7 de janeiro de 2023

Hotel Tambaú: mais um capítulo de um absurdo que há de redundar em fracasso

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
O mais fiel e duradouro hóspede do Hotel Tambaú foi o tempo: o tempo que quase tudo corrói; o tempo que ignora maracutaias; o tempo que se sobrepõe às infrações cometidas contra as leis; o tempo que nada sabe de desigualdades sociais; o tempo que por vezes derruba as aparentemente inabaláveis estruturas; o tempo que é insensível e impiedoso; o tempo que, enfim, e no devido tempo, sempre e sempre cobra de algum modo a sua fatura



Quem acompanha o que eu tenho registrado aqui a respeito desse verdadeiro monstrengo de concreto armado que é o Hotel Tambaú, edificado em plena faixa de areia da orla praieira paraibana ao custo certamente do atropelo de leis e de sabe-se lá mais o quê. E eu continuo defendendo que a Prefeitura Municipal de João Pessoa e a Superintendência do Patrimônio da União fariam um grande bem à população em geral e se redimiriam do absurdo que foi ter liberado a construção daquela coisa ali, caso a demolissem e a devolvessem ao gozo do público a extensa faixa de areia da praia, a enorme paisagem natural que ele deformou ao ocupá-la.


                          


                                        


Passei alguns dias do último mês de novembro na capital paraibana, cidade que ainda me atrai pelo que nela é motivo de interesse principalmente intelectual para mim, como suas instituições culturais e o seu patrimônio histórico edificado situado no bairro do Varadouro e adjacências. Voltei a João Pessoa e me deparei com o Hotel Tambaú todo cercado por um tapume do grupo AMPAR Hotelaria de Participações Ltda; e exibindo, num ponto e noutro, placas que informavam que estavam realizando “recuperação estrutural emergencial”.

                                                        

                       


                       


Trata-se, é evidente, de mais uma tentativa de ressuscitar um incômodo cadáver que já havia sido desapropriado pelo prefeito Cícero Lucena depois que o prédio passou anos fechado e num longo lenga-lenga de leilões enquanto acumulava dívidas volumosas. Eu na minha humilde opinião, opinião que, aliás, não vale nada, não concordara com o ato de desapropriação efetivado pela Municipalidade, porque, trazer para as costas do povo o custo de manutenção de um prédio e de seu entorno – quadras, estacionamento, etc. – era mais um absurdo na lista de absurdos que se amontoam na história da liberação e da construção do dito hotel.


                              



                                        


Noto que, aqui e ali, uns e outros ficam vendendo a falsa ideia de que aquele incômodo de concreto armado é o “principal cartão-postal da cidade”. Mentira, mentira, mentira... Três, quatro, cinco, inúmeras vezes mentira. Eu e tantos outros turistas que eu já ouvi consideram aquela construção algo inteiramente inadequado, porque subtraiu do banhista e do praieiro uma enorme área de convívio social e de aproveitamento da praia como espaço de lazer público. E as reclamações agora só aumentaram por conta da cerca que puseram à beira-mar, dificultando um pouco mais a passagem por ali quando da alta da maré.


                                       


                                      


O Hotel Tambaú, isso é evidente para qualquer que tenha um mínimo de consciência e de conhecimento de leis sobre uso e ocupação do solo, é uma edificação que como se não bastasse o fato de estar monstruosa e desavergonhadamente ocupando uma área da União – e sabe-se lá a que custo os seus planejadores conseguiram o aval e a liberação para construí-la -, oferecia um serviço de hospedagem que estava ao alcance de alguns poucos financeiramente privilegiados; e, agora, como tem sido anunciado pelo grupo que está à frente das obras de reestruturação do prédio e dos equipamentos de seu entorno, o caráter de exclusivismo só vai aumentar, porque, segundo eu li, a ideia em voga é de torná-lo um hotel mais requintado etc. e tal.


                              


                                  


Num daqueles dias de novembro mais uma vez eu me atribuí a tarefa de dar uma volta ao redor do tapume e da cerca para fotografar alguns nacos do Hotel Tambaú para ilustrar esta narrativa. Eu já disse noutra ocasião e vou repetir aqui: sempre me causa desconforto e até me irrita caminhar pela orla de João Pessoa e me deparar com aquilo lá, porque sua permanência é acintosa, é vergonhosa, é ultrajante é, em uma palavra, absurda. Ouso até dizer que, sim, ele é o “principal cartão-postal” da cidade, mas de uma lista que reúna os cartões-postais negativos, os cartões-postais os quais não se deve visitar, os cartões-postais que integram o conjunto que as agências de viagens recomendam que deles o turista deve manter distância.


                         


                          


Aposto que todo esse movimento de reestruturação do Hotel Tambaú, ora em curso, visando ao retorno do seu pleno funcionamento resultará em um novo fracasso e em nova perda de dinheiro, de muito dinheiro. Não é pouco o que se gasta para conseguir conservar uma estrutura de concreto que diuturnamente sofre com a ação das ondas e da maresia, que tudo de alguma maneira impacta, como é bem sabido. E, caso a expectativa de ocupação não seja alcançada e o negócio se revelar outra vez um investimento furado, nós assistiremos novamente ao fechamento do hotel pelo acúmulo de dívidas e por falta de entendimento de que ele é algo fadado ao fracasso que nenhuma política de beneficiamento público, como isenção fiscal e outras coisas do gênero, poderão salvar.


                        


                          


O mais fiel e duradouro hóspede do Hotel Tambaú foi o tempo: o tempo que quase tudo corrói; o tempo que ignora maracutaias; o tempo que se sobrepõe às infrações cometidas contra as leis; o tempo que nada sabe de desigualdades sociais; o tempo que por vezes derruba as aparentemente inabaláveis estruturas; o tempo que é insensível e impiedoso; o tempo que, enfim, e no devido tempo, sempre e sempre cobra de algum modo a sua fatura.

2 comentários:

  1. Gosto muito desse seu olha pro quanto os governantes tratam suas referências estaduais. Vc faria isso com o quanto restou do peixe boi no Forte Orange?

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  2. Não é a mesma coisa. A estrutura do Projeto Peixe-boi era harmoniosa com o ambiente e não atrapalhava o caminhante nem tampouco o banhista. O que ocorreu foi que o avanço do mar atingiu o complexo. Quem o concebeu, infelizmente, não pensou na dinâmica marinha

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