7 de abril de 2018

Um modo egoístico de viver em Tamandaré


Por Clênio Sierra de Alcântara


Foto: Divulgação (Prefeitura Municipal de Tamandaré)     A consciência de preservação ambiental infelizmente ainda não tocou a consciência de todos os proprietários de imóveis de Tamandaré

Havia pelo menos quatro anos que eu não ia à cidade de Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco; e eu voltei a pisar lá no mês passado – cheguei no dia 19 e vim embora no dia seguinte. Em termos de infraestrutura eu não percebi grandes mudanças; a bem da verdade, eu vivenciei uma situação péssima para qualquer pessoa e ainda mais para quem está viajando: o único banco em funcionamento na cidade não tinha dinheiro disponível no caixa eletrônico; e vários estabelecimentos comerciais não aceitavam cartões de crédito e de débito – uns até tentavam, mas a precária cobertura de internet não ajudava.

Digno de aplauso foi a completa restauração do Forte Santo Inácio de Loyola que, da última vez que estive lá, se apresentava ao visitante literalmente caindo aos pedaços – desta feita eu não o visitei. Outro fato que chamou a minha atenção foi que onde antes havia uma “Casa do Artesanato” que eu nunca encontrava aberta, construíram um bem arrumadinho Centro de Atendimento ao Turista; e eu, claro, fui conhecê-lo porque aprecio guardar folders que me digam um pouco da história das cidades e de seus espaços culturais.

Tamandaré encaixou-se perfeitamente dentro da lógica do governo estadual de divulgação do litoral sul – e de Fernando de Noronha – ao lado de um quase total desprezo pelo litoral norte, como a Ilha de Itamaracá, onde eu moro. Tamandaré tem espaços realmente muito bonitos – quem nunca viu nas operadoras de turismo uma foto da Praia dos Carneiros mostrando a Igreja de São Benedito, levante o dedo – que têm atraído levas e levas de turistas. Em plena terça-feira eu presenciei a chegada de vários grupos de visitantes se encaminhando para lanchas e catamarãs a fim de apreciar não só a Praia dos Carneiros, mas também áreas vizinhas.

Algo que salta aos olhos nos informativos sobre a cidade disponibilizados aos turistas é o destaque que se dá a Tamandaré como lugar onde a natureza anda de par com a consciência de preservação ambiental, porque ali existe a Reserva Biológica de Saltinho e o município abriga a sede da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, “a maior unidade de conservação marinha costeira no Atlântico Sul”.

Caminhando pela orla tamandareense, justamente em direção à famigerada Praia dos Carneiros, eu flagrei exemplos de quem vive egoisticamente em inúmeras casas de gente realmente endinheirada que existe por ali. Em total descompasso com o marketing turístico da Prefeitura Municipal e com o próprio discurso ecológico em vigor em escala mundial, porque é fato que muita gente não tem acesso fácil à água potável em vários lugares do planeta, os ricos que mantêm casa na beira-mar de Tamandaré conservam gramados verdinhos, verdinhos à custa de milhares de litros de água que movem aqueles regadores do tipo giratório. Em contraste com uma dura realidade na qual 52 cidades pernambucanas estão em situação de emergência por estar há anos enfrentando uma estiagem severa, os ricos que mantêm casa na beira-mar de Tamandaré conservam gramados verdinhos, verdinhos à custa de milhares de litros de água que movem aqueles regadores do tipo giratório. Enquanto municípios da Região Metropolitana do Recife, que são abastecidos por mais de uma barragem, recebem água nas torneiras, quando muito, duas vezes por semana, os ricos que mantêm casa na beira-mar de Tamandaré conservam gramados verdinhos, verdinhos à custa de milhares de litros de água que movem aqueles regadores do tipo giratório.

Comumente se pensa que práticas nocivas e de completo desrespeito às ações de preservação ambiental provêm de pessoas pobres e de baixo nível de escolaridade; mas, casos como os vários regadores giratórios que eu observei em pleno funcionamento em mansões na beira-mar de Tamandaré, certamente não são exceções à “regra”. Para mim, desperdiçar – a palavra correta é essa: desperdiçar – água de qualquer maneira e para aguar grama e ainda mais numa orla marítima é o mesmo que pegar quilos e mais quilos de alimentos ainda próprios para o consumo humano e jogá-los diariamente no lixo. Para mim, desperdiçar – a palavra correta é essa: desperdiçar – água de qualquer maneira e para aguar grama é agir com a mesma estupidez própria de quem todos os dias pega uma mangueira para lavar a calçada e diz: “Eu pago para usar, então eu uso do jeito que eu quiser”.

