7 de fevereiro de 2015

Fui a Gameleira e me lembrei de vocês

Por Clênio Sierra de Alcântara



Fotos: Ernani Neves     A Igreja de Nossa Senhora da Penha foi edificada num ponto de onde se avista boa parte da cidade

Os registros mais antigos que nos informam do surgimento de Gameleira, cidade que dista a cerca de 93 km do Recife, dão conta de que sua origem está ligada à presença de elementos participantes da Revolução Praieira que, em 1848, partiram do litoral – a eclosão do movimento revolucionário se deu na capital pernambucana – e se instalaram no sopé da Colina Francisco Pinto (nome originário do seu primeiro proprietário e hoje uma zona suburbana do município), chefiados por José Pedro Veloso da Silveira, residente no Engenho Lages (posteriormente encravado na cidade de Ribeirão), que muito bem conhecia a região e era um entusiasta daquele movimento.


Primitivamente o território no qual a cidade foi se estabelecendo era ocupado pelos índios cariris e uruás. O seu nome se deve a presença de uma árvore chamada gameleira, que existia em abundância naquelas terras. Com o desbravamento das matas realizado por aqueles pioneiros, e a catequese dos índios, foi construído um promissor engenho de açúcar entre os sítios Boa Vista e Cachoeira Grande, localizado também em Gameleira.




Na Praça Agamenon Magalhães, onde  é armada a feira livre, se encontram também alguns dos principais estabelecimentos comerciais 







Com o fim da Revolução Praieira, um português chamado Oliveira Pelagem instalou-se no lugar denominado Salto e ali construiu cinco casinhas e se estabeleceu com uma mercearia; seu empreendimento comercial deu origem a afluência de moradores de áreas próximas que o procuravam para efetuar suas compras. Conta-se que, poucos anos depois, foi iniciada a construção da estrada de ferro que deveria passar por Gameleira com destino às margens do Rio São Francisco.

Enfático, em seu Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, Sebastião de Vasconcellos Galvão atribui o início do povoamento de Gameleira ao aparecimento da linha férrea:


O seu povoamento iniciou-se-se em 1860, pelo facto da construcção da E. F. do Recife ao São Francisco, e estabelecimento nesse ponto de uma estação. Sendo a 3ª secção da construcção da linha, emquanto se trabalhava na 4ª e ultima, ahi foi, durante algum tempo, um núcleo de movimento, já pela creação de uma feira, já por ser centro de algumas estradas.






A linha férrea em estado de abandono é apenas um dos indicativos do passado da cidade



O sobrado azul é a sede da Loja Maçônica Guardiões da Luz


O fato foi que a chegada da linha férrea fez com que moradores de localidades vizinhas se mudassem para Gameleira dando vulto e grande movimento ao lugarejo. Com a inauguração da estação da estrada de ferro nesse lugar, em 1860, não demorou para que, junto a ela fosse erguido um grande armazém para depósito de açúcar. Pronto, estava dado um passo enorme para a promoção do desenvolvimento do município.

Enciclopédia dos Municípios Brasileiros informa que o transporte da produção dos engenhos de açúcar que até então era feito com grande dificuldade para o porto de Rio Formoso, passou a ser feito pela via férrea:


Pouco depois surgiu entre os moradores a ideia da construção de um galpão coberto de telhas para realização de feira, o que foi feito após conseguida a necessária licença dos poderes competentes do município de Serinhaém, a que pertencia então o lugarejo. Logo em seguida foi providenciada a edificação de uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, a fim de atender ao espírito de religiosidade dos habitantes (EMB, vol. XVIII, p. 117-118).







Entrada da Loja Maçônica Guardiões da Luz







O prédio da Bomboniere Gameleira tem em suas entradas ares de edificações árabes, não é?







O desenvolvimento de Gameleira atraiu também a visita dos frades capuchinhos que estavam empenhados na catequese dos índios e na construção de um colégio em Bom Conselho. Liderados por Frei Fidélis, os capuchinhos arregimentaram um contingente considerável com vistas a erguer uma igreja que é hoje a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha, que foi inaugurada em 1867, tendo sido o seu primeiro vigário o Padre Augusto Franklin.











Como distrito Gameleira foi criado pela Lei provincial nº 763, de 11 de junho de 1867. Com o mesmo nome, o município foi estabelecido pela Lei provincial nº 1057, de 7 junho de 1872, com território desmembrado do município de Serinhaém, tendo sua instalação ocorrido em 13 de dezembro do ano seguinte. Vinte e quatro anos depois, a Lei estadual nº 153, de 10 de abril de 1896, concedeu à sede municipal o predicamento de cidade. Na “Divisão Administrativa, em 1911”, Gameleira, como município, aparece constituído por dois distritos: Gameleira e Ribeirão. Já no quadro da divisão administrativa concernente a 1933, publicado no Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o município aparece com os distritos de Gameleira, José da Costa e Cuiambuca.















Nos quadros da divisão territorial datados de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937, bem como no anexo ao Decreto-lei nº 92, de 31 de março de 1938, Gameleira é apresentado com a mesma configuração verificada em 1933, assim permanecendo na divisão territorial judiciário-administrativa vigente no quinquênio 1939-1943, fixada pelo Decreto-lei estadual nº 235, de 9 de dezembro de 1938. Conforme a divisão territorial do Estado, estabelecida pelo Decreto-lei estadual nº 952, de 31 de dezembro de 1943, para vigorar no quinquênio 1944-1948, o município continua a constituição estabelecida em 1933; configuração essa ratificada pela Lei estadual nº 1819, de 30 de dezembro de 1953.

Esta foto e as duas seguintes foram feitas a partir da Igreja de Nossa Senhora da Penha. Lá longe se vê o canavial que envolve a pequena Gameleira











Dados coletados em 1956 informam que naquele ano existiam cinquenta logradouros no município; que nas zonas urbana e suburbana existiam 1.127 prédios e 34 logradouros com iluminação pública e domiciliar; que havia 392 ligações elétricas e 111 domicílios servidos por abastecimento de água canalizada. Naquele ano a cidade contava com dois cinemas e quatro hotéis. Ainda em 1956 a Coletoria Estadual registrou dois automóveis e dez caminhões...


















Foi por um erro de rota que eu acabei chegando à Gameleira no dia 16 de outubro de 2013. O meu destino era bem outro; mas devo-lhes dizer que estar ali foi como se, na verdade, eu precisasse mesmo passar por aquela singela cidade antes de seguir numa longa jornada. E depois que eu cheguei a chuva também chegou.

A paisagem de canavial, com seu verde muito vivo, domina o entorno da modesta Gameleira. Os caminhões da usina vencem estradas esburacadas e ditam o ritmo de um cotidiano que parece estar parado no tempo.



Na Rua José Barradas se encontram alguns dos principais prédios da cidade como a Prefeitura, a Biblioteca Municipal e a Escola Estadual Nossa Senhora da Penha



Escola Estadual Nossa Senhora da Penha


















Entro numa cidade com anseio de descoberta. E ora meus olhos se deslumbram, ora eles se espantam. Engana-se tremendamente quem pensa que quem vê uma pequena cidade do interior nordestino, vê a representação de todas as outras. Por mais semelhanças físicas, por mais carências que elas compartilhem, cada cidade é mundo particular a ser conhecido. Andar com vagar por uma cidade e ir aos poucos interagindo com sua gente – existe algo mais fascinante do que gente? – é um exercício dos mais estimulantes para alguém que, como eu, conduz sua vida alternando o desafio da aventura com a necessidade também premente da rotina.





Elizângela Mendes esbanja beleza e simpatia no Restaurante Bem Bolado




A Praça Agamenon Magalhães é, pode-se dizer, o ponto mais pulsante de Gameleira. É ali que ocorre a feira livre e se encontra o prédio da Coletoria Estadual. E onde está localizada a maior parte de seu comércio, como a Bomboniere Gameleira e a Gameleira Distribuidora que exibe um slogan digno de metrópole: “Ideas for your home”. Não é demais?!


