Por Sierra
Imagem: Internet
Que ninguém se iluda: nem toda luz realmente clareia o que é preciso que nós enxerguemos
Há quem celebre a ignorância
como se ela fosse uma virtude. Há quem faça da ignorância uma justificativa de
bem-viver. Há quem viva imerso na ignorância e, ainda assim, se julgue sabedor
de tudo e mais um pouco.
Não foram poucos os que
apostaram – e outros tantos continuam apostando – que a internet e a realidade virtual em si promoveriam um aumento
significativo do nível de inteligência dos que nesse ambiente tecnológico
fossem inseridos, tantas são as possibilidades e acessos que a rede mundial de
computadores proporciona, como versões gratuitas de livros e de outras
publicações, videoaulas, passeios virtuais por museus, shows de artistas
consagrados pela qualidade da arte que concebem, et., etc., etc.
Os que apostaram nisso
enxergando na internet e no mundo
virtual apenas coisas positivas esqueceram, ao que parece, que mesmo as ideias
aparentemente mais geniais e promissoras podem ser utilizadas para fins nada
benéficos e muito menos edificantes. Tais anunciadores do futuro desprezaram o
fato de que as gavinhas da ignorância não cessam de se movimentar a fim de
ocupar espaços, como a erva daninha que consegue medrar mesmo em terreno
aparentemente não propício para a sua proliferação.
A consolidação da internet – e não nos esqueçamos que
ainda não é pequeno o número de pessoas que não têm acesso a ela e/ou que têm
um acesso precário -, com todas as maravilhas que ela encerra, viu surgir, por
outro lado, a propagação da desinformação, dos discursos de ódio e de
perseguição a minorias, da apologia de práticas criminosas e da mentira com uma
facilidade e numa velocidade nunca antes vistas na história da humanidade. No
campo minado em que muito rapidamente foi se transformando o mundo virtual, a
criação e disseminação das chamadas redes sociais elevou o status daninho à
enésima potência.
Eu, você, nós, cada um de
nós certamente conhece no mínimo uma dúzia de pessoas que gastam um bom tempo
de seus dias mergulhadas no mar de futilidades, nulidades e de distorção da
realidade que imperam nesses ambientes. Dificilmente você vai encontrar dentro
de um ônibus, por exemplo, alguém fazendo uso do telefone celular para ler um
livro ou obter informações num site
de notícias. O mais comum – e eu falo isso com grande e por vezes aborrecido conhecimento
de causa, porque tem pessoas que fazem questão de ser inconvenientes o máximo
que podem – é você se deparar com gente que fica o tempo todo trocando
mensagens no WhatsApp ou então
acionando a barra de rolamento do Instagram
vendo a miríade de bobagens que uns e outros postam ali na esperança de ganhar
mais e mais seguidores e, claro, ser monetizados por isso.
Felizmente eu não pertenço à
geração Tik Tok. Na verdade, eu estou
bem longe disso. Certas sereias, por mais que cantem e até se esgoelem, não
conseguem me seduzir. Não estou imune a tudo, mas também não estou submisso a
tudo. Certas coisas não conseguem me atrair. Nunca que eu tive a ilusão de que
vidas e realidades perfeitas existem; e não seria agora, à beira dos 50 anos de
idade, que eu iria aderir a isso. Quem quiser que faça uso de filtros para
parecer bonito nas redes sociais. Quem quiser que corra atrás dos seus seguidores
a fim de ganhar seu dindim. A minha vibe é outra. Se eu tiver de ganhar
alguma relevância - e dindim, claro, porque todo mundo tem contas a pagar nem
que seja apenas com o inferno – será por força do mérito e não por nulidades e
desimportâncias.
Enquanto uns e outros estão
nas redes sociais preenchendo, tentando preencher seus vazios existenciais, eu
vou sentadinho nos ônibus lendo os meus livros. Enquanto uns e outros
permanecem cada vez mais presos a bolhas virtuais de desinformação crentes
muito crentes e/ou mesmo de má-fé, cumpliciados com redes criadoras e
disseminadoras de mentiras destruidoras de reputações, eu acesso sites confiáveis e vou lendo notícias e
tomando conhecimento de fatos. Que ninguém se iluda: nem toda luz realmente
clareia o que é preciso que nós enxerguemos.
Não que as campanhas
eleitorais tenham em algum momento da história sido exemplos de moralidade,
ética, respeito e de compromisso com a verdade com os adversários e conosco,
mas a atual disputa eleitoral visando à presidência da República tem sido, como
talvez nenhuma outra, um quase esgoto a céu aberto; e, ainda por cima,
colocando religião no centro dos debates. E, nessa seara, são muitos, por assim
dizer, os pecados cometidos pelos que estão quase se digladiando num ringue da
discórdia, tudo isso potencializado pela internet
e pelas inescapáveis redes sociais.
Será que temos conserto? Eu não
acredito nisso. Para mim isso vai seguir de mal para pior. Posso, dirão alguns,
estar fazendo uma leitura muito simplista e pessimista da realidade, quando se
considera que, às vezes, ocorrem transformações inesperadas. Vou repetir: eu
não acredito nisso. Sobretudo numa sociedade na qual tantos e tantos praticam
crimes e maldades dizendo que agem assim pensando no bem da maioria. Diante disso,
não há filtro, por mais poderoso que seja, que consiga deixar esse retrato
bonito.
Sigamos em frente, porque
não acreditar numa transformação para melhor da realidade, não significa
entregar os pontos, abrir mão dos princípios, não defender aquilo em que se
acredita e muito menos jogar fora a lucidez que nos resta.
PS – A quem interessar possa: eu pincei a expressão “ignorância pretensiosa” do ensaio “A grandeza e a miséria de ser Oswald de Andrade” do livro de Cassiano Nunes que tem o luminoso título de A felicidade pela literatura (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 111).
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