Não duvido que algumas das mansões que eu vi na beira-mar de Tamandaré, que conservam gramados verdinhos, verdinhos à custa de milhares de litros de água que movem aqueles regadores do tipo giratório, não disponham de registros de consumo, porque a empresa responsável por abastecimento de água e manutenção de rede de esgoto, Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento), é inoperante o bastante para deixar por anos a fio casas pagando a tarifa mínima – como é o caso da que eu moro – por ela não mandar ir instalar o equipamento. (Abri aqui este parêntese para dizer apenas isto: dispor de um poço artesiano não dá direito ao desperdício, porque água é um bem coletivo). Mas mesmo isso – é fato que quem não paga nada ou quase nada por algo tende a desperdiçá-lo – não justificaria o esbanjamento – não, a palavra correta é desperdício – que eu observei ali, junto a demarcações com avisos de que havia ovos de tartaruga depositados na areia. O emprego de tanta água para manter gramados – gramados, minha gente, gramados! – em suntuosas casas de veraneio e/ou finais de semana diz muito da pequenez de pensamento e do viver egoístico de seus proprietários que, também não duvido, devem posar por aí de bons cidadãos e coisa e tal. E é lá bom cidadão quem não pensa no bem comum e apenas em si? E é lá bom cidadão quem não faz uso racional da água e de outros recursos naturais?

Já fui censurado várias vezes por urinar na privada e não dar descarga. Não dou descarga em minha casa e nem em lugar algum porque considero um absurdo despejar litros de água num xixizinho. Quem vier depois de mim que aperte o botão, eu não; mesmo que fosse no banheiro da rainha do Reino Unido eu não apertaria. Na minha casa eu só dou descarga depois de algumas mijadas.

O turista atento e consciencioso, assim como eu tento ser, ao caminhar pela orla de Tamandaré logo se depara com o flagrante e absurdo desperdício promovido pelos ricos que conservam gramados verdinhos, verdinhos à custa de milhares de litros de água que movem aqueles regadores do tipo giratório.

Talvez num futuro não muito distante algum dos proprietários das mansões da beira-mar de Tamandaré se dê conta de que, de alguma maneira, está sendo bastante cruel para com uma enorme parcela da humanidade, porque, assim como o fanatismo religioso, a criminalidade, as doenças e a fome, a falta de acesso à água potável também mata milhares de pessoas ao redor do mundo. Ou talvez num futuro bem, bem próximo uma onda dessas gigantes e poderosas invada e arrase tudo aquilo ali e cubra com bastante areia aqueles gramados verdinhos, verdinhos que são eles mesmos, símbolos de uma ostentação e de um egoísmo doentios.

5 comentários:

  1. Não dar descarga na sua casa, OK, sua regra! Parabéns, eu também faço isso! Mas na casa dos outros é preciso que você respeite as regras alheias: se dão descarga, faça igual. Se não dão, faça igual.

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  2. Se não concorda com as regras alheias, não use o banheiro alheio. Use um pinico, leve pra sua casa e jogue na sua privada.

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  3. Aposto que você entra no banheiro alheio, limpo, cheiroso, usa com satisfação e conforto, urina à vontade, não lava as mãos, deixa o banheiro fedido com o seu MIJO e volta pra festa tocando em todo mundo com a sua "mão de pinto". Este planeta tem 2/3 de água e quase 8 bilhões de pessoas. Não ê a sua falta de educação que vai poupar água. O que resolve problemas são soluções inteligentes. Você tem alguma? Claro que não, você só critica. Já ouviu falar sobre dessalinização da água? Ou reaproveitamento da água da chuva? Vá estudar e se educar, rapaz. Sua revolta, sem soluções, não resolve absolutamente nada.

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  4. O seu texto tem boas intenções e você está certo sobre o desperdício de água. É realmente um absurdo! Mas somente críticas não resolvem. Comece a dar soluções, pare de ser selvagem, passe a ser CIVILIZADO e respeite as regras dos outros da mesma maneira que você quer que respeitem as suas.

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