Por Clênio Sierra de Alcântara
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Fotos: do autor That night in Recife, só para recordar Carmen Miranda, tá! Em noite de festa, a consagração de Hilton Lacerda foi mais do que merecida |
Cinema São Luiz, Rua da
Aurora, bairro da Boa Vista, Recife, Pernambuco, sábado, 25 de abril de 2015.
Uma noite para guardar – ou, se preferirem, tatuar – na memória. Naquela noite
outonal, com lua crescente abrilhantando o céu, a tradicional casa recifense de
exibição de filmes foi mais uma vez cenário de um evento memorável: depois de
ter permanecido em cartaz ali durante um ano, o longa-metragem Tatuagem, do roteirista e diretor Hilton
Lacerda, se despediu do público em tom não apenas festivo, mas também e
principalmente de consagração.
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Ninguém queria perder a celebração |
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A carrocinha de pipoca e a fila que não parava de crescer |
Foi uma verdadeira multidão
a que acorreu para aquele lugar. Quem ainda não vira o filme, queria vê-lo; e
quem já o vira – como era o meu caso -, queria vê-lo de novo. Quando cheguei ao
cine, às 18:30h – o início da exibição estava marcado para as 19:30h -, em
companhia do meu amigo uruguaio Alvaro Rios, a fila dos que já haviam adquirido
ingresso estava quase chegando à rua que fica por trás do edifício que abriga o
Cinema São Luiz; e a da bilheteria tomava o rumo da Av. Conde da Boa Vista. E
era tanta gente que se aglomerava na calçada que os ingressos não deram para
todos: muitos ficaram do lado de fora.



Era contagiante a euforia
que tomava a plateia. Casa lotada. Claudio Cruz, um amigo mais do que querido,
estava lá para novamente prestigiar a cena pernambucana. Ainda na fila topei
com um rapaz que viera da capital paraibana apenas para tomar parte na
celebração. O burburinho era intenso. Quem atendeu à convocação certamente
tinha consciência de que iria participar de um evento inesquecível. Cinema
pernambucano da melhor qualidade em evidência. Alegria e orgulho verdadeiros
estampados nas faces das tantas moças e rapazes que marcaram presença naquele
espaço. Cenário colorido e muito movimentado. Hilton Lacerda discursou
destacando a satisfação de estar ali exibindo um filme seu num cinema que foi o
primeiro que ele conheceu na vida. Aplausos.

Corações inquietos. As luzes
se apagaram. E Tatuagem principiou a
encher a tela com sua mistura muito bem azeitada de provocação e greia; com sua
proposta de mostrar produção cultural num contexto de ditadura militar, como era
aquele vivido pelos brasileiros na década de 1970, período em que a narrativa
transcorre; com a ousadia – eu disse ousadia? Ah, então deixa – de exibir de
modo muito espontâneo e sem recorrer a expectativas, um relacionamento
homossexual; com um jeito todo seu de expor a nossa província, a nossa aldeia
radiosa com um linguajar muito particular: “tabacudo” e “trepeça”, por exemplo,
é pernambuquês castiço. E, como se isso tudo não bastasse, Tatuagem, uma das maiores realizações recentes da cinematografia
nacional, ainda nos oferece um instante de epifania: Johnny Hooker surge em
nossa frente cantando “Volta” como se fosse uma entidade – como se fosse, não,
ele é uma entidade! – e arranca dos não contidos aplausos entusiasmadíssimos.
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Estreando na noite cinematográfica do Recife, Alvaro Rios era só ansiedade para ver o filme |
Quando a exibição teve fim
grande parte das pessoas que acompanharam o filme – e mesmo as que haviam ficado
do lado de fora – fincou pé defronte ao cine, à margem do Rio Capibaribe,
consumindo pipoca, maçã-do-amor, cerveja, marijuana
– também conhecida como “digestivo”, não é, Paulete? – e aguardando o início da
segunda parte do evento.
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Atenção plateia, porque o filme já, já vai começar |
E assim foi que, perto das
23:00h, tendo à nossa frente uma carrocinha daquelas que comercializam cd’s e
dvd’s piratas e que foi convertida, imaginem, em carro de som, tocando de modo ininterrupto o
megahit “Polca do cu”, seguimos em cortejo para continuar a festeja o
acontecimento. De muito perto vi que Hilton Lacerda esbanjava satisfação no
meio dos seus amigos. Seguíamos como se a noite fosse somente nossa; e ela nos
envolvia inteira e completamente com uma aura extasiante. Rua da Aurora, Rua da
Imperatriz, Praça Maciel Pinheiro, Rua do Aragão, Rua do Rosário da Boa Vista
e, finalmente, Largo de Santa Cruz, onde a multidão se misturou a que lá se
encontrava e buscou o seu boteco preferido para bebericar e jogar conversa
fora.
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Alvaro Rios e eu aproveitando os minutos finais antes do início da exibição do filme para fazermos um selfie. E selfie-se quem puder! |
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Eu não disse que a casa estava lotada! |
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À espera do cortejo |
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Maçã-do-amor para adoçar a boca antes do "digestivo" |
Do meio da massa surgiu um
grande amigo que eu não via fazia tempo. Sem que eu desse conta, porque me
encontrava distraído com a câmera fotográfica, ele me agarrou num forte abraço.
Adiel Carvalho, que bom reencontrá-lo! Ganhar um abraço como aquele – e eu já
escrevi noutro dia que para mim abraço é abrigo – e ouvir dele um “Eu te adoro,
cara”, só me fez recordar da lição de Clarice Lispector que diz que “a amizade
é matéria de salvação”.
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E lá fomos nós tomando as ruas do Recife dentro da noite veloz: Rua da Aurora... |
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Alvaro, o sinal está aberto, pode passar! |
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... E continuamos, agora, pela Rua da Imperatriz... |
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... Praça Maciel Pinheiro: vocês sabiam que Clarice Lispector morou num sobrado que fica nesta praça? |
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Deixando a praça e seguindo pela Rua do Aragão |
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Domício admirando o nosso potente carro de som que não parava de tocar: "Tem cu, tem cu, tem cu...". É a "Polca do cu". |
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E o Largo de Santa Cruz se encheu quase que completamente com a nossa alegria e vontade |
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Adiel Carvalho, meu amigo. Como dizemos por aqui, se até as pedras se encontram, que dirá as pessoas... |
Retomando o caminho da volta
eu e Alvaro Rios mergulhamos naquela noite do Recife como quem mergulha dentro
de si mesmo à procura de alguma alegria.
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