promover mais uma vez o dilaceramento de outra porção significativa do bairro de São José submetendo-o às pregações modernizadoras dos grandes empresários do setor imobiliário. Ignorando completamente o clamor dos manifestantes, o executivo municipal agiu no apagar das luzes do ano de 2013 aprovando o Projeto Novo Recife, um gigantesco empreendimento no qual estão incluídas mais de dez torres de apartamentos residenciais e comerciais. Desde então, o que se viu foi o recrudescimento do chamado Movimento Ocupe Estelita, pregando a salvaguarda daquela paisagem recifense.

Do núcleo primitivo que constitui o Recife, nenhum sofreu tanto com o desmonte de seu patrimônio edificado como o bairro de São José. E esse desmonte vem se dando não apenas com a demolição maciça de seus prédios antigos, mas também com uma progressiva degradação e desfiguração que pode ser verificada em todos os seus espaços. Repetindo a avaliação de Nova York feita por Michel de Certeau, o Recife também “nunca soube a arte de envelhecer curtindo todos os passados”. (19) Daí por que a sanha destruidora que de tempos em tempos se lança sobre as áreas antigas da capital pernambucana. Busca-se com isso descaracterizar o Recife justamente no que ele tem de mais pitoresco: seu casario antigo, suas igrejas seculares, sua comunhão com os rios e com o mar. Quer-se dar ao Recife aspecto de cidade moderna que pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo, ou seja, quer-se um Recife sem identidade própria. Nada mais representativo dessa ideia uniformizadora do que a ação de gentrificação agora planejada: a erição de edifícios de altíssimo conceito em áreas ditas degradadas. Ocorre que as pessoas que compram apartamentos nesses prédios caríssimos não vivenciam para valer a cidade; elas os tomam como verdadeiras fortalezas a separá-las e protegê-las das porções da cidade que rejeitam.

O caráter excludente de uma cidade não se dissolve com a construção de conjuntos habitacionais populares à sombra de magníficas edificações de alto padrão. Os mecanismos de exclusão podem ser encontrados em ausências comezinhas como, por exemplo, a falta de coleta do lixo e um precário serviço de abastecimento de água. A verticalização monumental do Recife vem se processando sem que as contradições que emergem da questão urbana recebam as atenções devidas. As demandas dos grupos sociais mais vulneráveis – habitação, saúde, educação, transporte, cultura, lazer, etc. – não têm sido satisfatoriamente atendidas porque as políticas públicas continuam majoritariamente, a mim me parece, tomando o rumo das conveniências de quem as encaminha; elas são pautadas para atender aos grandes interesses econômicos tendo em vista o próximo pleito eleitoral. Não se promove equilíbrio social quando as necessidades das camadas mais carentes da população são atendidas apenas parcialmente. Decerto que cabe ao Estado atender as precisões de todos os grupos sociais; mas, por outro lado, penso que deva ele atentar para o fato de que quem se encontra ao rés do chão da pirâmide social acumula urgências, porque as necessidades são muitas. Tendo isso em vista, um passeio por todos os quadrantes do perímetro urbano recifense deixa evidente que a expansão da cidade “alto padrão” não tem se ocupado em eliminar e/ou diminuir os “efeitos perversos” do abandono a que o poder público relega boa parte de sua população. (20)

















Num artigo escrito para o volume inaugural da revista Urbis, o arguto Aloisio Magalhães defendeu o entendimento de que, no que diz respeito às cidades antigas, pode-se falar de um processo de defesa natural dessas urbes, como organismo vivo, “contra tudo o que for inadequado à sua evolução”. (21) Infelizmente o que se tem visto no Recife contradiz essa assertiva de Aloisio. Afora os imperativos da verticalização e da adequação das artérias para o tráfego de veículos, o desapego das últimas administrações municipais para com o passado da cidade está fazendo com que seja disseminada no seio da população a falsa ideia de que cidade moderna e bem apresentável é cidade que se desfaz de seus prédios antigos e no lugar deles ergue coisas novas e imponentes.











