26 de dezembro de 2012

Seguindo os trilhos de Sapé

Por Clênio Sierra de Alcântara



Fotos: Ernani Neves




As narrativas históricas nos dão conta de que, primitivamente, em tempos pré-coloniais, o território que hoje constitui o município de Sapé, na Paraíba, era habitado pelos índios potiguares. Os primeiros europeus ali chegaram nos anos iniciais do século XVII; e com eles começaram a ser erguidos os engenhos de açúcar que se tornariam a base da economia do lugar.

No último quartel do século XIX – precisamente em 1882 – o avanço da Estrada de Ferro Great Western fez com que fosse construída ali uma estação que, diz-se, foi como que o motivo para a fundação da dita cidade, porque, junto com a estação, logo foram surgindo outras edificações que, dentro de poucos anos, formou um povoado.

Conta-se que um dos fundadores da povoação foi o português Manuel Antônio Fernandes, que durante vários anos exerceu na localidade os cargos de Delegado de Polícia e de Juiz de Paz; e que coube a Simplício Coelho a construção da primeira capela da comunidade, talvez no mesmo lugar onde, em 1901, levantou-se a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira dos sapeenses que seguem a doutrina católica.

De acordo com a divisão administrativa do Brasil referente a 1911, Sapé figurava como um dos quatro distritos que compunham o município de Espírito Santo, que fora criado pela Lei estadual nº 40, de 7 de março de 1886. Catorze anos depois, por força da Lei estadual nº 627, de 1º de dezembro, a sede do município foi transferida para Sapé, elevada, então, à categoria de vila. Em 1933 Espírito Santo aparece na divisão administrativa constituído de um só distrito – o da sede; mas, apenas três anos depois, na divisão territorial de 31 de dezembro de 1936, apresentava-se com dois distritos: Sapé e Araçá. Transcorrido exatamente um ano, o município se compõe unicamente do distrito do seu nome, considerado termo judiciário da comarca de Mamanguape, permanecendo assim no quadro da divisão territorial judiciário-administrativa do Estado, fixado pelo Decreto-lei estadual nº 1164, de 15 de novembro de 1938, quando, novamente, passou a dois distritos: Sapé e Araçá (este último foi criado pela Lei estadual nº 424, de 28 de outubro de 1915, e, apesar disso, não aparece em algumas divisões posteriores a essa data).

O Decreto-lei estadual nº 29, de 10 de abril de 1940, criou a comarca de Sapé, com o termo de igual nome, desanexada da de Mamanguape. O volume XVII da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros nos informa ainda que, segundo o quadro territorial vigente em 1944-48, estabelecido pelo Decreto-lei estadual nº 520, de 31 de dezembro de 1943, o termo de Sapé é o componente único da comarca desse nome, notando-se apenas que, nesse quinquênio, o distrito de Araçá se denomina Mari. Finalmente, pela Lei nº 318, de 7 de janeiro de 1949, nenhuma alteração territorial sofreu o município.







Distando a cerca de 65 km de João Pessoa, o município de Sapé apresenta uma fisionomia um tanto quanto atrasada, quando se leva em conta sua proximidade com a capital do estado. Percorri grande parte do seu território em duas visitas que fiz à cidade em setembro e em outubro passados.

Quando tomei a Av. Comendador Renato Ribeiro Coutinho, que corta a área central da cidade, e que concentra o grosso do seu comércio, duas coisas particularmente me chamaram a atenção. A primeira foi a constatação de que, apesar de ser, talvez, a mais antiga artéria do lugar, quase não se encontram nela prédios com fachadas que sejam testemunhos de um passado distante; a Igreja de Nossa Senhora da Conceição está ali, o Hotel Central, onde me hospedei, também, mas, afora eles, são poucas as residências e um e outro estabelecimento comercial que ainda guardam vestígios arquitetônicos de um tempo pretérito. A segunda – e talvez mais contundente -, foi a que denominei de verdadeira e absurda segregação urbana: um trecho da avenida não recebeu a intervenção paisagística que a Municipalidade imprimiu àquele onde estão instalados as lojas, os bares e restaurantes e demais unidades comerciais. É um horror. O trecho deixado de lado é predominantemente residencial: lá, o canteiro central não foi modificado; lá, não foram implantados postes de iluminação pública modernos; lá, não existe grande circulação de carros; lá, o comércio não se estabeleceu; lá, a cidade tem outra cara: é feia e descuidada.



























