6 de janeiro de 2024

A ilha-cidade invadida e subtraída

 Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Quando chega o verão, a Ilha de Itamaracá, que é uma ilha-cidade, é tomada por aquilo que se convencionou chamar de população flutuante; uma gente que vem conhecer o lugar e passar uns dias, principalmente porque o período coincide com as férias escolares. Tal população flutuante causa vários transtornos num lugar que nem bem consegue atender as necessidades de infraestrutura dos próprios moradores



Tão certo como a sucessão dos dias e das noites é o grande movimento de pessoas que em todos os verões se deslocam para os principais balneários do país; movimento esse que costuma duplicar, triplicar e, às vezes, até quadruplicar a população do lugar; e essa costumeiramente chamada de "população flutuante", porque não é moradora fixa e apenas sazonal, provoca toda sorte de transtornos no cotidiano das localidades onde temporariamente ela se instala.

E quais são esses transtornos? Do congestionamento do tráfego de veículos passando pela problemática do abastecimento de água e pelas quedas no fornecimento de energia elétrica até a quantidade muito maior de lixo que se acumula aqui e ali e que sobrecarrega o serviço de coleta mantido pelas Prefeituras Municipais. E quem mais costuma sofrer com esses problemas são os moradores dessas cidades, porque passam mais dias sem ver água nas torneiras, convivem com apagões mais frequentes por causa da alta demanda e têm de conviver com o intervalo mais longo para que o lixo seja recolhido. E quando eu digo que quem mais sofre com esses infortúnios são os moradores é porque o visitante tem a opção de cair fora dali, caso a situação chegue a um ponto crítico, e os moradores não.


Sinceramente eu não acredito que quem descarta lixo em todo e qualquer lugar não tenha um mínimo que seja de educação e nem saiba nada de preservação ambiental. Não, gente, quem faz isso são pessoas de puro maucaratismo que não estão nem aí para essas questões de preservação ambiental. E não se iludam, esses indivíduos irresponsáveis estão em todas as classes sociais. Na Ilha de Itamaracá, quem não se mobiliza para preservar a ilha são as mesmas pessoas que furtam água e energia elétrica, que não pagam IPTU, que invadem terrenos e que tem a cara de pau de cobrar da Prefeitura Municipal melhorias de infraestrutura do lugar


Muito embora esteja há pelo menos duas décadas sofrendo de forma contundente com os efeitos  de uma realidade de abandono no que diz respeito ao empenho do Governo do Estado em promovê-la turisticamente e com a inépcia de sucessivas administrações municipais que, ao que parece, só trataram de fazer da Prefeitura cabide de emprego para apoiadores e financiadores de campanhas eleitorais, a Ilha de Itamaracá, a ilha-cidade da Região Metropolitana do Recife permanece sendo, apesar do fechamento de hotéis e pousadas, da infraestrutura precária e da supressão de vários eventos culturais e náuticos que nela ocorriam, um balneário muito procurado por indivíduos de baixa renda e da classe média baixa.

E essa procura tem um custo elevado para a ilha-cidade. Vê-se a proliferação de loteamentos de terrenos e o erguimento de construções de imóveis comerciais e residenciais que parecem não ser fiscalizados pela Municipalidade. E crescem a olhos vistos as invasões de áreas ao longo das rodovias, favelizando a ilha-cidade que segue como se fosse uma terra de ninguém. 


Rua Itapera, uma das transversais da famigerada e descuidada Estrada do Forte: o caminhão-pipa é um personagem muito presente nas ruas itamaracaenses no verão, uma vez que o abastecimento de água, que já é não é exemplar ao longo de todo o ano, piora um pouco mais. Além do ilustre personagem veicular que é por si mesmo a indicação da existência de um problema, nós vemos nesta sequência de fotos algumas outras deficiências da localidade: rua sem pavimentação; lixo aos montes; e esgoto correndo a céu aberto










A rodovia conhecida como Estrada do Forte é, a meu ver, um resumo do muito de ruim que marca o conceito de urbanização que vem há muitos anos imperando na ilha-cidade. O morador dessa localidade depara-se com um quadro deprimente e lamentável todas as vezes que percorre o caminho; e o visitante atento certamente tem a mesma visão da degradação e do desleixo que pontuam a estrada em ambos os lados dela. São invasões de terrenos com construções dos mais variados tipos; desrespeito ao distanciamento que deve haver entre a rodovia e a construção do edifício - o caso mais absurdo dessa situação é o de uma moradia que tem um puxadinho que vai até a beira do asfalto; e o proprietário, achando pouco, ainda coloca cones lá -; lixo depositado em várias esquinas; partes da estrada esburacadas; e um descaso quase que total às regras urbanísticas da Prefeitura Municipal, se é que elas realmente existem - outro exemplo do "eu posso tudo" imperante por ali: um sujeito tapou, a seu bel-prazer, a tubulação de um bueiro, com certeza pensando que ninguém da Municipalidade apareceria para importuná-lo e dizer que o que ele fez não poderia ter sido feito; e ficou por isso mesmo.

A impressão que me dá, eu que moro há mais de vinte anos na Ilha de Itamaracá, é de que a ilha-cidade é inimiga ferrenha do progresso e da civilidade. Só sendo. Só sendo assim para explicar por que obras municipais se encontram paradas, como as que se veem no bairro Rio Âmbar - uma escola e uma creche -; a Municipalidade permite a ocupação desordenada do espaço público; não se veem projetos visando ao melhoramento e ao engrandecimento do lugar; e as coisas, em geral, seguem como que num descompasso com o urbanismo que se propõe a melhorar as condições da cidade e, por conseguinte, a vida dos seus moradores, porque uma cidade é essencialmente constituída e formada para bem abrigar os que residem nela.

Muitos anos atrás eu escrevi algo que quero repetir agora porque a mim me parece que, transcorrido tanto tempo, é uma sentença que continua sendo muitíssimo válida, principalmente quando se leva em conta e se compreende e se constata que muitos indivíduos ingressam na esfera pública da gestão municipal não para melhorar as condições estruturais e socioeconômicas da ilha-cidade e sim para melhorar as suas próprias vidas: Itamaracá é uma ilha da qual vem sendo subtraídos todos os seus tesouros.

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