Travessa do Gusmão: o conjunto habitacional popular que está sendo erguido ali é uma tentativa de reocupar uma área que, em outros tempos, abrigava atividades comerciais




Autofagia urbana ou Uma cidade em negociata


Senhor do dinheiro e dos prédios,
da sabedoria engessada pela ganância,
dos sentidos amortecidos pelo poder
que acoberta o crime, abra o olho!
                                                    Karina Bhur (22)



O Recife de atualmente parece estar se consumindo a si mesmo; e, nessa autofagia, abrindo mão de nacos preciosos do seu organismo. A cidade vem descrevendo uma trajetória de mutilações que não tem atentado para a salvaguarda de edificações que carregam em si parte da sua história. Em vários pontos da área central – Rua da Aurora, Rua Velha, Rua 1º de Março, Av. Martins de Barros – sobrados deteriorados amargam um triste fim. No bairro de São José está se buscando impor uma ressignificação a ele, destituindo-o de sua singularidade.

As propagandas do Consórcio Novo Recife veiculadas com o intuito de angariar o apoio da grande massa para o projeto que ocupará a área do Cais José Estelita – lamentavelmente elas contaram até com a participação do arquiteto e historiador José Luiz Mota Menezes que, em outros tempos, defendeu as tradições do Recife com grande entusiasmo -, divulgaram uma alta taxa de aprovação da população para o empreendimento. E poderia ser diferente? É claro que o cidadão comum apoia projetos como esse, porque ele vê a degradação por que passa a cidade; é óbvio que o cidadão comum defende iniciativas como essa porque ele enxerga tais ações apenas pela monumentalidade do projeto sem ter uma mínima noção e nem compreensão das questões de preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade na qual ele vive.

O bairro de São José é um dos espaços do Recife que eu mais frequento. Meses atrás eu fiz incursões naquele lugar com o propósito de registrar fotograficamente alguns cenários que subsidiassem esta minha narrativa. Não voltei meu olhar para alguns dos recantos daquele bairro apenas com olhos de historiador; eu quis ver o ambiente também como cidadão que acompanha as políticas públicas direcionadas para o Recife.

As miudezas com as quais nos defrontamos enquanto atravessamos as tramas que constituem o tecido urbano nos dão a medida do quão complexa é a estrutura espacial das cidades. O pedaço do Recife que constitui o bairro de São José vem há muitas décadas sofrendo com um abandono severo que fez dele uma espécie de doente ao qual se nega tratamentos devidos para que sucumba logo e dele se aproveite o que porventura deixará de valor. Caminhando pelas ruas e praças e pátios de São José me ficou ainda mais clara a percepção do discurso oficial que diz que o bairro precisa ser revitalizado. Sim, é evidente que precisa; mas, quem é que diz que o abandonou? Quem é que fala qual será o preço a pagar por sua revitalização?






















É difícil para um visitante acreditar que um bairro tão pitoresco e antigo como o é o de São José apresente tantos problemas de infraestrutura e seja localizado a tão pouca distância da sede da Prefeitura Municipal e do Palácio do Campo das Princesas, onde despacha o governador do Estado.

O bairro de São José está agonizando e os governantes apresentam como solução para os seus males a implantação de um megaprojeto imobiliário da iniciativa privada. A cidade está sendo negociada sem que sejam realmente respeitadas as suas particularidades e as suas paisagens históricas. Estão entregando os chãos do Recife ao poder financeiro sabendo que por esses chãos nem todos poderão caminhar. Segmentam maciçamente o espaço urbano de modo a acentuar as suas desigualdades sociais.










O sistema viário que se implantou em São José foi como um tumor maligno que se espalha por um organismo vivo e o vai consumindo paulatinamente. Mas esse é tão somente um entre os muitos males que lançaram com voracidade sobre o bairro. Percorri vários e diversos logradouros desse lugar e colecionei imagens de desencanto e destruição. Seguindo pela Rua Floriano Peixoto – ali onde São José faz fronteira com Santo Antônio – barracas tomando a calçada ao lado do rio são testemunhas da ineficiência da Municipalidade para ordenar o comércio informal. Aqui e ali o passante observa que sobrados foram convertidos em garagens e que áreas de antigos imóveis demolidos foram transformadas em estacionamentos. Na Rua Barão da Vitória barracas invadiram o local limitando o vai e vem das pessoas. Na Av. Dantas Barreto – até hoje o símbolo máximo do que de pior se fez na escalada de destruição do bairro – prédios antigos estão bastante deteriorados; já o Camelódromo, além de ter tido sua estrutura original descaracterizada, foi em grande parte abandonado. Nas ruas do Muniz, do Peixoto, Imperial e Cristóvão Colombo edificações antigas bastante carcomidas pela ação do tempo – de algumas delas, só as fachadas ainda resistem de pé, apesar do avançado grau de degradação – constituem uma paisagem de pleno abandono. Na Rua Pintor Hélio Feijó o andante se depara com um quadro realmente impressionante e que eu considero a mais exata constatação do nível de abandono a que São José foi lançado: lanchonetes, barracos e ferros-velhos ocuparam de tal forma o espaço que os motoristas de ônibus precisam ter muita habilidade para não baterem com o veículo nas construções durante a manobra para dobrar a curva. Aquilo ali é um espanto. No Cais de Santa Rita o lixo espalhado é apenas um dos indicativos de que as “Torres Gêmeas” não promoveram nenhuma melhoria para os que estão fora delas.





