29 de março de 2013

São Lourenço da Mata para além das quatro linhas

Por Clênio Sierra de Alcântara


Igreja de São Lourenço da Mata
           Fotos: Ernani Neves       Igreja de São Lourenço Mártir                                                                     



O atual território que constitui a cidade de São Lourenço da Mata, localizada a cerca de 22 km do Recife, era coberto por extensas florestas, vindo daí o acréscimo da palavra “Mata” a seu topônimo. Os índios tupinambás ocupavam uma vasta área entre as ribeiras dos rios Capibaribe e Beberibe; e muito se opuseram à colonização portuguesa. Contudo eles não resistiram aos sucessivos ataques que lhes fizeram os filhos de Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, depois de 1554, e foram batidos completamente.

Nas matas do lugar a árvore pau-brasil - o ibirapitinga dos índios – existia em abundância; isso levou os primeiros colonos a estabelecerem sua exploração sistemática, instalando um entreposto em São Lourenço – há quem defenda que o nome Lourenço deve ser o de um de seus primeiros povoadores -, de onde a madeira era levada para o Paço do Fidalgo, hoje Santana, distante do Recife cerca de sete quilômetros, percurso que era feito em barcas pelo Rio Capibaribe. E diz-se que foi desse entreposto localizado à margem esquerda do Capibaribe que nasceu a cidade.


O Rio Capibaribe sofre com o despejo em suas águas de esgoto in natura


De acordo com as informações coletadas por Sebastião de Vasconcellos Galvão e registradas no seu Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, o território de São Lourenço da Mata começou a ser povoado na segunda metade do século XVI, e, já em 1587, documentos confirmam sua existência. Por esse tempo foi erigida uma igrejinha sob a invocação de São Lourenço na colina onde hoje se encontra a matriz do município. Sebastião sustenta que o nome da cidade provém do padroeiro.

Entrada da cidade pela BR 408


No ano de 1621 a povoação já merecia o predicado de freguesia; e a inaugurava seu primeiro vigário o Padre Antônio Soares, que, seis anos depois, foi sucedido pelo Padre Simão de Figueiredo. Estava no posto o Padre Gaspar de Almeida Vieira quando ocorreu a invasão holandesa e o serviço do culto católico ficou inteiramente prejudicado. A povoação foi atacada e tomada pelos invasores em abril de 1635.

Durante algum tempo a paróquia de São Lourenço da Mata era também conhecida como São Lourenço da Muribara. Esta denominação foi encontrada no termo de Aclamação da Liberdade Divina, “para vingar agravos e tiranias”, assinado em 23 de maio de 1645 pelos conjurados, entre os quais figurava o Padre Gaspar de Almeida Vieira; o topônimo Muribara também aparece no testamento feito por João Fernandes Vieira, em 1676, no qual declarou ser proprietário de meia légua de terra em quadro perto de “São Lourenço que chamam a Muribara” (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. XVIII, p. 271). Essa denominação proveio do riacho desse nome que tem curso pelo lado sul da povoação e que deságua à margem direita do Capibaribe, que atravessa toda a cidade. Vale ainda dizer que, atualmente, Muribara é o nome de um dos bairros que constitui o município.

A exploração do pau-brasil nas terras de São Lourenço da Mata concorreu em muito para o desenvolvimento dos engenhos de cana de açúcar que começaram a ser construídos por lá nos fins do século XVI – em 1630 contavam-se sete engenhos em funcionamento. Desse modo – e gozando da fama de produzir um dos melhores açúcares da Capitania – São Lourenço da Mata foi cenário de inúmeros combates entre portugueses e holandeses pelo controle dessa riqueza econômica.