Atravessando a praça passei pela Loja Maçônica Guardiões da Luz, cheguei ao Estádio Municipal Aviador Djalma do Rego Barros e vi a linha férrea cortando as cercanias da cidade, como a indicar um tempo que foi de prosperidade. Senti certa melancolia naquele ponto. Foi como se ali eu tivesse percebido que algo de muito valor para a cidade se perdeu completamente.








Chegada a hora do almoço observei que o comércio começou  a fechar as suas portas. Curioso isso. Foi a primeira vez que eu presenciei algo assim. Parecia que se estava encerrando o expediente do dia.

Parti junto com Ernani Neves em busca de um lugar para almoçar. E acabamos nos acomodando no simples e bom Restaurante Bem Bolado, na Praça Marquês de Olinda. A atendente simpaticíssima Elizângela Mendes me fez pensar que os holandeses adentraram no interior pernambucano no século XVII e deixaram descendentes por lá. Natural de Vitória de Santo Antão, Elizângela avaliou que Gameleira precisa melhorar bastante em todos os aspectos. Pedi-lhe que se deixasse fotografar para o blog e ela não se fez de rogada. Foi lá dentro realçar o batom e soltar os cabelos; e voltou para os cliques ainda mais bonita.

Dirigimo-nos até a Igreja de Nossa Senhora da Penha, a padroeira da cidade que é festejada no mês de janeiro. Do alto da colina onde foi erguido o templo tem-se uma visão de grande parte da cidade. A bem da verdade é como se toda a Gameleira pudesse ser vista daquele outeiro.







Percorri diversas artérias dessa cidade, como a Rua José Barradas, onde estão localizadas a Prefeitura, a Biblioteca Municipal e a Escola Estadual Nossa Senhora da Penha. Gameleira goza ainda do privilégio de possuir inúmeras ruas estreitas que convidam para passeios a pé. E é uma pena que por lá existam poucas edificações que conservam vestígios de tempos remotos em suas fachadas. De certo modo – e o descuidado Mercado Público pareceu me confirmar isso – é como se reinasse naquele lugar um total desapego para com as coisas do passado. Alguns pontos da cidade apresentavam sinais de abandono.

O carro pegou a estrada. O vento dobrava a folhagem da cana. E Gameleira foi aos poucos sumindo no retrovisor na mesma velocidade com que se abrigava para sempre nos escaninhos da minha memória.


14 comentários:

  1. Minha querida Gameleira, terra de meu ilustre avô:Manoel Estêvão Rodrigues, onde era muito feliz na minha infância, quando lá ia passar alguns dias de férias.

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  2. Vlw muito a pena ler tudo!! Obrigado!!

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  3. Parabéns pela aula de Historia dessa Querida e amada cidade...

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  4. Me entristece ver o abandono de minha cidade. Mas, me alegra ver meu povo sobrevivendo aos temporais que ai chegam.

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  5. nossa cidade e linda bela gameleira adoro vc sua linda

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  6. Eita cada foto massa! Deu saudade de tantas coisas, de pessoas que partiram, de momentos inesquecíveis, da parte da família que ainda reside lá... Eita que saudosismo danado...

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  7. O berço que me acolheu quando nasci. Amo a minha querida Gameleira.

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  8. Saudades da minha Cidade, do colégio N.S. da Penha ,que abondono. O Estádio que tem o nome do meu tio aviador Djalma do Rêgo Barros soube tambem está de fazer do. A igreja da Penha como sempre linda e sua ladeira Flórida.
    Sra prefeita cuide da nossa cidade Histórica.

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  9. Nostalgia! Como eu te amo minha Gameleira . Minha raiz,minha origem. Vivi minha infancia, e tenho todos os momentos incrustado na alma, é so fechar os olhos pra te sentir! Que saudade!

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  10. Cara que material incrível. Parabéns! Uma fonte histórica para as futuras gerações!

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  11. passei todas as ferias da minha infacia e adolececia em gamileira ,foi maravilhoso ,que saudades .Faz anos que nao apareco em gamileira

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  12. Gostei de saber um pouco mais da minha cidade. Valeu a pena ler tudo

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