Este é o módulo inicial do Camelódromo, que fica ao lado da Praça Sérgio Loreto. Desde o início do projeto os comerciantes não quiseram ocupá-lo, porque entendiam que as pessoas não iriam fazer compras num local tão afastado dos principais corredores de ônibus. Ele permanece abandonado e se deteriorando







Fiteiros, postes e barracas obstruindo calçadas. Ruas esburacadas e bueiros entupidos. A Praça Dom Vital foi convertida em dormitório a céu aberto para moradores de rua que trataram de promover a sua degradação. Calçadas deterioradas, placas de sinalização turísticas apagadas, superabundância de instalações elétricas a comprometer a segurança dos prédios antigos. O patrimônio religioso do lugar também foi entregue ao descaso: uma das torres da Basílica de Nossa Senhora da Penha está correndo o risco de desabar; a Igreja Matriz de São José se encontra há anos interditada aguardando obras de restauro que não têm previsão para começarem; a Igreja do Terço está com suas portas pichadas, as calçadas estão em parte destruídas e com o mato tomando conta dos espaços onde a cobertura de cimento foi removida.

Quem tem acompanhado as manifestações do Movimento Ocupe Estelita e se inteirou dos fatos, sabe que o Recife, em geral, e o bairro de São José, em particular, está sendo alvo de políticas públicas que não têm buscado salvaguardar a sua memória urbana e nem proteger a cidade do avanço de um tipo de progresso que se porta como um rolo compressor e passa por cima de identidades, de histórias, de realidades diversas, de qualidade de vida que seja coletiva e não segmentada, de patrimônios históricos, artísticos e culturais. É preciso protestar contra os desmandos e os absurdos, sim! No Recife pessoas continuam morrendo vitimadas pelo deslizamento de barreiras; a indigência se espalha pelas esquinas das ruas e sob as marquises; o papelão, o zinco, o plástico e a madeira continuam servindo como matéria-prima para a construção de barracos; e o poder público insiste em querer cobrir um corpo maltrapilho e doente com roupas de grife. O Movimento Ocupe Estelita está a nos dizer que é uma cidade inteira que precisa ser cuidada: e honestamente; e respeitosamente; e humanamente.






A Igreja Matriz de São José está há muito tempo interditada aguardando ações de restauração







Numa obra que é um clássico dentre os estudos que abordam o universo urbano, o norte-americano Kevin Lynch, considerado um pioneiro no envolvimento participativo dos cidadãos comuns nas questões urbanas, nos diz que a cidade é uma organização “mutável e polivalente” que deve estar aberta à mudança de “função e significado”; é um ambiente que não é construído para uma pessoa, mas para um grande número delas. E completa:

É bem verdade que precisamos de um ambiente que não seja simplesmente bem organizado, mas também poético e simbólico. Ele deve falar dos indivíduos e de sua complexa sociedade, de suas aspirações e suas tradições históricas, do cenário natural, dos complexos movimentos e funções do mundo urbano. Mas a clareza da estrutura e a expressividade da identidade são os primeiros passos para o desenvolvimento de símbolos fortes. (23)


Eis aí uma lição que os administradores da capital pernambucana poderiam aprender caso lessem A imagem da cidade, o potente livro do Kevin Lynch.


Esse negócio de Recife Novo e Novo Recife só me cheira a imprestáveis ideias velhas de mutilação da cidade. Muito do Recife se perdeu, mas nem tudo pode ser posto a perder.






É nesta área do Cais José Estelita que se pretende erguer um Recife novo







Os antigos armazéns do Cais José Estelita






Viaduto das Cinco Pontas












Durante o Regime Militar ergueram este viaduto bem no entorno do Forte das Cinco Pontas: sempre inventam algo para emascular e descaracterizar o bairro de São de José

























A Igreja do Terço é uma das joias da arquitetura religiosa do bairro de São José que se encontra em estado de abandono

A calçada da Igreja do Terço


A pichação na porta da Igreja do Terço é uma das evidências do abandono desse monumento










Aqui e ali edifícios antigos deram lugar a estacionamentos










Pichação nas paredes e nas portas, calçadas esburacadas, placa de sinalização turística apagada... A Igreja do Terço está abandonada, coitadinha


















Rua Pintor Hélio Feijó: é impressionante assistir à passagem dos ônibus por essa via cheia de lixo, quinquilharias e barracos


Lá vem o ônibus!




