Por Clênio Sierra de
Alcântara
Imagem: Internet Não voltamos ao começo do caminho. Nós seguimos caminhando |
Na noite da última da última
segunda-feira, após o jantar e antes de eu seguir para a Praia de Jaguaribe, na
ilha onde moro, para acompanhar a virada do ano, eu sentei para assistir ao dvd
Não se apague esta noite, do Flavio
Venturini, um regalo que eu me dera na sexta-feira da semana passada. No repertório
da apresentação desse cantor mineiro que eu tanto admiro uma canção em
particular parecia ser bem apropriada para aquele momento em que o calendário
estava prestes a ser renovado e reiniciar a contagem de um novo ano.
Trata-se da canção “Recomeçar”,
uma composição de autoria do próprio Flavio com um dos seus parceiros mais
constante, Ronaldo Bastos. Lirismo que transborda de tanta, por assim dizer,
pieguice, os versos do Ronaldo seguem neste tom: “Recomeçar/Pintar de outra
cor/Acreditar/Que a luz que deu a luz ao universo/Conspira a seu favor”. Faz
rimas com Rimbaud e Truffaut. Até findar na meiguice de “Meu tempo bom de viver
por viver/Ficou melhor porque tem você/Tem você”.
Tempo houve em que eu me
deixava levar por essa coisa que vejo hoje como tão tola, de recomeçar a
caminhada por causa da mudança da folha do calendário. Mais do que como pura e
simples tolice, a mim me soa como um enorme autoengano. Como alguém pode pensar
que vai recomeçar a vida porque “amanhã” se inicia um novo ano? Por que se
entregar à crença de que tudo foi zerado e vai se começar mais uma vez?
Otimismo, perseverança,
determinação, confiança no futuro... Tudo isso me faz pensar que a vida é um
desafio permanente e que, justamente por essa razão, não podemos fraquejar. Agora
daí a se prender a um pensamento mágico de que o dia de amanhã necessariamente será
melhor do que hoje por si só, como se o porvir fosse sinônimo de mudança sempre
para melhor, é se apegar de modo um tanto quanto ingênuo e eu diria que até
irresponsável frente às vicissitudes. Essa coisa de futuro cor de rosa cai
muitíssimo bem em certo tipo de poesia, mas a vida real não é assim rósea e nem
leve: é multicor; e bastante pesada. E a clareza de entendimento nos ajuda a
pôr os pés bem firmes no chão e a caminhar com a devida cautela enxergando no
adiante, prazeres, obstáculos, alegrias e tristezas, pois bem sabem o que sabem
da realidade, que o caminho da vida é marcado por tudo isso em doses por vezes
mínimas e em doses por vezes cavalares. E nem se trata de ser pessimista, não,
porque eu me esforço diuturnamente para afastar de mim o pessimismo e a
tristeza para que eles não me abatam. Trata-se de encarar a vida sem filtros,
enxergando-a e/ou tentando enxergá-la com a maior limpidez possível.
Será que a vida teria
realmente a grandeza que tem se só existissem a alegria, a satisfação e o
prazer? Creio que não. E se assim o fosse, acredito, seríamos completamente
indiferentes para com o outro, porque nada saberíamos de dor, de sofrimento, de
perda, de frustração, de desencontro, de abandono, de inadequação, enfim, nada
saberíamos de tudo isso que nos acomete, revelando nossa fragilidade; e que nos
faz perceber diferentes matizes e nuances do viver; e que por vezes nos
impulsiona a querer ajudar o outro, estendendo a ele a nossa mão, nos proporciona
a oportunidade de sermos solidários e até de alguma maneira nos transformar para
melhor como pessoas.
Não entro mais nessa de
enxergar a vida como se para mudá-la eu devesse simplesmente virar e/ou
arrancar a folhinha do calendário. O verbo para mim não é recomeçar e sim
continuar. Vou dar continuidade às minhas leituras, aos meus escritos, à minha
vontade de saber, aos cuidados com o meu corpo, às tarefas do trabalho que paga
as minhas contas, às minhas viagens, aos relacionamentos que permanecerem
valendo a pena e à atenção que a minha mãe e o meu irmão merecem. E, afora
isso, eu vou pôr fim, claro, a tudo aquilo que o transcurso do tempo me fez ver
que a mim estava sendo muito daninho.
Não voltamos ao começo do
caminho. Nós seguimos caminhando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário