7 de outubro de 2017

Alvejaram novamente a ilusão

Por Clênio Sierra de Alcântara


Foto: internet      Desprotegidos, somos todos uns reféns do medo e da falta de eficiência dos governantes para  combater a criminalidade, bem como para evitar que armas de fogo caíam nas mãos não somente de criminosos mas também de desajustados de todo tipo

Ninguém racionalmente nega que a facilidade com que armamentos dos mais variados calibres são vendidos a qualquer pessoa nos Estados Unidos é em grande parte responsável pelos massacres que vez ou outra são cometidos por indivíduos que, geralmente, agem sozinhos, pondo em prática planos mirabolantes de depuração do mundo. Evidentemente que o comércio fácil ajuda e muito que bestas humanas consigam montar verdadeiros arsenais em suas casas com o intuito que vai bem além do colecionismo; mas apenas isso não explica as ocorrências de mortes em massa que se verifica naquele país, basta ver que, considerando as facilidades de ter armas, os casos de episódios de matança coletiva são poucos e pontuais.

Na noite do último domingo, o senhor Stephen Paddock, de 64 anos, hospedado no vistoso hotel Mandalay Bay, localizado na reluzente cidade de Las Vegas, pôs para fora o seu geniozinho do mal para, do seu próprio quarto, atirar na direção de uma multidão que acompanhava um show de música country, provocando a morte de mais de cinco dezenas de pessoas e deixando centenas de feridos. As imagens do corre-corre e do desespero estampado nos rostos dos indivíduos que queriam escapar dali são de arrepiar.

Como é de praxe em episódios de grande repercussão como esse puseram a culpa no forte lobby que a indústria de armas detém nos Estados Unidos e na própria legislação norte-americana que, dizem muitos, é conivente com esse tipo de crime por permitir que o cidadão comum porte armas de fogo ao seu bel-prazer, como se essas armas fossem simples objetos de uso pessoal e que eles vivessem num país conflagrado, com índices absurdos de criminalidade e cada um necessitasse portar uma arma para garantir sua sobrevivência. Mas não se trata disso. Na pátria da opulência e da ostentação, as armas estão presentes na vida das pessoas tais quais os automóveis: todos e cada um dos cidadãos precisam ter pelo menos um automóvel na garagem; e, da mesma forma, manter nem que seja um revólver nalgum canto da casa para usá-lo em uma emergência. A lógica é essa, simplíssima e cristalina. Agora, em meio a tantas liberdades e facilidades, claro, corre-se o risco de as armas pararem em mãos de criminosos e de desajustados mentais, como o que estava em Las Vegas – e desajustados mentais, todos nós sabemos, podem lançar mão de qualquer recurso para tirar a vida de pessoas, como vimos, também nesta semana, o terrível acontecimento havido em Janaúba, interior de Minas Gerais, no qual um certo Damião Soares ateou fogo numa creche causando a morte de inocentes criancinhas e de uma valorosa professora. Que coisa triste!

De minha parte, não acredito que leis severas e tal evitariam casos como esses massacres que de tempos em tempos acontecem nos Estados Unidos. Tome-se como exemplo a realidade deste país no qual vivemos. Alguém sabe dizer quantas chacinas iguais as que ocorreram nos últimos dias 22 e 27 de setembro, em Natal, no Rio Grande do Norte, aconteceram em todo o Brasil somente neste ano? Por acaso sabemos ou temos a nosso dispor estatísticas confiáveis que nos informem quantos indivíduos são mortos a tiros todos os anos nesta nação? E como é que, com tanta burocracia e com tantas exigências para se portar armas por aqui, revólveres são facilmente encontrados até em feiras livres e a bandidagem dispõe de armamentos e arsenais dos quais nem as polícias possuem? E os assaltos à mão armada, minha gente, que todos os dias apavoram um sem-número de pessoas por esse país afora? Aqui em Pernambuco só de assaltos a ônibus já foram contabilizadas mais de três mil ocorrências até o presente momento.

Faço ouvidos moucos e não me deixo influenciar por discursos que insistem em nos fazer acreditar que de alguma maneira podemos ficar a salvo da criminalidade e mesmo da ação de lobos solitários como o assassino de Las Vegas. Ora, as autoridades não conseguem dominar a bandidagem que impõe terror numa favela como a Rocinha, no Rio de Janeiro, então, como poderão vencer a criminalidade e pôr ordem num país inteiro?

Para o bem e para o mal a indústria de armamentos vende alguma possibilidade de proteção pessoal. E os governantes, o que é que eles nos oferecem na esfera da segurança pública que seja capaz de ao menos nos encorajar a sair despreocupados de casa? Pouco, muito pouco. E tanto isso é verdade que dezenas, centenas de pessoas são assassinadas diariamente nestas plagas e, em sua grande maioria, os culpados não são sequer identificados, que dirá julgados e condenados, o que revela o nível de indigência em que desde sempre se encontram as nossas polícias investigativas. O quadro é de completo terror e no meio dele ainda se veem figurinhas defendendo bandidos e maldizendo a atuação policial.

Com tiros, muitos tiros de armas de fogo várias vidas foram interrompidas dias atrás tanto lá na reluzente América, a terra da promissão, como aqui, no Nordeste, a terra da desolação. Cantar “Imagine” ou ouvir John Lennon entoar essa sua pieguice psicodélica imaginando um tal mundo novo e bom é se render por inteiro à ilusão de que os seres humanos temos conserto. A nossa fragilidade não tira de nós o alto potencial de destruição que intimamente carregamos; somos ao mesmo tempo a melhor e a pior coisa que existe; e corremos o sério risco de ver a escalada desenfreada da violência ir gradativamente puindo os nossos laços de humanidade.


De acordo com o último boletim, a ilusão está sedada e respirando com a ajuda de aparelhos.

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