Fiteiro ocupando o já mínimo espaço da calçada

















Mercado de São José




Torres erguidas no Cais de Santa Rita: eis o tipo de progresso que se quer para as áreas de ocupação antiga do Recife


















Igreja de São José do Ribamar: o acervo arquitetônico religioso está carecendo de urgentes cuidados











Esta torre da Basílica de Nossa Senhora da Penha está oferecendo risco de desabamento

Mercado de São José: a riqueza cultural do bairro, como este mercado que data do século XIX, é um dos muitos atrativos que fazem de São José um dos recantos mais encantadores do Recife


Nesta e nas imagens seguintes, flagrantes do Cais José Estelita com os armazéns que o projeto Novo Recife quer fazer desaparecer













O futuro do Recife está logo ali na frente...


Notas

1- Lima Barreto. Os bruzundangas, p. 61.

2- Italo Calvino. As cidades invisíveis, p. 49.

3- Josué de Castro. A cidade do Recife, p. 34.

Eis o que diz Manuel Correia de Andrade, outro eminente geógrafo, em seu Recife, uma trajetória secular: “A paisagem do Recife, antes da conquista portuguesa, era formada por restingas de areia na parte oriental fronteiriça ao mar, e por áreas alagadas onde se desenvolviam grandes florestas de mangues e afloravam nos pontos mais elevados ‘croas’ de areias, formando ilhas. Algumas ‘croas’ submergiam na maré alta, mas outras ficavam emersas acima do nível da mesma”, p. 17.

4-    José Antônio Gonsalves de Mello. Tempo dos flamengos, p. 88. 

5- Sebastião de Vasconcelllos Galvão. "Município do Recife - Estudo historico e topographico". In Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, Vol. III, p. 25.

 6- Flávio Guerra. “O Recife e o Conde da Boa Vista”. In Nilo Pereira et al. Um tempo do Recife, p. 276  e 277. Atente-se que, cinco anos antes dessa publicação coletiva, que é de 1978, o autor trouxera a público uma obra toda ela dedicada a Rego Barros: O Conde da Boa Vista e o Recife, que veio a lume pela desaparecida Fundação Guararapes em 1973.

7-    José Luiz Mota Menezes. “O Recife e sua arquitetura”. In Nilo Pereira et. al. Op. cit., p. 261-262.

8- Cátia Wanderley Lubambo. Bairro do Recife: entre o Corpo Santo e o Marco Zero. No presente estudo a autora descreveu o período que envolveu o processo de reforma urbana havido no bairro onde o Recife começou a surgir como núcleo urbano; como ela diz já em seu início, ele inclui "desde o momento da tomada das decisões sobre a Reforma Urbana, seguido de toda a implantação das obras, até o momento onde se evidenciaram as implicações imediatas daquela iniciativa" (p. 19).

9- Joel Outtes. O Recife: gênese do urbanismo 1927-1943, p. 19. 

10- Clênio Sierra de Alcântara. “Eugenia urbana – especulações em torno da elaboração de um conceito”. In A Cidade e a História, p. 29-46. Originalmente publicado in Portal do São Francisco/Revista do Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco, CEVASF, 2003. Nº 2, p. 63-84.

-  11- Gilberto Freyre. Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, p. 51.

12- Gilberto Freyre. “95”, p. 117, 118 e 119. 

13-  Sebastião de Vasconcellos Galvão. Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, Vol. IV, p. 66-67.

14-  Mario Sette. Seu Candinho da farmácia, p. 56, 141, 142 e 142.

15- Silvio Mendes Zancheti. “Desenvolvimento versus conservação urbana em Recife – Um problema de governança e gestão pública”. In César Barros & Evelyne Labanca Corrêa de Araújo (orgs.). Reabilitação urbana de centralidades metropolitanas, p. 55.

16- - Amílcar Dória Matos. Bairro de São José – Um itinerário da saudade, p. 62.

17- Berguedof Elliot. São José, meu bairro!, p. 5.

18- Id. ibidem, p. 14-15.