Um alvará datado de 13 de outubro de 1775 criou o distrito de São Lourenço da Mata. Com esse mesmo nome o município foi criado por força da Lei provincial nº 1.805, de 13 de junho de 1884, com território desmembrado dos municípios do Recife e Paudalho, tendo sua instalação ocorrido em 10 de janeiro de 1890. Ainda na primeira década do século XX, como que atestando o seu crescimento populacional e econômico, a Lei estadual nº 991, de 1º de julho de 1909, concedeu foros de cidade à sede municipal. Na Divisão administrativa referente a 1911, o município aparece constituído por três distritos: São Lourenço da Mata, Nossa Senhora da Luz e Camaragibe. Essa mesma configuração apareceu no quadro de divisão territorial de 31 de dezembro de 1937 e no anexo ao Decreto-lei estadual nº 92, de 31 de março de 1938. Durante o quinquênio 1939-1943 o nome da cidade aparecia simplificado – São Lourenço – na divisão administrativa; mas já no quinquênio seguinte a designação atual foi restabelecida...




O pau-brasil aparece em vários pontos da cidade



Entrando em São Lourenço da Mata quer pela PE-05, quer pela BR 408 o visitante irá se deparar com estátuas enormes que representam o santo que dá nome ao município. Conhecida como a “capital do pau-brasil” essa cidade da Região Metropolitana do Recife cuidou de espalhar muitos exemplares dessa planta pelo seu território; encontramos exemplares de pau-brasil em espaços públicos e também em residências. Aliás, o verde das árvores, a exuberância da Mata Atlântica é uma das riquezas do lugar.




Estive em São Lourenço em meados de fevereiro a fim de conhecê-la mais de perto, porque, costumeiramente, ela só me servia de campo de passagem. O propósito da visita foi, principalmente, verificar o que a cidade estava ganhando com as obras de construção de um estádio de futebol que sediará jogos da Copa das Confederações, neste ano, e da Copa do Mundo, no ano que vem.



Placa de sinalização da Rede Ferroviária do Nordeste indicando cruzamento com a linha férrea


Logo que se adentra na cidade pela PE-05 o visitante dá de cara com um dos símbolos do descaso e do atraso deste país: trilhos da Rede Ferroviária do Nordeste (RFN), que atravessam o centro do município, estão abandonados, sem préstimo, a exemplo do que se verifica em outras localidades nordestinas. Tanto se discute aqui e alhures a questão da mobilidade e da melhoria do transporte de passageiros e de carga, e os trilhos da RFN estão ali à espera de que, algum dia, vagões voltem a percorrê-los.


São Lourenço da Mata PE
Exibindo uma pintura recente, o Mercado Público é um dos prédios mais vistosos da área central da cidade







É no centro comercial de São Lourenço da Mata que se encontram alguns dos seus prédios mais antigos. A arquitetura dessas construções remonta, em grande parte, ao início do século XX, como a do bonito mercado público, fundado em 1904, localizado na Av. Dr. Francisco Correa.



Edificações antigas ocupadas por estabelecimentos comerciais












Do mercado público eu tomei uma das ruas enladeiradas que ficam defronte a ele para chegar ao topo da colina que é considerada o lugar onde a cidade teve início.

 

Por acaso capturamos o fenômeno conhecido como halo solar







Nesta foto e nas que seguem abaixo aparecem edificações localizadas no entorno da matriz





Paço Municipal


















Foi nesse sítio que se erigiu a Igreja de São Lourenço Mártir. Em todo o entorno dela o visitante encontra inúmeras residências com fachadas de tempos idos; e também o Paço Municipal. Ainda no adro da igreja-matriz foi que eu encontrei uma escultura acanhada de um dos maiores artistas brasileiros ainda vivos, que é Abelardo da Hora. Enquanto no Recife obras de Abelardo aparecem espalhadas em diversos espaços públicos, em São Lourenço da Mata, cidade natal do artista, elas quase não são encontradas.



Ponte recentemente construída sobre o Rio Capibaribe







O Rio Capibaribe, uma das maiores joias pernambucanas, atravessa São Lourenço da Mata sofrendo, também ali, agressões que o deixaram bastante poluído. São inúmeros os estabelecimentos comerciais e residenciais, construídos em suas margens, que despejam no seu leito esgoto in natura e também lixo. Posicionei-me na Ponte Miguel Arraes e vi de muito perto parte do processo de degradação desse importante e famoso curso d’água.

