Por Sierra
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Fotos: Arquivo do Autor O professor Marcondes Lima falando sobre a influência da obra de Bertolt Brecht na do pernambucano Hermilo Borba Filho, no Teatro Apolo, no Recife |
Com toda a segurança e reflexão que o dsitanciamento nos leva a apreciar, avaliar e pesar fatos da nossa vida, da nossa formação enquanto pessoa e mesmo daquilo que vai dentro de cada um de nós no cultivo do que se convencionou chamar de vida interior, eu olho para trás e vejo e reconheço que, sem sombra de qualquer dúvida, a passagem pela universidade e tudo, absolutamente tudo que eu experimentei no meu ciclo acadêmico marcaram dois tempos, dois períodos e duas fases muito, muito distintas da minha vida sob os mais diversos aspectos, o que, vale dizer, inclui o entendimento e a compreensão do meu eu e do meu estar no mundo.
Esse olhar para trás, esse quase me teletransportar para o campus da Universidade Federal de Pernambuo, no vigor de um jovem adulto, me faz recordar do quanto eu era oco e vazio em termos de apreensão de produtos culturais, digamos assim, que fossem algo consideravelmente mais substancioso do que o que eu até então consumira. E essa percepção de mim mesmo, essa mirada direta para o espelho da minha existência me fez compreender, naquela rotina tão atribulada em que eu tinha que me esforçar para conseguir conciliar trabalho ganha-pão com a ida às aulas, o quanto eu estava aquém e distante, no ambiente acadêmico, do aparato intelectual de alguns dos meus colegas de turma que, eu via, porque as evidências disso saltavam aos olhos o tempo todo, tiveram e tinham uma realidade de vida bem diferente da que eu tivera e tinha até aquele momento.
Mas, longe de fazer com que eu me sentisse um sujeito esmagado pela minha inferioridade intelectual e por minha bagagem cultural tão diminuta que poderia me levar a pensar que aquele ambiente não era para mim e que eu estava no lugar errado, aquela vivência, pelo contrário, me levou a ter mais fome e sede de saber e a querer, foucaultianamente falando, aprender mais e mais sobre as palavras e as coisas de um modo que eu nunca havia experimentado até então.
E o que aconteceu comigo a partir dali foi que eu, de fato, comecei a cultivar uma vida interior; e isso desencadeou em meu ser um processo vertiginoso de procuras e de entendimentos de mim e do que estava ao meu redor; procuras e entendimentos esses que me levaram, por exemplo, a compreender: a minha sexualidade e a minha história de vida; os pensamentos de minha mãe; os porquês disso e daquilo; as revoltas interiores que eu mantinha; o desapego a certas convenções sociais, como constituição de uma família e a necessidade de ter de parecer o que não se é; o abandono puro e simples de gente que passou pela minha vida; a aceitação e a afirmação de que eu não acredito no sobrenatural; e o entendimento de que a seara da solidão sempre foi para mim um território de prazer, conforto e paz interior, de modo que ela é uma conquista e não uma punição ou algo que o valha.
Caro leitor, se você me acompanha aqui neste espaço, já deve ter notado que, às vezes, ao abordar certos assuntos, eu faço, um, por assim dizer, prólogo, uma introdução dizendo e narrando vivências pessoais para, só então, ir adiante. E hoje não foi diferente.
Ao traçar de modo resumido como se processaram em mim a fome e a sede de saber, do aprender e do conhecer, eu quis revelar uma trajetória de construção de uma vida interior para dizer de um fato que eu experienciei no último dia 16 de julho.
Na noite daquela quarta-feira, dentro da programação da Semana Hermilo, um evento anual promovido pela Prefeitura Municipal do Recife para celebrar a vida e a obra do dramaturgo e escritor pernambucano Hermilo Borba Filho, ocorreu, no Teatro Apolo, uma roda de conversa com o professor da Universidade Federal de Pernambuco Marcondes Lima, abordando o tema "Cena épica segundo Brecht e Hermilo Borba Filho". Em que pese o fato de que o evento começou com vinte minutos de atraso, Marcondes Lima, que, além de professor de Artes Cênicas, é ator, diretor e outras coisas mais, ofereceu à plateia muito miúda - não cheguei a contrar, mas acredito que não havia nem vinte pessoas ali - um panorama teatral remontando até os gregos para chegar a fazer uma relação entre o teatro do alemão Bertolt Brecht e o do brasileiro Hermilo Borba Filho.
Ao mesmo tempo em que eu me sentia muito privilegiado por estar participando e prestigiando um evento que, além de ser de muito boa qualidade e de alto nível, era gratuito, eu lamentei que pouquíssimas pessoas estivessem ali na plateia para aprender com a aula do professor Marcondes Lima. Daí por que eu fiz o prólogo onde contei da minha busca por conhecimento porque, durante tal percurso - e para dizer que esse desprezo pela cultura por parte do público de agora não pode ser explicado somente, como querem alguns, pela adesão e apego maciços de nossa sociedade às tecnologias eletrônicas interligadas pela rede mundial de computadores -, eu me deparei diversas vezes com eventos artísticos e culturais cujas plateias, em alguns casos, não chegavam a dez pessoas, e isso, gente, nos idos da segunda metade da década de 1990.
É indiscutível, ou melhor, são indiscutíveis a importância e o alcance da rede mundial de computadores no seio das sociedades do mundo como um todo, bem como as transformações que paulatinamente sua massificação promoveu e vem promovendo em várias esferas de nossas vidas, alterando uma série de práticas e atividades cotidianas que vão desde consumo e aquisição de alimentos, roupas e calçados e passam por transações financeiras, a maneira como entramos em contato e consumimos produtos artísticos e culturais e modificando, na esteira dessas mudanças, comportamentos sociais e as relações interpessoais.
Assim como eu, certamente você, que está lendo este artigo, convive com pessoas que não mantêm qualquer contato com teatros, livros, exposições, palestras e etc.; e que vivem muito ligadas e presas às redes sociais, fazendo delas parte do esteio de suas vidas, o que, de certa forma, revela que estamos nos empobrecendo culturalmente em alguma medida.
Ainda estamos em pleno inverno; e por aqui, onde eu moro, as noites têm sido frias. Mas aqui, como lá e acolá, se é inverno ou verão, não falta quem insista em continuar se enrolando com o cobertor da ignorância.
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