31 de maio de 2013

A mulher como força redentora

Por Clênio Sierra de Alcântara


Mas é preciso ter manha,

É preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida...”

                                 Maria, Maria. Milton Nascimento/Fernando Brant



Não sei se foi de caso pensado. O fato é que o tradicional Cinema São Luiz, do Recife, pôs em cartaz, em pleno mês dedicado às mães – e perdoe-me o leitor por só agora eu lhe dar conta disso, porque somente anteontem foi que eu tomei conhecimento do evento -, um filme belíssimo, no qual as mulheres figuram com uma força redentora.

 
Em algum ponto remoto do Líbano, onde só com muito esforço se consegue captar sinal para a única TV do lugar – e note-se o efeito desestabilizador de uma notícia veiculada pela TV e pelos jornais que as mulheres vão de toda forma buscar dissipar -, uma comunidade aldeã, formada por cristãos e muçulmanos, vive em uma harmonia tal a ponto de mesquita e igreja se confundirem na rústica paisagem. Ocorre que, certo dia, a paz entre os moradores do lugarejo é quebrada; e é a partir desse momento que E agora, aonde vamos?, o inspirador filme de Nadine Labaki, começa a revelar sua consistência.

Muito embora aqui e ali a narrativa provoque risos, é a sua carga poderosamente dramática que dá o tom mais intenso ao enredo. Os conflitos entre cristãos e muçulmanos, na então pacata aldeia, provocará embates que deixarão enlutadas mães e esposas de ambos os lados. E o peso descomunal do luto lançará as mulheres daquele pequeno mundo convulsionado numa operação de restauração da paz a partir da deposição das armas.


É inevitável que o espectador enxergue nesse alentador exercício de cinema que é E agora, aonde vamos?, uma projeção em escala menor do conflito que envolve israelenses e palestinos. O filme de Nadine Labaki não superdimensiona o terror da guerra real que parece interminável, se considerarmos que para tanto seria necessário assistirmos ao lançamento de mísseis ou explosões de homens bomba em ruas, praças ou prédios bastante movimentados. Mas ela capta e expõe o terror que se esboça na face de uma mãe desesperada com a constatação de que perdera mais um filho vitimado pela irracionalidade de uma vingança que parece ser um mal atávico.

É preciso tomar partido? É preciso escolher em que lado se vai lutar? As mulheres do filme de Nadine Labaki – é dela também o envolvente Caramelo, de 2007 – encontram um meio surpreendente de apaziguar a intrigas; e reside no expediente de que elas lançam mão para tanto, a força de redenção para toda a comunidade aldeã. Longe dali as coisas podem até continuar desandando, mas não lá; lá o que se quer é fazer com que a vida transcorra livre dos impulsos que levam cristãos e muçulmanos a se destruírem mutualmente.


 
Em E agora, aonde vamos? concentra-se nas mãos das mulheres a dor, a resignação, mas também o poder de restauração, de restabelecimento da ordem, de recomeço, o que faz com que o filme seja um sopro de vitalidade num mundo – e eu não me refiro apenas ao dos dogmas religiosos – tão propenso à misoginia.









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