Por Clênio Sierra de Alcântara
Ninguém racionalmente nega
que a facilidade com que armamentos dos mais variados calibres são vendidos a
qualquer pessoa nos Estados Unidos é em grande parte responsável pelos
massacres que vez ou outra são cometidos por indivíduos que, geralmente, agem
sozinhos, pondo em prática planos mirabolantes de depuração do mundo.
Evidentemente que o comércio fácil ajuda e muito que bestas humanas consigam
montar verdadeiros arsenais em suas casas com o intuito que vai bem além do
colecionismo; mas apenas isso não explica as ocorrências de mortes em massa que
se verifica naquele país, basta ver que, considerando as facilidades de ter
armas, os casos de episódios de matança coletiva são poucos e pontuais.
Na noite do último domingo,
o senhor Stephen Paddock, de 64 anos, hospedado no vistoso hotel Mandalay Bay,
localizado na reluzente cidade de Las Vegas, pôs para fora o seu geniozinho do
mal para, do seu próprio quarto, atirar na direção de uma multidão que
acompanhava um show de música country, provocando a morte de mais de
cinco dezenas de pessoas e deixando centenas de feridos. As imagens do
corre-corre e do desespero estampado nos rostos dos indivíduos que queriam
escapar dali são de arrepiar.
Como é de praxe em episódios
de grande repercussão como esse puseram a culpa no forte lobby que a indústria de armas detém nos Estados Unidos e na
própria legislação norte-americana que, dizem muitos, é conivente com esse tipo
de crime por permitir que o cidadão comum porte armas de fogo ao seu
bel-prazer, como se essas armas fossem simples objetos de uso pessoal e que
eles vivessem num país conflagrado, com índices absurdos de criminalidade e
cada um necessitasse portar uma arma para garantir sua sobrevivência. Mas não
se trata disso. Na pátria da opulência e da ostentação, as armas estão presentes
na vida das pessoas tais quais os automóveis: todos e cada um dos cidadãos
precisam ter pelo menos um automóvel na garagem; e, da mesma forma, manter nem
que seja um revólver nalgum canto da casa para usá-lo em uma emergência. A
lógica é essa, simplíssima e cristalina. Agora, em meio a tantas liberdades e
facilidades, claro, corre-se o risco de as armas pararem em mãos de criminosos
e de desajustados mentais, como o que estava em Las Vegas – e desajustados
mentais, todos nós sabemos, podem lançar mão de qualquer recurso para tirar a
vida de pessoas, como vimos, também nesta semana, o terrível acontecimento
havido em Janaúba, interior de Minas Gerais, no qual um certo Damião Soares ateou fogo
numa creche causando a morte de inocentes criancinhas e de uma valorosa
professora. Que coisa triste!
De minha parte, não acredito
que leis severas e tal evitariam casos como esses massacres que de tempos em
tempos acontecem nos Estados Unidos. Tome-se como exemplo a realidade deste
país no qual vivemos. Alguém sabe dizer quantas chacinas iguais as que
ocorreram nos últimos dias 22 e 27 de setembro, em Natal, no Rio Grande do
Norte, aconteceram em todo o Brasil somente neste ano? Por acaso sabemos ou
temos a nosso dispor estatísticas confiáveis que nos informem quantos
indivíduos são mortos a tiros todos os anos nesta nação? E como é que, com
tanta burocracia e com tantas exigências para se portar armas por aqui,
revólveres são facilmente encontrados até em feiras livres e a bandidagem
dispõe de armamentos e arsenais dos quais nem as polícias possuem? E os
assaltos à mão armada, minha gente, que todos os dias apavoram um sem-número de
pessoas por esse país afora? Aqui em Pernambuco só de assaltos a ônibus já
foram contabilizadas mais de três mil ocorrências até o presente momento.
Faço ouvidos moucos e não me
deixo influenciar por discursos que insistem em nos fazer acreditar que de
alguma maneira podemos ficar a salvo da criminalidade e mesmo da ação de lobos
solitários como o assassino de Las Vegas. Ora, as autoridades não conseguem
dominar a bandidagem que impõe terror numa favela como a Rocinha, no Rio de
Janeiro, então, como poderão vencer a criminalidade e pôr ordem num país
inteiro?
Para o bem e para o mal a
indústria de armamentos vende alguma possibilidade de proteção pessoal. E os
governantes, o que é que eles nos oferecem na esfera da segurança pública que
seja capaz de ao menos nos encorajar a sair despreocupados de casa? Pouco,
muito pouco. E tanto isso é verdade que dezenas, centenas de pessoas são
assassinadas diariamente nestas plagas e, em sua grande maioria, os culpados
não são sequer identificados, que dirá julgados e condenados, o que revela o
nível de indigência em que desde sempre se encontram as nossas polícias
investigativas. O quadro é de completo terror e no meio dele ainda se veem
figurinhas defendendo bandidos e maldizendo a atuação policial.
Com tiros, muitos tiros de
armas de fogo várias vidas foram interrompidas dias atrás tanto lá na reluzente
América, a terra da promissão, como aqui, no Nordeste, a terra da desolação.
Cantar “Imagine” ou ouvir John Lennon entoar essa sua pieguice psicodélica imaginando
um tal mundo novo e bom é se render por inteiro à ilusão de que os seres
humanos temos conserto. A nossa fragilidade não tira de nós o alto potencial de
destruição que intimamente carregamos; somos ao mesmo tempo a melhor e a pior
coisa que existe; e corremos o sério risco de ver a escalada desenfreada da
violência ir gradativamente puindo os nossos laços de humanidade.
De acordo com o último
boletim, a ilusão está sedada e respirando com a ajuda de aparelhos.
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