Pausa no plano de reconhecimento da cidade para almoçar. Pedimos, eu e o meu fotógrafo, a indicação de um bom restaurante a uma mulher num supermercado; ela nos recomendou o Manacá. E lá fomos nós. De cara eu não gostei da ambientação: infelizmente alguns donos de restaurantes pensam que ar-condiconado é tudo; e esquecem que outros elementos são necessários para tornar um ambiente agradável. Não duvido que no cardápio existissem pratos realmente saborosos, mas o galeto que eu comi não me foi satisfatório.


Sem ordenamento urbano, casas são erguidas em lugares da cidade



Vista ampla da cidade






Igreja de Santo Antônio


Nesta foto e nas seguintes o que restou da Usina Tiúma


 


 


 


De volta à lida, resolvemos percorrer alguns dos bairros suburbanos da cidade. Estivemos em áreas de morros e vimos várias construções residenciais erguidas em locais de risco. Penedo, Loteamento São João e São Paulo, Parque Capibaribe, Vila do Reinado... Em quase todos esses bairros presenciei acúmulo de lixo, ruas sem pavimentação, ocupação desordenada de encostas... Em Tiúma, me deparei com uma graciosa Igreja de Santo Antônio, com a sede da Associação Rerum Novarum e com as ruínas daquela que foi uma das potências econômicas de São Lourenço da Mata, a Usina Tiúma, que fechou suas portas em 1995, segundo a informação que colhi com um vigilante que lá encontrei.

O "circo" de concreto está quase armado




Caro leitor, enquanto seguíamos para ver as obras de construção da denominada Arena Pernambuco – o tal estádio de futebol que está sendo erguido às margens da BR 408 -, fui remoendo todos os discursos pró-Copa que ouvi através das TV’s e das rádios, sem conseguir me conformar com fato de que tanto dinheiro estava sendo gasto com uma obra em tudo irrelevante, principalmente quando se tem conhecimento das carências do município de São Lourenço da Mata – e de tantos outros –, de suas ruas esburacadas, da pobreza em que grande parte de sua gente vive... E quando desci do carro e vi aquele “circo” de concreto de um ângulo do qual também podiam ser vistas casinhas ocupando um morro lá atrás todo um sentimento de impotência pulsou dentro de mim – de impotência e revolta.







Obras na BR 408



A Arena Pernambuco – como todos os outros estádios que estão sendo erguidos e/ou reformados pelo país afora ao custo de alguns bilhões de reais – representa a permanência da odiosa política do “pão e circo” da qual esta nação não consegue se livrar. Até onde eu sei, de tudo o que foi prometido de melhoria para a cidade de São Lourenço da Mata, só a duplicação da BR 408 está em andamento, e isso porque, sem ela, o trânsito naquela área nos dias de jogos será um caos. Enquanto a cidade apresenta um precário sistema de iluminação pública – experimente o leitor entrar em Tiúma à noite a partir da BR 408; você percorrerá um bom trecho sem se deparar com um poste sequer -, o estádio contará com 380 projetores de luz; enquanto a cidade é completamente necessitada de saneamento básico – coitado do Rio Capibaribe! -, o estádio foi projetado com um eficiente sistema de captação de esgoto; enquanto a cidade... Chega, chega de comparação! Já está mais do que evidente que São Lourenço da Mata vai progredir quase nada com mais esse elefante branco bancado com o dinheiro do contribuinte. São Lourenço da Mata não possui grandes atrativos e nem infraestrutura para receber turistas; e como o estádio está sendo erguido fora do seu espaço urbano, as pessoas que forem assistir aos jogos nem sequer entrarão na cidade, o que fará com que os governos não invistam um real sequer em obras que poderiam melhorar a aparência ao menos da área central do município. Alguém já notou que nas entrevistas coletivas mostradas nas TV's só aparecem, além de outras autoridades, como os inspetores da Fifa e do ministro Aldo Rebelo, o governador Eduardo Campos e o prefeito do Recife Geraldo Júlio? Ora, por que não dão voz ao prefeito de São Lourenço da Mata, por que ele não aparece? Senhores, a população de São Lourenço da Mata merece respeito.


Moradias erguidas em áreas de risco


Os trilhos da Rede Ferroviária do Nordeste dentro da vegetação


Como é próprio dos donos do poder, as promessas são muitas para que o povo, essa entidade tão manipulável, se sinta reconhecido e beneficiado. Até leis, como a que proíbe que bebidas alcoólicas sejam vendidas nos estádios a Fifa conseguiu derrubar neste país infame. A Fifa lucra bilhões de dólares com a realização dos eventos que promove; e um monte de falsos altruístas faz o diabo para conseguir trabalhar nesses eventos como voluntários sem ganhar um tostão. É muita alienação. Por que esse pessoal não vai ser voluntário nos sertões esturricados pela estiagem, por exemplo? Por que esse pessoal não vai ser voluntário nos rincões onde faltam água, energia elétrica, moradia digna, atendimento médico e a própria condição de cidadania? Iludida e conformada, a massa, o povão só poderá mesmo acompanhar a transmissão dos jogos pela TV, já que o seu salário mínimo e/ou o seu Bolsa Família serão insuficientes para comprar um ingresso que seja.

Os governos estão superempenhados para pôr os estádios - e os sistemas viários - de pé dentro dos prazos e cronogramas estabelecidos pela Fifa; para tanto recorreram ao emprego de milhares de operários - na Arena Pernambuco atualmente são mais de 4.500 -, que trabalham dia e noite para que nada se atrase. Enquanto isso, as obras de transposição das águas do Rio São Francisco, por exemplo, que já eram para estar prontas, um empreendimento realmente importante para o país, porque amenizará o sofrimento de um contingente enorme de nordestinos que sazonalmente são vitimados por estiagens severas, como a que por ora assola a região, tiveram sua data de conclusão adiada não em alguns meses, mas em anos. O Brasil está sempre adiando suas verdadeiras prioridades; deve ter sido por isso que Stefan Zweig o qualificou de "o país do futuro".

Quando a Copa do Mundo terminar, quando o mal-estar da ressaca passar, o povo de São Lourenço da Mata se dará conta do engodo de que foi vítima. Para além das quatro linhas do campo de futebol, a fumaça da pirotecnia assistencialista e bufona dos governos municipal, estadual e federal terá se dissipado, e a realidade mostrará a sua indesejada cara suja exigindo, desaforada, contribuição para a custosa manutenção da, a partir de então, maldita Arena Pernambuco.

8 comentários:

  1. Muito boa a postagem amigo, retratou muito bem a cidade, sua história, suas mazelas, por que avanços é difícil de encontrar, num lugar que foi sede da Copa do Mundo, mostrou a realidade por trás da mídia, parabéns !

    ResponderExcluir
  2. ONDE ESTÃO AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA PESQUISA?

    ResponderExcluir
  3. muito bom
    queria teu contato p gente troar ideias

    ResponderExcluir
  4. João Paulo, meu contato é o que aparece no perfil: othersierra@gmail.com. Abraço!

    ResponderExcluir
  5. Muito boa a matéria, poderia passar as referencias? e se puder indicar algum livro ou algo do tipo, sobre a historia são lourenço? detalhadamente se houver. Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. As referências que pesquisei estão no texto. São a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. XVIII ; e o Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco. Grato

      Excluir
  6. Muito bom a história real de São Lourenço da mata -Pernambuco nesse pré ano de copa.
    Saiba minha gente que " um país decente e honesto não é um país que faz o pobre comprar um carro , mas sim quando fazem os riscos andarem de transporte público.

    ResponderExcluir
  7. Sou natural de São Lourenço da mata com certeza com os meus quase 60 anos me ajudou a entender melhor a tudo que esta cidade representa para o seu povo,hoje morando distante do meu povo ou da minha cidade sinto muito quando chego ai e vejo que pouco foi feito por esta gente .Mesmo assim essa historia me ajudou a conhecer melhor a minha cidade ,hoje tenho uma radio que leva o nome de um bairro da cidade Muribara pois tenho orgulho em fala de minha cidade,www,radiomuribara.com.br sempre falo com carinho deste povo que tanto amo e tenho família que mora aí no bairro Vila do reinado ,termino agradecendo de coração esta importante matéria OBRIGADO.

    ResponderExcluir