Conheci uma iniciativa bem acertada: na Praça João Úrsulo foi implantada uma academia de atividades físicas ao ar livre. O entorno dessa praça – a exemplo do da Praça João Pessoa, noutro ponto da cidade – é marcado por ruas largas e pavimentadas, que conferem a essa área um aspecto organizacional muito atraente, uma vez que o traçado de várias vias que atravessei não era muito convidativo para a circulação de carros.

À noite o clima de Sapé é bem agradável. Saí para jantar sentindo uma brisa fria roçando meu rosto. De alguma maneira as cidades adquirem um certo encanto quando anoitece.






Costuma-se dizer que é nos subúrbios que as cidades revelam suas verdadeiras faces. Em geral territórios esquecidos pelos administradores municipais, esses lugares encerram os piores dramas – é preciso sempre enfatizar isso – que podem ser vivenciados pelos moradores de espaços citadinos: ruas sem pavimentação; ausência de equipamentos urbanos como praças e outras áreas de lazer; precariedade do serviço de coleta de lixo; falta de saneamento básico e de abastecimento regular de água potável... Não se pode dizer que se conheceu uma cidade sem ter ido aos seus subúrbios, porque são neles que podemos encontrar, muitas vezes, o que ela tem de mais autêntico.

















O que me levou a Sapé foi – além da minha condição de explorador urbano e de caçador de outra época – o desejo de ir conhecer as terras do Engenho Pau d’Arco, onde nasceu o seu filho mais ilustre – o poeta Augusto dos Anjos. Não esperava que a figura de Augusto fosse tratada com tanta reverência pelas gentes do lugar; e, constatar isso, me deixou radiante. O autor dos “Versos íntimos” está na Câmara Municipal, que se apresenta como Casa de Augusto dos Anjos, e o estampa num bonito mosaico fixado na fachada do prédio; na Praça Temática Augusto dos Anjos, situada na Av. Comendador Renato Ribeiro Coutinho; e até numa casa lotérica, na mesma avenida, que, além de trazer o nome dele, expõe uma foto sua no salão.


















































É ainda na principal via de Sapé – a Av. Comendador Renato Ribeiro Coutinho – que se encontram os trilhos da velha estrada de ferro que tanto dinamismo econômico imprimiu ao cotidiano dessa cidade. Em mim esses trilhos fizeram evocar aquelas gravuras antigas que exibem as locomotivas carregadas de gente e de mercadorias, portando-se, as máquinas, como a força mais potente do progresso. A linha férrea de Sapé hoje guia tão-somente um trem imaginário chamado lembrança.


14 comentários:

  1. Muito interessante o modo como descreve a cidade dos meus ancestrais. Uma leitura agradável que faz a mente viajar pelos lugares descritos. Você tem algum livro sobre cidades publicado? Nícola Valone (nicolavalone@gmail.com)

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  2. Muito interessante o modo como descreve a cidade dos meus ancestrais. Uma leitura agradável que faz a mente viajar pelos lugares descritos. Você tem algum livro sobre cidades publicado? Nícola Valone (nicolavalone@gmail.com)

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  3. Minha mãe nasceu nesta cidade. Saiu daí para Mamanguape,com 18 anos trabalhou na Fábrica de tecidos Rio Tinto, em Rio Tinto . Veio para o Rio de Janeiro em 1958 e está até hoje. Tem 81 anos. Sente saudades. Dona Josefa A. da Silva. Por Rita Cruz (filha) ritacruzribeiro@yahoo. com.br

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  4. ´Gostei muito de encontrar este trabalho.Minha avó materna nasceu nesta cidade, na Fazenda Antas do Sono, onde muito mais tarde ocorreria o evento trágico da atuação da família Teixeira nas Ligas Camponesas. O impasse perdura até hoje,com trabalhadores instalados precariamente em Barras de Antas e Antinhas. Estive lá em busca de informações dos meus antepassados.Minha mãe nasceu em João Pessoa, após o casamento de minha avó Maria Soares com meu avô João Bento, em 1923. Em 1946 minha mãe casou-se, viajou para Recife e retornou; viajou para Salvador e de lá para o Rio de Janeiro, em 1955. Retornaram, ela meu pai, uma irmã e duas sobrinhas, em 1992. Mamãe ainda está viva, contando 93 anos completados em 08/12/2017. Curiosamente, ela nasceu no dia da padroeira da cidade. No entanto, meus avós já se haviam convertido ao protestantismo.Pretendo retornar a Sapé para encontrar uma descendente da família que ainda reside lá.

