Por Clênio Sierra de
Alcântara
“O patrimônio reconhece-se
pelo fato de
que sua perda constitui um sacrifício e
que sua conservação pressupõe
sacrifícios”.
André Chastel
Na noite do dia 27 de
setembro passado, a Sala Aloísio Magalhães, na Fundação Joaquim Nabuco, campus
Derby, no Recife, recebeu a historiadora francesa Marie-Charlotte Belle, que
apresentou a conferência “A valorização do patrimônio como desafio”, por
iniciativa da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Meca). O evento
constituiu o VI Encontro Temático de Patrimônio; e foi integrado à VI Primavera
dos Museus.
Marie-Charlotte dividiu sua
explanação em quatro pontos – 1º) Valorização patrimonial promotora do
desenvolvimento local; 2º) Desafio do patrimônio rural face à urbanização; 3º)
O patrimônio como vantagem das metrópoles; 4º) O patrimônio natural como
desafio territorial em meio urbano -; e ao longo de sua abordagem citou
exemplos concretos de ações de revitalização que haviam sido realizadas, de
intervenções que estavam em andamento e também projetos que ainda serão postos
em prática.
Dentro do primeiro tópico
ela apontou o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, como exemplo de
local que enfrenta problemas com o desenvolvimento e a urbanização do seu
entorno. Disse que, em todo caso, o lugar é cercado por uma estrutura que não
limita a região ao parque no sentido de vê-lo apenas como um território
científico, de preocupação apenas científica. Recorrendo a algumas imagens ela
mostrou aspectos da revitalização do bairro de Bercy, em Paris, como exemplo do
que denominou de “revitalização pelo lazer”; o marselhês bairro de Le Panier
foi mostrado para exemplificar o caso de “revitalização pela habitação”; já Les
Docks, também na capital francesa, passou por uma “revitalização pelo
business”; enquanto os bairros cariocas Madureira-Campinho serviram como
exemplos de uma “revitalização pela destruição”. Sua avaliação é de que “Não é
preciso recriar uma identidade para uma área revitalizada, porque essa
identidade já existe”.
O projeto de reestruturação
do Engenho Massangana, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul de
Pernambuco, que foi iniciado em 2008, foi mostrado no enfoque do segundo
tópico. Marie-Charlotte lembrou que esse engenho, onde o abolicionista Joaquim
Nabuco passou a infância, está inserido numa área de grande movimentação
industrial; e é submetido a muitas pressões. Neste ponto ela destacou a
importância da preservação do patrimônio histórico, porque ele é o registro de
uma época; e defendeu a promoção da educação patrimonial como meio de difusão
de preservação desses bens.
Ao abordar o terceiro tópico
a historiadora francesa, sempre muito serena, enfatizou que as cidades que
detêm patrimônios históricos são possuidoras de um “plus”, de um algo a mais
que elas devem explorar da melhor forma possível como atrativos para promover
seu desenvolvimento.
Na análise do último tópico,
Marie-Charlotte defendeu a ideia de que o patrimônio natural pode ser inserido
na estrutura urbana, uma vez que ele pode oferecer visibilidade à cidade,
atrair visitantes dentro da perspectiva de um “marketing territorial”.
Durante a conferência de
Marie-Charlotte eu continuei mentalmente batendo naquela tecla incômoda da
falta de comprometimento de grande parte da população brasileira para com a
proteção do patrimônio histórico, particularmente para com os imóveis antigos
que servem como residências. Afora parte dos próprios moradores, que enxergam
tais prédios como coisas velhas e sem valor que impedem e/ou atrapalham o
desenvolvimento local, o patrimônio ainda sofre com pressões advindas das poderosas
empresas de construção civil que cobiçam tais áreas para nelas erguerem seus
empreendimentos residenciais e/ou comerciais, o que me leva a conjeturar que,
naqueles casos em que vemos imóveis em centros históricos em vias de desabarem,
eles são, na verdade, deixados à própria sorte propositadamente, para que
desapareçam da paisagem e possibilitem a construção de um edifico moderno no
terreno vazio.
Em seu livro Uma história do patrimônio no Ocidente,
Dominique Poulot diz que “Ao olhar instruído, o monumento ou as ruínas oferecem
o livro aberto da história”. Por seu turno, Marie-Charlotte enfatizou que “Não
podemos pensar o patrimônio como museu, mas como algo que está também em
desenvolvimento”. São visões complementares. Compreendo que a proteção do patrimônio
histórico, artístico e cultural de uma cidade, de um país, não cabe ou não deve
caber tão-somente aos órgãos públicos, mas também a cada um de nós, à população
como um todo, porque o patrimônio é de todos; deve sempre prevalecer o
entendimento de que patrimônio protegido é patrimônio que também será conhecido
pelas gerações futuras.
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