23 de dezembro de 2011

Um olhar francês sobre Brasília Teimosa

Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos de Benoît Doncoeur do site:  http://www.benoitdoncoeur.com


Como integrante da equipe multidisciplinar - antropólogo, arquiteta, historiador e fotógrafos - que está tocando o projeto "Delícias da Comunidade", que, depois de passar pelo bairro da Bomba do Hemetério, aportou em Brasília Teimosa, tenho empreendido incursões por essa comunidade fluvial e talássica do Recife com o fito de percorrer seus logradouros, visitar seus equipamentos urbanos, me inteirar de sua dinâmica cotidiana, colher depoimentos de pessoas que têm uma ligação duradoura com esse espaço e de tomar parte nas vivências desse lugar, intencionando, com isso, conhecê-lo de modo mais abrangente.




Na segunda-feira, 19 de dezembro, numa reunião com a diretoria da Colônia de Pescadores Z-1, fui informado que ocorreria uma exposição fotográfica sobre Brasília Teimosa - cujo material fora produzido por um francês na década de 80 - na Paróquia Coração Imaculado de Maria, localizada na Rua Carapeba nesse bairro. Eu não poderia perder a oportunidade de comparecer ao evento, porque, além de conhecer os registros fotográficos, eu pretendia também manter um bate-papo descontraído com o autor das imagens. Ainda na segunda-feira, após o almoço, fomos, eu e a fotógrafa Roberta Guimarães, prestigiar o acontecimento. Contudo, quando lá chegamos, ficamos sabendo que a abertura da exposição só iria ocorrer no dia seguinte; e que, na verdade, o local de sua instalação seria numa casa onde durante certo tempo funcionou o Centro Social Urbano.


Benoît Doncoeur




Pouco depois das 17:00 h, da terça-feira, eu estava de volta ao Largo Padre Jaime. Afixado na parede frontal daquela casa um cartaz anunciava: "Exposição Fotográfica Memória de Brasília Teimosa - 1983". Uma equipe da TV Clube fazia a cobertura do evento que, pelo menos durante a minha permanência, contou com alguns poucos visitantes - depois, eu ficaria sabendo que a abertura da exposição ocorrera havia pouquíssimo tempo; e que um carro de som estava circulando pelo bairro dando notícia do acontecimento e convidando a todos para irem prestigiá-lo.


A  kombi que fez a divulgação da exposição no bairro


As antigas palafitas de Brasília Teimosa


Olhei com bastante curiosidade as fotografias expostas. Percebi uma alegria estampada em rostos que encontravam naqueles registros de décadas passadas outros rostos por eles conhecidos. As pessoas que circulavam naquela pequena sala, examinando com atenção os álbuns, pareciam estar ali em busca de algo que se perdeu. Ouvi comentários do tipo: "Esse daqui já morreu"; "Essa mulher morava lá perto de casa".


 

Para mim todo bom fotógrafo é um artesão do olhar. É alguém que consegue captar com muita sensibilidade - seja uma natureza morta, seja uma natureza viva - a vida acontecendo. Há, pois, na fotografia mais do que "um instante eternizado", há um flagrante da simbiose da sensibilidade com a educação do olhar.

Enquanto o fotógrafo Benoît Doncoeur concedia uma entrevista, fiquei a conversar com a bem articulada Zuleide da Silva, que faz parte do Centro de Educação Popular Mailde Araújo (CEPOMA), que foi criado em 1982. Falou-me com entusiasmo da presença do fotógrafo francês no bairro; e, também, do importante papel de líder social que fora desempenhado pelo Padre Jaime na comunidade.

 No momento oportuno eu me apresentei ao Benoît Doncoeur. Muito simpático e atencioso conversou comigo durante um bom tempo. Engenheiro agrônomo de formação, contou que sua ligação com a fotografia é uma coisa  que simplesmente aconteceu, é uma paixão; que nunca pretendeu ganhar dinheiro com seus registros; e que, embora não tenha tido o propósito de fazer arte, hoje, enxerga, sim, algo de artístico em várias de suas fotografias, principalmente naquelas em que personagens anônimos foram eternizados em closes. Mostrou-me o que a mim pareceu ser para ele alguns dos seus melhores olhares, como a fotografia em que aparecem umas pessoas risonhas num cenário bastante revelador da pobreza do lugar; e uma outra, em que uma mulher aparece, de costas para o espectador, caminhando numa rua que é o avesso de um cartão-postal.






Falando num português impecável, Benoît me contou ainda quando se deu o seu encontro com Brasília Teimosa: ele veio para o Recife em janeiro de 1983, aos 24 anos, numa espécie de intercâmbio, para trabalhar na Sudene durante dezoito meses. Na ocasião surgiu uma oportunidade de ele ficar hospedado com uns seminaristas, na então muitíssima pobre comunidade recifense, e ele aceitou-a sem hesitar. E, empunhando sua câmera, saiu fotografando o que lhe dava na telha, durante os passeios pela orla e pelas ruas do bairro. Enquanto me dizia essas coisas, mostrou-me registros do Carnaval, de quadrilhas juninas, de crianças na praia, de manifestações de protesto dos pescadores... Ele fez questão de destacar que também esteve em Olinda, em Itamaracá e que percorreu o Sertão e a Zona da Mata nordestina.





O historiador Oswaldo Pereira da Silva



O cinegrafista da TV Clube


Muito legal as pessoas se reconhecendo nas fotos


Sou eu, à direita, com uma bolsa a tiracolo


Benoît Doncoeur





Exibição das fotos na rua


Benoît Doncoeur e seu filho Paul Erwan
  
O lugar-comum é dizer que o outro, o estrangeiro, revela de nós aquilo de que não nos apercebemos, porque é um olhar de fora, um olhar curioso, perscrutador; um olhar de muita procura porque é indagador do que lhe é percebido como diferente, inusitado, espantoso e eu diria até incompreensível. O acervo de Benoît Doncoeur constitui um rico e harmonioso conjunto de flagrantes do universo múltiplo e recalcitrante de Brasília Teimosa que merece não apenas ser preservado, mas também ser dado a conhecer por todos aqueles que compreendem - ou não - que os fios da trama da História são deveras resistentes, daí por que eles acompanham o transcorrer do tempo.

Enchanté, Benoît Doncoeur!

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