19-  Michel de Certeau. A afirmativa de Certeau aparece no capítulo VII – “Caminhadas pela cidade” – do seu A invenção do cotidiano, p. 157.

20-  Embora tenha sido escrito em meados da década de 1980, o artigo “O preço do processo: crescimento econômico e espoliação urbana”, de autoria de Lúcio Kovarick, inserido na obra coletiva Cidade, povo e poder (p.30-48) é, a meu ver, de uma atualidade indiscutível para o que vem sendo narrado aqui. Aproveitando esta nota quero neste momento recomendar a leitura do livro Contra-usos da cidade, do Rogerio Proença Leite, que trata do processo de gentrificação verificado na segunda metade da década de 1990 no Bairro do Recife.

21-   Aloisio Magalhães. “É possível redesenhar as cidades?”. In Urbis – Revista de Urbanismo e Desenvolvimento, p. 36.

22-  Karina Buhr. “Ocupe Estelita”. In Revista da Cultura, p. 51. 

23-  Kevin Lynch. A imagem da cidade, p. 134.



Fontes e bibliografia


ALCÂNTARA, Clênio Sierra de. A Cidade e a História: alguns escritos acerca                                              do universo urbano e das políticas de proteção e valorização do patrimônio histórico, artístico e cultural. Ilha de Itamaracá: Edição do Autor, 2014.

ALVES, Cleide. “O brilho desbotado do Recife”. Recife: Jornal do Commercio,       10 de março de 2013, Cidades, p. 4.

ANDRADE, Manuel Correia de. Recife, uma trajetória secular. Recife: Ed. Artelivro, 2003.

BARRETO, Lima. Os bruzundangas. Porto Alegre: L&PM Editores, 1998.

BARROS, César & ARAÚJO, Evelyne Labanca Corrêa de. Reabilitação urbana de centralidades metropolitanas: reflexões e experiências na América Latina do século 21. Recife: Zoludesign, 2006.

BUHR, Karina. “Ocupe Estelita”. In Revista da Cultura. Edição 84. Julho de 2014.

Cai liminar contra projeto Novo Recife. Recife: Jornal do Commercio, 27 de agosto de 2014, Capa dois, p. 2.

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. 15ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

CASTRO, Josué de. A cidade do Recife: ensaio de Geografia Urbana. Rio de Janeiro: Livraria-Editor da Casa do Estudante do Brasil, 1954.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

Desafio agora é o entorno da Rua das Calçadas. Recife: Diario de Pernambuco, 6 de agosto de 2015, Local, p. A6.

ELLIOT, Berguedof. São José, meu bairro!. Separata da Revista Arquivos. Nova série – número I – dezembro de 1976. Recife: s. ed., 1976.

FREYRE, Gilberto. Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife. 5ª ed. São Paulo: Global, 2007.

______. “95”. In Tempo de aprendiz: artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor: 1918-1926. Vol. II. Organização e nota de José Antônio Gonsalves de Mello. São Paulo: IBRASA; Brasília: INL. 1979.


GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco. Volumes III e IV. 2ª ed. Recife: CEPE, 2006.

GEDDES, Patrick. Cidades do amanhã. Trad. Mª José Ferreira de Castilho. Campinas: Papirus, 1994.

GUERRA, Flávio. “O Recife e o Conde da Boa Vista”. In Nilo Pereira et al. Um tempo do Recife. Recife: Arquivo Público Estadual, 1978.

HOGAN, Daniel J. et al. Cidades: usos & abusos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978.

Hora de mudança para São José. Recife: Folha de Pernambuco, 1º de junho de 2014, Cotidiano, p. 3.

KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

LEITE, Rogerio Proença. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Editora da Unicamp, s. d.

LUBAMBO, Cátia Wanderley. Bairro do Recife: entre o Corpo Santo e o Marco Zero. Recife: CEPE/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1991.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

MAGALHÃES, Aloisio. “É possível redesenhar as cidades?”. In Urbis – Revista de Urbanismo e Desenvolvimento. Ano 1. Vol. 1. Recife: Empresa de Urbanização do Recife, 1978.

MATOS, Amílcar Dória. Bairro de São José – Um itinerário da saudade. Recife: Comunigraf Editora/PCR, 1997.

MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. 3ª ed. Recife: Fundaj/Editora Massangana; Instituto nacional do Livro, 1987.

MENEZES, José Luiz Mota. “O Recife e sua arquitetura”. In Nilo Pereira et al. Um tempo do Recife. Recife: Arquivo Público Estadual, 1978.