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  5. Meu saudoso Pai nasceu nessa cidade, em 1931. Ele e seus dois irmãos rumaram ao Rio de Janeiro ainda no final da década de 40 e início da década de 50. Dos três, um deles, meu Tio Antônio, faleceu em 1985. Meu Pai, Seu Rafael, faleceu em 2001. E, na última sexta-feira, dia 23 de março, faleceu o terceiro dos três irmãos, o também querido Tio Inácio. No dia do sepultamento do Tio Inácio, descobri que eles têm duas irmãs que ainda residem na cidade. Elas se chamam Alzira e Palmira. Queria muito conhecê-las. Antes de falecer, meu Tio falou que na cidade tem um bar que as pessoas o identificam como Bar do Antonio. Se alguém soubesse o contato telefônico do bar para me passar, serei eternamente grato. luizrubro@bol.com.br

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  6. 6 anos após, algumas coisas mudaram aqui em Sapé, A escola Gentil Lins (que aparece) esta totalmente reformada, a Av.Com.Renato R.Coutinho na parte "esquecida" esta asfaltada e virou um binário.

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  7. Com imensa satisfação encontrei esse artigo que trata sobre a minha querida e amada cidade natal, onde nasci e ainda tenho familiares e amigos. Cidade muito bonita e aprazível para se morar. Hoje resido no Rio de Janeiro, como muitos conterrâneos. Mas, as raízes sapeenses me sustentam.

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  8. Parabéns pela grande contribuição ao resgate da história da Paraíba, em especial a esse grande homem e mais ilustre da cidade de Sapé, Augusto dos Anjos.

    Janildo Sales, filho de Eugênia Sales, nascida em Sobrado - PB.

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  9. Que bonito ver esse artigo da minha linda e amada, onde Augusto fez tanto versos.
    Um lugar sempre de paz, quando posso sempre volto pra rever minha família e amigos.

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  10. GOSTARIA DE TER MAIS INFORMAÇÕES À RESPEITO DESTA CIDADE E DE SEUS ENGENHOS ONDE FORAM ESCRAVOS MEUS ANTEPASSADOS, MEU PAI FILHO DE ESCRVA ALFORRIADA... SOBRENOME FERNANDES,AOS 73 ANOS, RESOLVI ESCREVER A MINHA HISTÓRIA E DE MEUS AVÓS, BISAVÓS TETRAVÓS ETC... E DESCOBRIR AS MINHAS RAÍZES... À POUCOS ANS ATRÁS, FIQUEI SABENDO QUE MEU PAI, NA VERDADE, NASCEU NA PARAÍBA, NA CIDADE DE SAPÉ, CHEGOU AO RJ, EM UM PORÃO DE NAVIO, AOS 7 ANOS DE IDADE...

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  11. SOU ESCRITORA E POETA, PEDAGOGA E TRABALHO HÁ 50 ANOS COM CULTURA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

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  12. Na época em que escrevi o artigo não tinha tido contato com o livro Sapé: sua história, suas memórias, do Sabiniano Maia, que indico para quem quiser ter mais informações sobre essa cidade da qual também escrevi um artigo sobre sua feira livre

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  13. Sou descendente de Simplício Coêlho. Estou construindo minha árvore genealógica e a única coisa que encontrei sobre ele é que construiu a primeira capela de Sapé. O livro Sapé: sua história,suas memórias está disponível onde, sabe informar?

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  14. Boa noite, Zilda! O Sebo Cultural, que fica na Av. Tabajaras, em João Pessoa, está com exemplares à venda. Esse livro não é fácil de aparecer. Sugiro que você o adquira o quanto antes. Localizei pela Estante Virtual, um site que reúne sebos

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