1 de setembro de 2012

Tejucupapo em dois tempos


Por Clênio Sierra de Alcântara


Salve, salve! terra querida,
guarnecida de findos florões!
Berço augusto de heróis sublimados,
denodados, ilustres varões!

Salve! a mais gloriosa trincheira
da fé brasileira no ardor varonil!
- onde vovó com o filho guapo,
em Tejucupapo, salvou o Brasil! [...]

                                   Hino de Goiana. Letra e música de Álvaro Alvim da Anunciação


Fotos: Ernani Neves



A viga do patriarcalismo é ainda tão forte na sociedade brasileira, que o fato de uma comunidade render louvores a um grupo de mulheres é algo realmente digno de espanto, sobretudo quando se tem em conta que no Brasil, como um todo, lei nenhuma conseguiu arrefecer ainda o alto número de registros de ocorrências de episódios de violência contra elas.




Capela de Nossa Senhora do Rosário






Ainda durante minha exploração do território goianense, eu cheguei ao distrito de Tejucupapo, um lugar onde ocorreu, em abril de 1646, segundo as crônicas históricas, grande embate entre brasileiros e holandeses; ocasião na qual, agindo com invejável destemor, várias mulheres se muniram com água quente, pimenta, chuços e enxadas, e botaram os invasores para correr. O feito elevou as tais guerreiras à condição de “heroínas de Tejucupapo”. A narrativa já foi motivo de um curta-metragem; e, em 1993, ensejou o início de uma encenação teatral da dita batalha no local conhecido como Monte das Trincheiras, na Fazenda Megaó de Cima, à qual, infelizmente, não tive acesso.









As ruas de Tejucupapo me fizeram recordar o tempo de eu menino, em minha cidade natal, brincando em seus recantos simples – como são simples todas as cidades da infância -, sem temer o transcurso das horas; e me regalando naquela falta de consciência do futuro. A recordação talvez me tenha chegado por eu ter reconhecido naquela paisagem o desenho mesmo do meu lugar de origem. As ruas de Tejucupapo são singelas como quase todas as ruas que eu percorri em tempos idos. O que muda é a história. O que muda é o convívio mais intenso que eu tive com as da minha meninice.










O flagrante do esgoto a céu aberto não é apenas o retrato mais contundente do atraso de cidades e de lugares modestos como Tejucupapo. O esgoto correndo a céu aberto, evidenciando uma imundície que nós outros queríamos ver encoberta, é a constatação da inteira falta de compromisso dos governantes para com o bem-estar de seus governados. Saneamento básico, rede coletora de esgotos e aterro sanitário deveriam ser prioridades das políticas públicas deste país, assim como a educação, a saúde e a segurança. Não é Goiana, em geral, e nem Tejucupapo, em particular, que simboliza a ferida braba do descaso que quer comer tudo ao seu redor. O esgoto corre a céu aberto em praticamente todo o país, sem que assistamos à elaboração de um projeto de erradicação desse mal.






De verdade não foi isso o que me chamou mais a atenção em Tejucupapo; o assunto me veio como um desabafo, porque eu não deixei de ser suburbano, e, por conseguinte, não me livrei ainda das agruras das ruas enlameadas e fétidas. Foi a história das mulheres valentes que me levou para lá; e, mais do que isso – até porque valentes são todas as mulheres que conseguem viver com dignidade em meio a uma sociedade tão misógina como o é a do mundo monoteísta -, foi o caráter de louvação ao que elas fizeram, foi a celebração como reconhecimento delas enquanto integrantes da história do lugar, que provocou em mim a ânsia de conhecer esse pedaço de Goiana.








Foi num sábado que eu conheci Tejucupapo. Vi muita gente nas ruas. Abri um sorriso ao flagrar uma casa sendo enfeitada para uma festinha de criança. Passei pela Praça Jacques Essinger defronte à Capela de Nossa Senhora do Rosário. Mirei curioso os pouquíssimos edifícios de feições mais antigas que restaram de seu passado... E agora, que resolvi pôr em ordem as lembranças daquele dia, chegou para mim, exigindo registro – algo que não farei de todo, porque o momento não é apropriado -, um testemunho de muita lucidez do grande artista goianense Zé do Carmo, que ouvi numa das visitas que lhe fiz: o agente que durante décadas muito lutou para ver Goiana quase parada no tempo, estagnada economicamente, sujeitando os filhos da terra a uma esmola travestida de benfeitoria social, partiu para nunca mais. Hoje o povo goianense vê, para além dos canaviais, um prenúncio de progresso.







Louvemos as “heroínas de Tejucupapo”! Louvemos a crença de um futuro de prosperidade para Goiana!

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