MOISÉS, José Álvaro et al. Cidade, povo e poder. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

Ocupe Estelita promove ato. Recife: Jornal do Commercio, 11 de maio de 2015, Cidades, p. 12.

OUTTES, Joel. O Recife: gênese do urbanismo moderno 1927-1943. Recife: Fundaj/Editora Massangana, 1997.

PEREIRA, Nilo et al. Um tempo do Recife. Recife: Arquivo Público estadual, 1978. 

REZENDE, Antonio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2002.

SANTOS, Lúcia Leitão. Os movimentos desejantes da cidade: uma investigação sobre os processos inconscientes na arquitetura da cidade. Recife: Fundação de Cultura Cidade do recife, 1998.

SILVA, Leonardo Dantas. Recife: uma história de quatro séculos. Recife: Prefeitura Municipal do Recife, 1975.

SETTE, Mario. Seu Candinho da farmácia. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1984.

ZANCHETI, Silvio Mendes. “Desenvolvimento versus conservação urbana em Recife – Um problema de governança”. In César Barros & Evelyne Labanca Corrêa de Araújo (orgs.). Reabilitação urbana de centralidades metropolitanas: reflexões e experiências na América Latina do século 21. Recife: Zoludesign, 2006.


3 comentários:

  1. SOU NATURAL DO BAIRRO DE SÃO JOSÉ....VIVI ATÉ OS MEUS 14 ANOS NA RUA VIDAL DE NEGREIROS AO LADO DA IGREJA DO TERÇO.......UMA LÁSTIMA, MUITO TRISTE O QUE OS POLÍTICOS NÃO FAZEM POR NOSSA HISTÓRIA. UM FUTURO SEM PASSADO...SEM CULTURA...SENDO OS PERNAMBUCANOS O PRINCÍPIO DA HISTÓRIA DO BRASIL.

    ResponderExcluir
  2. Eu sou arquiteta, completamente a favor do projeto proposto para o cais José Estelita. A reurbanização do trecho em questão, que não é tombado como patrimônio histórico, é de uma importância para a reutilização de um local há muito obsoleto, ponto de tráfico, prostituição e drogas. O projeto não promove prejuízos históricos artísticos do local, e sim, reutilização satisfatória, obedecendo leis urbanísticas vigentes para a área e revivendo, atraindo usuários e turistas para a rota do centro histórico do Recife.

    A ocupação do trecho em questão por classes mais abastadas não significa o descaso com a população pobre, uma vez que a prática de invadir terrenos, construir em áreas "non edificantes", provocar incêndios criminosos para barganhar auxílios moradias e vender apartamentos cedidos pelo poder público (habitacionais) para poder reocupar áreas de risco e ganhar mais e mais auxílios e bolsas já virou rotina dentre os "trabalhadores" pobres. Existem aqueles que aproveitam as oportunidades com o recebimento de habitacionais e bolsas, sim, existem, mas a grande maioria dos "coitadinhos" fazem uso do ciclo vicioso para continuar barganhando dinheiro pago com nossos impostos e o poder público acaba sendo conivente para não perder os preciosos votos...

    O descaso com os monumentos históricos observados hoje no Bairro do Recife, Santo Antônio e São José são realmente lastimáveis mas nada tem a ver com projetos ditos "políticos", cada caso possui suas particularidades e o poder público não detém a responsabilidade de recuperação de imóveis deteriorados, cabendo aos proprietários fazer as devidas reformas e à prefeitura exigir que as mesmas sejam executadas.

    A continuidade da nossa cultura através da preservação histórica, não impedindo a evolução urbanística e melhorias de infraestrutura são essenciais para a nossa própria evolução como cidade e como cidadãos.

    ResponderExcluir
  3. Estava procurando na internet algo sobre uma vila onde morei dos dois dois aos seis anos de idade: a Vila Brasil que se situava entrando na segunda rua que corta a Imperial, sentido cidade/afogados, atravessava a linha do trem e lá estava ela. Era uma vila de dez casas, construídas por Burrione, uma construtora. A casa que morava beirava o Capibaribe e seu muro do quintal fazia fronteira com o Coque. Com a chegada do metrô e seus muros não há como chegar mais a esta vila, nem sei se existe mais. Muitas lembranças da praça Sérgio Loreto e da matriz de São José onde fiz primeira comunhão. Hoje tudo degradado. Parabéns pelo seu belo trabalho. Recife precisa ser melhor cuidada.

    ResponderExcluir