2 de novembro de 2012

Em defesa do patrimônio




Por Clênio Sierra de Alcântara



“O patrimônio reconhece-se pelo fato de
 que sua perda constitui um sacrifício e
 que sua conservação pressupõe sacrifícios”.
   
                                                     André Chastel





Na noite do dia 27 de setembro passado, a Sala Aloísio Magalhães, na Fundação Joaquim Nabuco, campus Derby, no Recife, recebeu a historiadora francesa Marie-Charlotte Belle, que apresentou a conferência “A valorização do patrimônio como desafio”, por iniciativa da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Meca). O evento constituiu o VI Encontro Temático de Patrimônio; e foi integrado à VI Primavera dos Museus.


Fotos: o autor do texto



Marie-Charlotte dividiu sua explanação em quatro pontos – 1º) Valorização patrimonial promotora do desenvolvimento local; 2º) Desafio do patrimônio rural face à urbanização; 3º) O patrimônio como vantagem das metrópoles; 4º) O patrimônio natural como desafio territorial em meio urbano -; e ao longo de sua abordagem citou exemplos concretos de ações de revitalização que haviam sido realizadas, de intervenções que estavam em andamento e também projetos que ainda serão postos em prática. 

Dentro do primeiro tópico ela apontou o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, como exemplo de local que enfrenta problemas com o desenvolvimento e a urbanização do seu entorno. Disse que, em todo caso, o lugar é cercado por uma estrutura que não limita a região ao parque no sentido de vê-lo apenas como um território científico, de preocupação apenas científica. Recorrendo a algumas imagens ela mostrou aspectos da revitalização do bairro de Bercy, em Paris, como exemplo do que denominou de “revitalização pelo lazer”; o marselhês bairro de Le Panier foi mostrado para exemplificar o caso de “revitalização pela habitação”; já Les Docks, também na capital francesa, passou por uma “revitalização pelo business”; enquanto os bairros cariocas Madureira-Campinho serviram como exemplos de uma “revitalização pela destruição”. Sua avaliação é de que “Não é preciso recriar uma identidade para uma área revitalizada, porque essa identidade já existe”.






O projeto de reestruturação do Engenho Massangana, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul de Pernambuco, que foi iniciado em 2008, foi mostrado no enfoque do segundo tópico. Marie-Charlotte lembrou que esse engenho, onde o abolicionista Joaquim Nabuco passou a infância, está inserido numa área de grande movimentação industrial; e é submetido a muitas pressões. Neste ponto ela destacou a importância da preservação do patrimônio histórico, porque ele é o registro de uma época; e defendeu a promoção da educação patrimonial como meio de difusão de preservação desses bens.

Ao abordar o terceiro tópico a historiadora francesa, sempre muito serena, enfatizou que as cidades que detêm patrimônios históricos são possuidoras de um “plus”, de um algo a mais que elas devem explorar da melhor forma possível como atrativos para promover seu desenvolvimento.

Na análise do último tópico, Marie-Charlotte defendeu a ideia de que o patrimônio natural pode ser inserido na estrutura urbana, uma vez que ele pode oferecer visibilidade à cidade, atrair visitantes dentro da perspectiva de um “marketing territorial”.







Durante a conferência de Marie-Charlotte eu continuei mentalmente batendo naquela tecla incômoda da falta de comprometimento de grande parte da população brasileira para com a proteção do patrimônio histórico, particularmente para com os imóveis antigos que servem como residências. Afora parte dos próprios moradores, que enxergam tais prédios como coisas velhas e sem valor que impedem e/ou atrapalham o desenvolvimento local, o patrimônio ainda sofre com pressões advindas das poderosas empresas de construção civil que cobiçam tais áreas para nelas erguerem seus empreendimentos residenciais e/ou comerciais, o que me leva a conjeturar que, naqueles casos em que vemos imóveis em centros históricos em vias de desabarem, eles são, na verdade, deixados à própria sorte propositadamente, para que desapareçam da paisagem e possibilitem a construção de um edifico moderno no terreno vazio.

Em seu livro Uma história do patrimônio no Ocidente, Dominique Poulot diz que “Ao olhar instruído, o monumento ou as ruínas oferecem o livro aberto da história”. Por seu turno, Marie-Charlotte enfatizou que “Não podemos pensar o patrimônio como museu, mas como algo que está também em desenvolvimento”. São visões complementares. Compreendo que a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural de uma cidade, de um país, não cabe ou não deve caber tão-somente aos órgãos públicos, mas também a cada um de nós, à população como um todo, porque o patrimônio é de todos; deve sempre prevalecer o entendimento de que patrimônio protegido é patrimônio que também será conhecido pelas gerações futuras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário